Debate: Jornalistas precisam de diploma?

Na iminência do Supremo Tribunal Federal julgar o recurso que questiona a exigência de curso superior específico para jornalistas, os profissionais da área seguem divididos. Mais do que interesses paroquiais, está em jogo a formação de um profissional que deve servir como consciência crítica da sociedade. Convidamos dois professores universitários a expor suas diferentes visões sobre o assunto.

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Regulamentação organiza compromisso da categoria – por Hamilton Octávio de Souza
Dor de Bolso – por Cláudio Julio Tognolli


Regulamentação organiza compromisso da categoria

por Hamilton Octávio de Souza

De tempos em tempos as empresas jornalísticas atacam a regulamentação da profissão de jornalista, seja por meio de projetos de lei apresentados no Congresso Nacional, geralmente por deputados e senadores que colocam seus mandatos a serviço do capital, seja por ações no Judiciário, geralmente por juízes subordinados aos interesses patronais. Nos últimos anos os ataques ganharam maior força no bojo da onda neoliberal e do refluxo dos movimentos dos trabalhadores.

Vale lembrar que a regulamentação da profissão de jornalista e a exigência de curso superior para o registro e o exercício profissional do Jornalismo, a partir de 1971, representaram importante conquista para os jornalistas, valorização e definição do perfil profissional da categoria, elevação do nível técnico e cultural dos novos profissionais, compromisso com a ética e com a prestação de serviço público relevante, o desenvolvimento dos estudos acadêmicos e científicos sobre o Jornalismo.

Antes dessa regulamentação, a atividade jornalística era sistematicamente invadida e ocupada por curiosos e aventureiros que se dispunham a fazer “bicos” e trabalhar voluntariamente por indicação livre dos donos das empresas jornalísticas. A profissionalização era precária. Muitos professores, advogados, policiais e outros profissionais usavam o jornalismo como atividade secundária, para complementação da renda e para defender interesses específicos. Não raramente as redações abrigavam “jornalistas” que se dedicavam ao achaque e à extorsão.

Mesmo com a reconhecida deficiência do ensino superior no Brasil e com a proliferação descontrolada de cursos de Jornalismo de baixíssimo nível, a exigência de formação universitária fortaleceu as lutas da categoria para a conquista de piso salarial, jornada especial de trabalho e contratos coletivos conforme a realidade da organização dos jornalistas em cada base sindical. A exigência tornou a formação acadêmica bastante atraente e disputada, com desdobramentos profissionais para áreas afins, como a assessoria, a comunicação institucional, o documentarismo etc.

A regulamentação da profissão nunca restringiu a liberdade de expressão de quem quer que seja e nem impede que qualquer pessoa, de qualquer profissão e segmento social, tenha acesso aos meios de comunicação e contribua com jornais, revistas e emissoras de rádio e TV. A regulamentação vale apenas e tão somente para quem vive da atividade jornalística, é assalariado, vende a mão-de-obra para as empresas jornalísticas. A regulamentação define quem é profissional e quem não é profissional; e essa definição deve ser dada pela sociedade, através do Estado, e não pela vontade dos empresários e concessionários dos meios de comunicação.

Hamilton Octávio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP
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Dor de bolso

por Cláudio Julio Tognolli

A persuasão adulatória professada por alguns professores de jornalismo, em prol do diploma, apesar da desconversa, é vitalmente marxista: relações de manutenção da práxis, vulgo trabalho humano infinito. Vulgo terem trabalho. Marx falou claramente sobre crime em dois episódios: no artigo Capital Punishment, encomendado pelo New York Daily Tribune, e num trechinho de Teorias da mais-valia. Para ele, o crime dá emprego para a polícia. Também para o carrasco e ao professor que leciona direito criminal. Diploma de jornalismo dá emprego a professores de jornalismo: um arranjo essencialmente econômico – apesar de rótulos, adjetivos, quase sempre acrescentados a uma discussão substantiva. Uma escuridão egípcia, de classe, procura ocultar essas razões.

A Grande Internação (La Grand internement), referida por Foucault, já indicava a criação de uma nova ordem de loucos. Com o fim da lepra, nacionalistas funcionários públicos, em geral, iriam perder seus empregos nos lazaretos. Criou-se uma nova taxonomia de loucuras, sub-loucuras incapacitações mentais. Assumida pelo cambalacho, por funcionários, como se isso se lhes legitimasse o emprego – e legitimou. Novos loucos ocuparam o lugar do leproso. E a bonomia empregatícia se manteve aos meirinhos e esbirros. A defesa pública do diploma de jornalismo, muitas vezes, é uma meia-confecção, uma gabolice que se configura, também, numa exigência expressa pela manutenção dos próprios vencimentos.

Desconfio de professor de jornalismo que defende, multitudinariamente, o diploma. Desconfio de jornalista sem diploma que defende o fim do diploma. Sou professor de jornalismo, diplomado, mestrado e doutorado. Mas não defendo o diploma. Os melhores jornalistas deste país, digamos Élio Gaspari e Jânio de Freitas, não dispõem de canudo. Desconfie do idealista que lucra com o próprio ideal, notou Millôr. A Fenaj defende o diploma: Fenaj é CUT, CUT é PT, e PT é governo. Pelo menos jogam claro: nada mais natural que guildas medievais defendam (brandindo, como Moisés ensandecidos) o babalaô de exigências positivistas-tecnocráticas para o ato se noticiar um congestionamento. Ou para a cópia de CD’s com escutas feitas pela Polícia Federal em alguma operação.

Discutem-se excrementos técnicos, como se o cheiro fosse secundário ao artefato. Muito jornalista sem diploma, que jamais leu a Constituição, por exemplo, teme que um advogado tome seu lugar. Muito jornalista diplomado, que lê com dificuldade, e movimenta os lábios quando se depara um trecho de leitura mais complexo, teme que um leigo estudioso tome-lhe a vaga. A discussão do diploma é a defesa do bolso travestida de argumentos edificantes – ainda que com pitadas de auto-indulgência.

Cláudio Julio Tognolli é jornalista e professor da ECA-USP
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