Notas de um cancionista

Três discos solo gravados, especialista em semiótica da canção, professor da Faculdade de Letras da USP e ex-membro do grupo Rumo – ele é Luiz Tatit. Num bate-bapo descontraído, um dos mais importantes cancionistas da música brasileira fala do passado e do presente e se diz triste com o fato da Universidade ignorar a canção popular
Tatit: "O meu lance sempre foi a canção" (foto: Roberta Figueira)
Tatit: "O meu lance sempre foi a canção" (foto: Roberta Figueira)
Época de faculdade

Entrei na faculdade de Música (ECA) em 1971. Nunca tinha pensado em carreira artística, mas sempre gostei de lidar com música. Na ECA, sofri um impacto ao saber que o que eu produzia até então não era música. Dois anos depois, por causa da Literatura, fui cursar Letras (FFLCH). Achava que ao estudar música e literatura entenderia a melodia e a letra da canção. Doce ilusão! Na ECA, aprendi o que era música para distingui-la de canção. Também descobri que não queria fazer música erudita. Já na FFLCH, pude ver que letra de canção não tem nada a ver com poesia.

Grupo Rumo

Em 1974, o Rumo começou oficialmente e fez seu primeiro show. Era formado por pessoas que queriam lidar com a canção e que, ao mesmo tempo, não tinham formação musical. O nosso interesse era fazer uma “intervenção” na música popular, trazer uma nova maneira de compor, um novo tipo de estilo dentro da linguagem da canção e, sobretudo, estudá-la.

Dissidência

Na ECA, os primeiros maestros responsáveis pelo curso de Música, Olivier Toni e Willy Corrêa de Oliveira, eram muito competentes, mas rigorosamente conservadores. Para eles, música era uma tradição européia e a canção era como uma brincadeira de criança. Eles queriam criar uma geração de músicos eruditos no país, contudo, isso não aconteceu. Os mais importantes que saíram de lá foram os dissidentes, pessoas que se indispuseram e resolveram fazer outra coisa justamente para confrontar aquela postura fechada. É o meu caso, do Arrigo [Barnabé] e de muita gente que passou por lá.

Música hoje

Atualmente, não é difícil fazer música. O difícil agora é a concorrência. Há a vantagem dos patrocínios que, na minha época, não havia. Eu sei que os patrocinadores fazem isso para terem os seus descontos, mas essa é uma dinâmica capitalista interessante. A impressão que se tem de que a música de hoje é ruim é falsa. O que temos são algumas músicas eleitas para tocar na televisão. Normalmente, eles ficam com a Ivete Sangalo. Aliás, eu a acho brilhante no que faz, é uma artista monumental para coisas de grande porte. É o inverso do João Gilberto. Você tem que colar o ouvido no alto falante para entender o que ele fez. É como um outdoor: visto de perto, percebem-se imperfeições e não se consegue enxergar a figura; visto de longe, às vezes, é bonito e super expressivo. Esse tipo de música [da Ivete Sangalo], se você ouvir de longe, funciona muito bem.

Canção

O meu lance sempre foi a canção. A canção tocada em rádio, a canção para consumo. Hoje em dia, eu consigo unir o estudo à produção musical e componho muito mais do que antigamente. No entanto, o estudo da canção no Brasil ainda não tem uma bibliografia farta para compor um currículo. É quase um contra-senso o Brasil não ter uma cadeira de canção. É ignorar o que há de melhor. Infelizmente, com relação ao estudo da música popular, a USP não conseguiu nem chegar no jazz, imagine na canção. É triste.

Ontem Hoje
Eu era: um menino
Eu sonhava: pouco
Eu dizia: muita coisa
Eu escutava: Jorge Ben Jor
Eu assistia: ao programa Fino da Bossa
Eu queria: produzir alguma coisa
Eu temia: que não desse nada certo
Eu adorava: futebol
Eu sabia: que eu não sabia
Eu ria: dos acadêmicos
Eu esperava: mais difusão dos trabalhos
Eu me orgulhava: de ter uma idéia própria
Eu tinha: medo de muita coisa
Eu ia: viajar
Eu usava: pochete
Eu lia: coisas de natureza muito diversa
Eu sou: gente grande
Eu sonho: muito
Eu digo: pouca coisa
Eu escuto: Jorge Ben Jor
Eu assisto: a shows em teatros de São Paulo
Eu quero: produzir mais um pouco
Eu temo: que as coisas sejam interrompidas
Eu adoro: canções
Eu sei: que eu não sei
Eu rio: não rio mais
Eu espero: que ainda haja difusão
Eu me orgulho: de vê-la funcionando própria
Eu tenho: medo de muita coisa
Eu vou: ficar por aqui
Eu uso: pochete
Eu leio: coisas bem mais restritas