Debate: divergências no Museu do Ipiranga

O Museu Paulista da USP, também conhecido como Museu do Ipiranga, é um dos mais visitados da cidade de Sâo Paulo. Passam por lá cerca de mil pessoas por dia. Há dois meses, o projeto de reforma, de Eduardo Colonelli e Silvio Oksman, foi aprovado. Além da ampliação da área construída, o plano prevê duas torres externas, de vidro e aço, com quase a altura dos salões principais.

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A intervenção deve ser visível – por Carlos Faggin
Oportunidade perdida – por Lucio Gomes Machado


A intervenção deve ser visível

por Carlos Faggin

Na passagem entre os séculos XVIII e XIX, iniciava-se em Paris a discussão sobre o futuro das artes. Para a arquitetura, o caminho para o futuro desenhava três possibilidades.

Na conservadora Real Escola de Belas Artes da França se acreditava que a arquitetura já tinha sido inventada e que nada mais restava aos arquitetos do que copiar os clássicos gregos e romanos. Na Escola Politécnica de Paris, menos conservadora, se acreditava que ainda era possível desconstruir a arquitetura clássica e reformatá-la usando seus principais componentes em uma outra ordem, tal como um Lego. Na Escola Nacional Francesa de Pontes e Pavimentação, essa preocupação simplesmente não existia, uma vez que a demanda pelos serviços dos formandos daquela escola técnica era muito grande e o tempo para essa discussão minguava.

Passados alguns anos o que se viu foi um predomínio pedagógico da Belas Artes a ditar as regras do ensino e da prática da arquitetura durante boa parte do século XIX, tanto na França como nos demais países ocidentais, entre eles o Brasil. O pragmatismo da Politécnica, porém, prevaleceu a partir da segunda parte do século XIX, desabando no que conhecemos como ecletismo. Por fora corriam as idéias da Escola de Pontes, essas sim inovadoras e criadoras, que resultaram em uma renovação, a “arquitetura dos engenheiros”, segundo Giulio Carlos Argan, competente historiador italiano.
Já nas primeiras décadas do século XX o racionalismo, o funcionalismo, o construtivismo e o organicismo mostraram que o caminho apontado pelos engenheiros era o verdadeiro caminho da renovação.

Em São Paulo está o Museu Paulista, edifício-símbolo da nação brasileira, localizado no sítio da proclamação da independência, às margens do Ipiranga. Ali, o italiano Tommaso Bezzi o projetou e construiu em 1890 no estilo eclético e sabemos que as duas alas laterais projetadas por Bezzi nunca foram construídas.

Passados 118 anos da sua conclusão ao ensejo de uma necessária ampliação discute-se o caráter desse projeto de renovação. É impositivo que a arquitetura contemporânea brasileira se mostre, evidenciando a intervenção que deve ser feita. A área construída passará de 5000m² para 24000m² e isso não pode ficar escondido em subterrâneos ou na timidez do desenho de rampas e escadas internadas em blocos de vidro.

Não acredito que nada mais reste aos arquitetos brasileiros do que repetir aquilo que os ecléticos fizeram como querem os conservadores. Isso é a renuncia ao conhecimento e a submissão inaceitável ao passado.

A intervenção para a ampliação do Museu Paulista deve ser visível e impositiva, a dialogar frente a frente com a obra de Bezzi. Repropor as alas laterais que não foram construídas, essa é a verdadeira esperança do projeto.

Carlos Faggin é arquiteto, professor associado da FAU-USP, conselheiro do Condephaat-SP.
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Oportunidade perdida

por Lucio Gomes Machado

A polêmica recentemente aberta a propósito da aprovação do projeto para a ampliação do Museu Paulista pelo Conpresp – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – suscita diversas questões sobre o trato de bens com valor cultural expressivo e sobre a forma como a USP conduz essa questão.

Desde já, deve-se ressaltar que o arquiteto responsável pelo projeto – Eduardo Colonelli – é um profissional altamente qualificado. Assim, as questões a seguir levantadas não devem ser tomadas como críticas à sua pessoa ou atividade profissional. Pretende-se, a partir de um caso específico, discutir problemas de maior amplitude e interesse para a Universidade.

Como se sabe, o tombamento de um imóvel não significa que não possam nele ser procedidas intervenções, mas sim que quaisquer alterações devam ser feitos em conformidade com critérios técnico-científicos reconhecidos pelo Conselho que determinou seu tombamento.

Por outro lado, intervenções, como a deste caso, configuram um projeto de arquitetura com nova autoria, caso o autor da obra original não possa ou se recuse a assumir sua condução. É, portanto, uma atividade que pressupõe conhecimento especializado, adequada leitura do edifício e eventual adoção de novos critérios para a compatibilização de novos espaços com os pré-existentes e que inevitavelmente resulta em toque autoral individual.

O edifício do Museu Paulista foi originalmente construído para servir como um limite visual para o eixo da Av. D. Pedro I, cujo foco é o Monumento à Independência. Após a conclusão de sua construção, procurou-se encontrar uma finalidade para seus espaços, de consideráveis dimensões. A instalação de um Museu no edifício trouxe complexos problemas para sua operação, uma vez que suas salas e eixos de circulação nunca foram adequados para a atividade museológica.

Diversas intervenções (às vezes sem qualquer acompanhamento técnico qualificado) foram realizadas no edifício, sobretudo nas últimas décadas, algumas das quais mal conduzidas. Foram realizadas sem que tenha havido participação ou mesmo discussão mais profunda no âmbito da Universidade, com a necessária participação daqueles que tratam especificamente de Arquitetura, Urbanismo e Patrimônio Cultural edificado.

Da mesma forma, não se tem notícia de pronunciamento do Conpresp sobre estas questões, como também não há clareza quanto às razões que levaram estes órgãos de preservação à aprovação das dezenas de edifícios no entorno do Museu e do Monumento, interferindo na sua ambiência e contrariando os objetivos de seu tombamento.

A USP deveria ter incentivado a comunicação entre suas unidades para que exemplares como o edifício do Museu Paulista fossem objeto de pesquisa.

Lucio Gomes Machado é arquiteto, professor doutor da FAU-USP e ex-conselheiro do Conpresp.
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