Cai parcela de calouros com renda alta

Aumento do bônus do Inclusp é principal responsável pela queda da desigualdade socioeconômica entre os aprovados pela Fuvest
*os dados referentes a 2007 foram aproximados devido à mudança na medida das faixas de renda em reais para salários mínimos de 2007 para 2008
*os dados referentes a 2007 foram aproximados devido à mudança na medida das faixas de renda em reais para salários mínimos de 2007 para 2008
 
 
 

O perfil socioeconômico dos ingressantes na USP mudou nos últimos nove vestibulares. A parcela de calouros com renda familiar mensal superior a 20 salários mínimos passou de 54,2% em 2001 para 14,4% em 2009. As estimativas foram elaboradas a pedido do JC por Henrique Bottura Paiva, economista da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, a partir de dados da Fuvest.

A pesquisa contraria a matéria “Cresce número de alunos de renda alta na USP” publicada no jornal O Estado de São Paulo de 5/3/2009, que aponta crescimento de 36,4% da proporção de calouros com renda superior a R$ 5 mil entre 2001 e 2009. No entanto, não houve aumento real de estudantes com renda alta. O Estado analisou valores nominais das rendas dos calouros em reais, sem levar em conta a variação do poder aquisitivo no país. Uma comparação baseada no salário mínimo de cada ano não é perfeita, mas possibilita melhor visualização das classes sociais dos ingressantes, já que o salário mínimo aumentou em níveis reais nos últimos anos, conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Para a pesquisadora da Fipe, Sílvia Maria Schor, uma diminuição da parcela de calouros com rendimento mais elevado não é surpreendente, uma vez que, nos últimos anos, houve melhorias na distribuição de renda no Brasil. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que a classe média brasileira (que ganha de R$ 1.000,00 a R$ 4.600,00 por mês) teve o aumento significativo de 43% para 51% da população entre 2004 e 2008, devido à ascensão das famílias mais pobres.

Contudo, é importante observar que a mudança mais significativa no perfil dos candidatos aprovados na Fuvest ocorreu entre 2008 e 2009, quando a porcentagem de pessoas com renda familiar mensal abaixo de dez salários mínimos cresceu 6% em relação ao total de calouros. Segundo o economista, apesar desse aumento se concentrar nas faixas de classe média baixa – que cresceu nos últimos anos devido à diminuição da pobreza –, ele é maior do que seus índices de crescimento na sociedade.

Isso significa que a alteração do perfil dos calouros não se deve apenas à evolução da renda, e o mais provável é que tenha sofrido influência do aumento do bônus do Programa de Inclusão Social da USP (Inclusp), destinado a egressos de escolas públicas, que passou de 9% para 12% no vestibular de 2009. No entanto, o acréscimo de ingressantes de rendas inferiores não garante que os beneficiados pelo Inclusp tenham baixa renda – não foi possível relacionar estas informações, pois a Pró-reitoria de Graduação da USP não divulga os dados dos inscritos no programa.

Inclusp: inclusão social

De 2008 para 2009, a parcela de aprovados que cursaram todo o Ensino Médio em escolas públicas cresceu 4 pontos percentuais; diante de apenas 0,2 entre 2007 e 2008, e 2,5 de 2006 para 2007. Ainda assim, mesmo na inclusão destes alunos, o Inclusp não chega a resultados consideráveis. Atualmente, de cada dez alunos da USP, apenas três vêm da rede pública, que concentra cerca de 85% dos estudantes do estado de São Paulo.

Para o físico Odair Gimenes Martins, que trabalhou na análise do Inclusp a convite do grupo Ocupação Afirmativa da USP, o Inclusp apresenta resultados pouco efetivos, pois não inclui entre seus beneficiados diretos os afro-descendentes e pessoas de baixa renda. A intenção da USP, segundo o físico, é a inclusão de egressos de escolas públicas e não, como muitas vezes é dado a entender, a democratização econômica ou étnica da universidade. “Isso chega a ocorrer, mas é antes um ‘bônus’ dentro do bônus do que uma intenção”. Fosse esse o caso, o benefício seria dado diretamente aos alunos de baixa renda e aos afro-descendentes.

Esse posicionamento encontra respaldo nas estatísticas do vestibular de 2007, quando 3,2% estudantes foram beneficiados pelo bônus – dentre estes apenas 0,85% se declararam pretos ou pardos.

Cotas ou Bônus

Diferente da reserva de vagas (cotas), o bônus não possui política e resultados pré-definidos. A projeção inicial era de que o programa beneficiaria cerca de 600 pessoas, mas foi responsável direto pela entrada de apenas 322, oscilou positivamente 3,1% e não conseguiu impedir a queda no número de inscritos no vestibular oriundos de escola pública.
“A política do bônus causa menos tumulto e conflito social do que as cotas”, assim o físico justifica a escolha da USP pela bonificação. “No primeiro ano do Inclusp, quase não houve reclamações, tão insignificante foi seu resultado, mas tão logo aumentou o bônus, donos de cursinho e escolas particulares começaram a protestar”, acrescenta.

Para Martins, o Inclusp é importante por abrir um precedente no ponto de vista, comum na Universidade, que atribui mérito apenas a notas e classificações. O programa demonstrou que o desempenho acadêmico dos aprovados com o bônus foi igual ou superior ao dos outros alunos.
Para estatísticos, não se pode analisar dados fora do seu contexto. Para os defensores das ações afirmativas não é possível pensar em mérito sem considerar a sociedade atual. “Se você não compensa uma desigualdade histórica, está praticando discriminação independente da prova ser objetiva ou não”, conclui Martins.

Apesar da pesquisa ser limitada devido à não disponibilização de “micro-dados” da Fuvest e da Pró-reitoria de Graduação da USP, foi possível levantar uma série de estatísticas significativas para o questionamento da inclusão social dentro da Universidade pelo Inclusp.