Intervenções urbanas pedem passagem

Escultura de Tomie Ohtake e estátuas vestidas com coletes salva-vidas colocam a USP no circuito das intervenções urbanas e mostram como esse tipo de representação artística conquista cada vez mais espaço nas ruas das grandes cidades

Grafites, pinturas, esculturas e outros tipos de representações artísticas conseguiram conquistar seu lugar no espaço urbano. As cidades viraram uma tela em branco em que os artistas podem desenvolver ao máximo sua criatividade e levar a arte até o público de maneira bastante efetiva, gerando debate e reflexão sobre temas propostos pelas obras.

Quase não existem limites impostos para esse tipo de intervenção no ambiente urbano. Segundo Vera Pallamin, professora da FAU e especialista em arte urbana e cultura nos espaços públicos, “os modos de intervenção artística na cidade contam com uma variação de possibilidades tão grande que tudo se tornou disponível para a arte”. Qualquer elemento no meio urbano torna-se uma ferramenta para que os artistas expressem suas idéias por meio de seus trabalhos.

A Cidade Universitária conta, neste semestre, com duas novas intervenções artísticas de grande porte: a escultura de Tomie Ohtake, no gramado da FEA, e a obra “Sobrevivência” do artista plástico Eduardo Srur, localizada no monumento a Ramos de Azevedo e na estátua de Armando de Salles Oliveira. Srur é conhecido por ter colocado caiaques no Rio Pinheiros e garrafas pet gigantes na Marginal Tietê. Mesmo assim, Vera acredita que “esse tipo de atuação ocorre na USP, talvez, menos do que deveria e o modo com que se apropria do espaço público é bastante calmo”.

Sobreviver é preciso

“Despertar a imaginação de quem vê o monumento”. Esse é um dos objetivos de “Sobrevivência”, nova intervenção de Eduardo Srur em que o artista vestiu 24 coletes salva-vidas em 16 monumentos públicos da cidade de São Paulo, dois deles na USP. “A seleção [das estátuas] considerou monumentos que precisavam de atenção da sociedade, devido ao seu estado de deterioração”, diz Srur. Em relação à escolha da Cidade Universitária para expor parte de sua obra, ele afirma que a Universidade “é um campo interessante de pesquisa” e, por isso, fez questão de inseri-la na composição de seu trabalho.

SOBREVIVENTES NA USP: Estátua Armando de Salles Oliveira e Monumento a Ramos de Azevedo vestidas com os coletes salva-vidas (fotos: Marina Yamaoka; Hilton de Souza)
SOBREVIVENTES NA USP: Estátua Armando de Salles Oliveira e Monumento a Ramos de Azevedo vestidas com os coletes salva-vidas (fotos: Marina Yamaoka; Hilton de Souza)

A apreensão, pelo público, dos objetivos das obras expostas no espaço urbano é uma das incógnitas em relação a essas formas de interferência. Com elas, o artista não consegue, na maioria das vezes, perceber a maneira com que os espectadores interpretam sua obra. Já em locais fechados, a resposta é perceptível, pois pode ser medida por meio do mercado das artes e pela repercussão na imprensa.

Vera Pallamin diz que “por se localizarem em espaços abertos, a resposta dada pelo público é mais difícil de ser mensurada”. Em relação a isso, Eduardo Srur ressalta que um de seus objetivos é “atrair o olhar do público para, em seguida, gerar reflexão”. Outro fator positivo que observa nas intervenções que faz é a diversidade de espectadores. “Por se tratar de obras de impacto visual com mensagens diretas, atingem milhares de pessoas por dia. Diferente de exposições em museus ou galerias, o público é pego de surpresa pela obra”, lembra Eduardo.

Sobrevivente até quando?

Muitas das interferências no meio urbano não contam apenas com o trabalho do artista que as idealizaram, mas também com especialistas de outras áreas, como matemáticos e engenheiros. Isso pode ser observado na escultura de Tomie Ohtake. Grande parte de seu trabalho necessita de especialistas em cálculo para demonstrar a leveza e a suavidade que sua obra propõe. Ela deve ser sustentada por si mesma, o que não ocorre na escultura localizada em frente à FEA.

Vera Pallamin salienta que não tem dúvidas de que Tomie é uma grande artista, mas “é latente a ausência de cálculos nesta obra. Há uma ignorância construtiva enorme e a USP precisa intervir para que sua recepção seja clara. A obra deve ser refeita, pois o que está aí não é aproveitável”.

Quanto tempo ela sobreviverá em terras uspianas ainda é uma incógnita. Mal foi inaugurada e já pede um colete salvador. Salvemo-la, então!

POR UM FIO: Para professora da FAU, escultura de Tomie Ohtake (acima) deve ser refeita
POR UM FIO: Para professora da FAU, escultura de Tomie Ohtake (acima) deve ser refeita (foto: Marina Yamaoka)