USP se une a Monsanto

Contrato abusivo entre Universidade e Monsanto foi alterado para concretizar parceria acadêmica

Uma parceria que a USP, a Fusp (Fundação de Apoio à USP) e a Monsanto, empresa transnacional ligada à área de agrotóxicos e pesquisa com organismos transgênicos, fecharam recentemente causou estranhamento nos membros do Conselho de Pesquisa da USP e polêmica na Universidade.

A parceria é conhecida desde o final do ano passado, quando o Projeto Pré-Iniciação Científica foi anunciado pela pró-reitora de Pesquisa, Mayana Zatz. Esse projeto oferece bolsas de estudo de pesquisa científica para alunos do 1º e do 2º anos do Ensino Médio da rede estadual, no valor de R$ 150 e com duração de um ano. Nele, a Monsanto entra com uma ajuda de R$ 220 mil para pagar a bolsa dos professores. Ele ainda envolve a Secretaria do Estado de Educação, que cuida dos alunos e professores da rede púbica, e o Banco Santander, que entra com R$ 720 mil para pagar a bolsa dos alunos. A Fusp intermedia os financiamentos.

A polêmica, entretanto, só começou em maio desse ano, quando o Conselho de Pesquisa se reuniu em reunião ordinária. O contrato com a Monsanto lhes foi dado apenas para ser referendado. Isso teria ocorrido facilmente se algumas das cláusulas não tivessem chamado a atenção de alguns membros. O contrato dizia, entre outras coisas, que a Monsanto iria supervisionar o andamento do projeto (cláusula 5ª), que a Fusp e USP deveriam se submeter a uma lei estadunidense, a “Lei Contra Práticas de Corrupção Estrangeira” (cláusula 9ª), e que ambas também deveriam acatar um termo de sigilo e confidencialidade, que as proibiria de divulgar qualquer informação relacionada à Monsanto nesse projeto em um período de dez anos.

A professora Ermínia Maricato, da FAU, foi a primeira e se manifestar. Lembrou os presentes na reunião do livro francês Le Monde selon Monsanto (O mundo segundo a Monsanto) e de um documentário franco-canadense, ambos retratando os crimes ambientais e relacionados à saúde humana cometidos pela empresa. Questionou as implicações éticas para a USP ao se ligar a uma empresa tão polêmica. Entretanto, a professora foi criticada por alguns por se valer de argumentos éticos para questionar a parceria. Para eles, somente problemas contratuais poderiam ser ali discutidos.

Outros membros do Conselho apoiaram a professora, considerando o contrato lesivo para a USP. Criticaram a cláusula 9ª por ser ilegal (não tem validade jurídica, visto que a USP é uma autarquia pública e não tem autonomia para se submeter a uma legislação estrangeira por via contratual) e a cláusula 5ª, pelo fato de a supervisão da Monsanto ferir a autonomia científica da universidade.

No contrato, a empresa não dizia o porquê de seu interesse naquele projeto. Para os representantes discentes, faltaram mais esclarecimentos naquele contrato. “Seria de interesse da Monsanto porque ela quer ter sua imagem – depreciada na opinião pública – vinculada à da Universidade de São Paulo? Tal hipótese não pode ser descartada, já que, no próprio convênio, a única explicação trazida ao debate público é que ‘é de interesse da Monsanto patrocinar tal projeto'”, escreveram no parecer ao Conselho. A assessoria de imprensa da empresa afirmou que foi a USP que os procurou.

Pressão

Houve pressão para que o projeto fosse rapidamente aprovado, sem muita reflexão. Um dos membros disse que se a parceria não fosse aprovada naquele momento, o Projeto não entraria em vigor naquele ano. Disseram ainda que aquela discussão faria com que os jovens fossem privados de um ótimo projeto. A professora Valéria de Marco, da FFLCH, foi quem atentou para a incoerência daquela pressão e disse que o Conselho precisava discutir aquilo com calma.

Um prazo, até 21 de maio, foi estabelecido para que as alterações no contrato fossem sugeridas e enviadas para análise à Consultoria Jurídica da USP e a todas as partes envolvidas. Os representantes discentes emitiram um parecer em 21 de maio, feito após intenso debate que envolveu também a Associação dos Pós-Graduandos, no qual propunham que houvesse alterações nos seguintes pontos: troca de “supervisionar o bom andamento deste Convênio” por “acompanhar” e a supressão da cláusula 9ª (sobre a submissão à lei estadunidense).

As outras propostas foram o estabelecimento de um prazo de dez dias a partir do recebimento do material de divulgação da Monsanto para que a USP o julgasse e de um limite de 5% do valor dado pela empresa para gastos com sua divulgação, em vez de dois dias a partir do envio e gastos ilimitados; e que não só a USP e a Fusp fossem submetidas a uma cláusula de sigilo e confidencialidade, como a Monsanto também o fosse.

O novo contrato foi referendado em Reunião Extraordinária do Conselho, em 25 de junho. Na ocasião, o pró-reitor de Pesquisa em exercício era Paulo Saldiva. Com exceção de três abstenções (dos discentes Christy Ganzert e Stefan Klein, ambos da FFLCH, e da professora Ermínia Maricato), foram 32 votos a favor do convênio. Stefan ressaltou que os convênios deveriam ser trazidos com mais antecedência para debate, logo no início da negociação (a parceria com a Monsanto foi anunciada desde o final do ano passado por Mayana Zatz, mas chegou ao Conselho apenas em maio, já para ser referendada).

Segundo Antonio Marcos Massola, diretor-executivo da Fusp, a instituição também não aceitou a cláusula sobre a submissão à lei estadunidense. Questionado sobre como a Fusp vê o fato de a USP ligar-se a uma empresa com conduta questionável, respondeu que “as atividades celebradas para gerenciamento da Fusp dependem do que a Universidade pensa em executar e a Fusp apenas é o instrumento para a contratação”.

Preocupação

O fato de a USP fechar uma parceria com uma empresa com muitos processos no Brasil e várias condenações nos Estados Unidos, todos ligados à questões ambientais que envolvem transgênicos e agrotóxicos, causou polêmica dentro da universidade. O professor Wilson da Costa Bueno, da ECA, disse que esse tipo de parceria é uma estratégia comum de algumas empresas privadas que querem se aproximar do setor acadêmico, pois, ao ligar seu nome a uma instituição de prestígio, acabam se beneficiando. Ele acredita que muitas limpam seu nome quando se aliam à USP. “Temos o direito de suspeitar quando as coisas não são transparentes”, afirmou.

A professora Lisete Arelaro, da Faculdade de Educação, disse que ficou muito surpresa com a parceria, “porque para se poupar e evitar problemas e críticas, a USP, a princípio, se resguarda e evita parcerias com empresas polêmicas. Não dá para nós, professores, dizermos que não sabemos quem é a Monsanto, nem ignorarmos todas as críticas em relação à empresa, até porque somos pagos pelo povo para sermos bem informados. O que eu estranhei também é uma certa recusa da própria Pró-Reitoria [de Pesquisa] em prestar as informações que ela deveria”.

Pedro Bombonato, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, coordenador do projeto, e Maria Helena Guimarães, secretária estadual de educação, foram procurados para que se pronunciassem a respeito do assunto, mas não deram retorno aos pedidos de reportagem do JC até o fechamento desta edição.