Debate: Universidade e o acesso a informação

Nesta edição do JC, os repórteres encontraram diversas dificuldades junto à universidade para obter informações referentes a suas instâncias políticas, que seriam pertinentes à construção das presentes matérias. Neste contexto, o jornal acha oportuno publicar uma entrevista com o ex-Ministro Celso Mello e um texto de Antônio de Queiroz, referentes às obrigações dos órgãos públicos com relação à prestação de contas de suas ações e decisões políticas. Os autores foram consultados e concordaram em ceder os direitos de suas obras.

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A Obrigatoriedade da Transparência Pública – publicado originalmente no Consultor Jurídico
Acesso à Informação e Cultura Democrática – por Antônio Augusto de Queiroz


A Obrigatoriedade da Transparência Pública

publicado originalmente no Consultor Jurídico

Já em setembro de 1992, quando negou ao ex-presidente Fernando Collor de Mello o pedido para que a sessão da Câmara dos Deputados fosse secreta, o ministro José Celso de Mello Filho firmou posição no sentido de que é uma obrigação constitucional do Poder Público dar visibilidade aos seus atos.

Atendendo a pedido da revista Consultor Jurídico, o ministro Celso de Mello explicitou seu posicionamento a respeito de se vedar à autoridade pública a possibilidade de prestar informações à sociedade:

“O principio da publicidade representa verdadeira pedra angular sobre a qual se edifica o Estado Democrático de Direito, pois a exigência de transparência na prática governamental qualifica-se como prerrogativa inalienável que assiste a todos os cidadãos.

Constitui estranho paradoxo impor-se, na vigência de um regime que reclama transparência, a regra do silêncio obsequioso, o que deveria revestir-se de excepcionalidade absoluta.

A publicidade representa aí uma norma básica das relações entre o Estado, seus agentes e a coletividade.

Se as declarações dos agentes públicos lesarem o patrimônio moral de terceiras pessoas, causando-lhes injusto gravame, torna-se evidente que, por tal ilícito comportamento, deverão responder aqueles que nele incidiram. Demais disso, e nos casos excepcionais de sigilo, se abuso houver – com a violação criminosa do dever de resguardar o sigilo funcional – por ele deverá responder o servidor público faltoso.

O que não tem sentido, contudo, é estabelecer-se a inaceitável presunção de que magistrados, membros do MP, policiais e outros agentes públicos são levianos e irresponsáveis.

É preciso forjar, no espírito das autoridades e dos agentes do Estado, a consciência de que a publicidade constitui pressuposto de legitimação da própria atividade governamental. A supressão do dever estatal de informar, quando imposta por norma que não atende ao interesse social, impõe preocupante redução da legitimidade das decisões emanadas do poder público.

O cidadão deve ter assegurado o direito subjetivo de ser informado sobre os fatos que influenciam a vida política, econômica, jurídica, social, cultural, administrativa e institucional do Estado.

E ao poder público incumbe a obrigação de tornar realmente efetivo o regime de visibilidade dos atos governamentais, qualquer que seja a dimensão em que eles se projetem ou se realizem, ressalvadas unicamente aquelas informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade brasileira e do Estado. Essa, na realidade, constitui uma daquelas prerrogativas fundamentais que a Carta Política assegura a todos o cidadãos, nos termos do artigo 5º inciso XXXIII.

O que me parece irrecusável, nessa discussão, é a certeza de que a nova ordem constitucional instaurada no Brasil, como já pude enfatizar em decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, consagrou um modelo político-jurídico que não tolera o poder que oculta e nem admite o poder que se oculta.”

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Acesso à Informação e Cultura Democrática

por Antônio Augusto de Queiroz

O processo de transparência na Administração Pública, graças ao avanço das tecnologias da informação e de leis que criaram mecanismos de controle do gasto público, deu um grande salto desde a redemocratização.

A cultura de facilitar a consulta aos registros públicos tem se consolidado nos três poderes da União, com a criação de portais com informações sobre quase todos os temas não considerados confidenciais, reservados, sigilosos ou secretos.

A lei de acesso à informação, que será enviada em breve ao Congresso, tem o propósito de reduzir drasticamente a cultura do segredo, retirando o caráter reservado ou sigiloso da quase totalidade das informações e registros públicos. Sua adoção significará uma importante mudança de paradigma no país, no que se refere a dados, arquivos e registros públicos, alterando profundamente a forma de relacionamento entre administração e cidadão. O acesso da sociedade como um todo às informações produzidas ou mantidas por órgãos do governo deve ser regra e o sigilo, exceção.

O alcance da lei não se limitará aos arquivos da ditadura militar, mas incluirá todos os atos, políticas, estudos e registros de interesse do cidadão, do usuário e do contribuinte brasileiro, exorcizando a cultura do segredo e ampliando a transparência da Administração Pública.

Estruturalmente, a lei terá duas partes. Uma definirá as categorias de sigilo para os documentos públicos: os “ultra-secretos”, que serão mantidos em segredo por 25 anos; os “secretos”, cujo sigilo será por 15 anos e os “confidenciais”, que ficarão sem divulgação por oito anos. A outra categoria, além de disciplinar as formas de participação do usuário na Administração Pública, regulamentará o acesso aos arquivos, registros e informações sobre os atos do poder público.

O acesso à informação, além de favorecer a democracia e combater a corrupção, é fator determinante para assegurar o controle do cidadão sobre atos governamentais, eliminando a assimetria de conhecimento existente entre instituições e pessoas.

A lei de acesso à informação, que regulamenta o parágrafo 3º do artigo 37 da Constituição, está em sintonia com os princípios do artigo 5º, dos incisos XXXIII, segundo o qual “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral…”, e XXXIV, de acordo com o qual “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos, contra ilegalidade ou abuso de poder; e b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”.

A decisão do governo de propor o projeto de lei de acesso à informação é mais um passo importante na democratização da informação e da transparência do poder público, contribuindo para criar uma cultura republicana e um ambiente de participação pública e legitimação das ações governamentais. O acesso precisa ser amplo, incluindo todas as etapas da política pública, desde as fases de concepção e formulação, passando pelo processo decisório até a implementação e avaliação.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e Diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
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