Para onde iriam suas partículas?

Pesquisador explica o teletransporte e as razões por que um sistema complexo como o corpo humano não pode ser teletransportado

Em São Paulo, nos horários de pico, cerca de 169 mil passageiros são transportados, por hora, nas três principais linhas do Metrô, em trens abarrotados.

Seria ótimo se pudéssemos simplesmente adentrar uma cabine e, no instante seguinte, sermos teletransportados para casa, não? Acredite, há cientistas que realmente veem tal cenário como algo possível.

Teletransporte, segundo Paulo Alberto Nussenzveig, professor associado no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, envolve, essencialmente, enviar informação de uma localidade a outra usando dois canais: um “tele”, em que a informação não transita localmente de um ponto ao outro, e outro “trans”, em que há transporte usual de informação.

O chamado teletransporte quântico, termo técnico-científico utilizado na física quântica para denotar transporte de informação – e não criação e destruição de matéria -, envolve fazer com que um estado quântico de algum sistema físico (fótons, átomos, íons etc.) desapareça numa localidade e reapareça em outra. Para que o sistema-alvo reproduza exatamente o sistema-fonte, o mesmo tipo de sistema físico deve existir em ambas as localidades. “Portanto, não se trata de criar matéria, trata-se de reproduzir exatamente a mesma informação (quântica) em matéria idêntica àquela de origem”, explica Nussenzveig.

Para funcionar, este precisa da criação de emaranhamento quântico entre dois ou mais sistemas. Através desse emaranhamento, além de um canal de comunicação clássica, é possível modificar remotamente o estado quântico de um sistema distante.

Mas não se empolgue: ainda que alguns teóricos da área apontem em suas pesquisas que o teletransporte humano não seja de todo impossível, o mesmo também não é visto como algo razoável dentro da comunidade científica, como esclarece Nussenzveig.

“A razão é que o número de partículas é muito grande e o ser humano não é definido por um estado quântico. Quanto maior a complexidade do estado, mais difícil se torna preservar as características quânticas, como o emaranhamento, que é frágil. Quanto maior o sistema, mais fortemente ele se correlaciona com o ambiente à sua volta, dando origem ao fenômeno chamado de descoerência. Esse fenômeno leva sistemas com características quânticas a se tornarem sistemas clássicos comuns. Isso não quer dizer que, obrigatoriamente, será impossível realizar teletransporte de seres vivos, mas atualmente as perspectivas não são muito animadoras. Em particular, preservar memória e outras variáveis dependentes do estado atual daquele ser vivo seria uma tarefa especialmente difícil.

Hoje, a principal finalidade das pesquisas na área é vislumbrar a possibilidade de se transferir informação (quântica) de uma localidade a outra, para diversas tarefas, como uma futura “internet quântica”, a realização de criptografia quântica em grandes distâncias e a realização de computação quântica distribuída. “Pode-se pensar num futuro em que isso seja usado cotidianamente, mas é difícil prever em quanto tempo. Talvez algo entre 20 e 50 anos fosse uma resposta adequada.”

Até hoje, nenhum experimento de teletransporte foi realizado no Brasil, embora alguns pesquisadores teóricos brasileiros tenham dado importantes contribuições ao tema. O Departamento de Física Experimental da USP pretende, em breve, realizar incursões na área, afim de teletransportar estados da luz de uma freqüência (cor) para outra, o que permitiria “mudar a cor” da informação. “Possuímos um sistema físico que gera emaranhamento quântico entre feixes de luz de freqüências distintas, o que é condição indispensável para a realização de tal experimento. Isso teria o interesse de permitir a troca de informação quântica entre sistemas materiais que interagem fortemente com a luz em freqüências diferentes. Esperamos ter condições de realizar esse experimento em breve”, finaliza Nussenzveig.

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Em outras palavras…

Descoerência – As correlações quânticas mencionadas pelo professor são, segundo ele, muito frágeis. Para mantê-las, é fundamental isolar cuidadosamente o sistema no qual se tem interesse do ambiente que o cerca. A interação com o ambiente pode criar outras correlações com sistemas que não são monitorados. O resultado é que fica cada vez mais difícil de caracterizar estas relações entre os sistemas. Esse processo de descaracterização dos sistemas microscópicos, leva o nome de descoerência.

Estado quântico – Este estado representa o conjunto de conhecimentos que podemos ter acerca de um sistema quântico. Estas informações nos permitem fazer as melhores previsões possíveis sobre os resultados de medidas realizadas sobre o sistema quântico em questão.

Emaranhamento – O emaranhamento quântico é um fenômeno que permite a dois ou mais objetos estarem tão ligados que a descrição de um deles não pode ser feita sem que a contra-parte não seja mencionada, mesmo que estes dois objetos estejam separados. Este fenômeno leva a correlações muito fortes entre as propriedades físicas observáveis de subssistemas envolvidos com os objetos. Estas correlações sugerem que alguma informação possa se propagar entre os sistemas, apesar da separação entre eles. Unindo um conjunto de emaranhados quânticos a um canal de informação clássico, seria possível haver teletransporte.