Projeto habitacional levanta dúvidas

Especialistas da USP comentam sobre falta de informação em “Minha Casa, Minha Vida”, programa que promete um milhão de casas

Recém lançado pelo Governo Federal, o regulamento do programa “Minha casa, minha vida” já levanta dúvidas e críticas dentro  da comunidade docente da USP. O principal ponto de conflito levantado pelos professores entrevistados pelo JC é a falta de planejamento e de informações.

No entanto, os especialistas ressaltam também os pontos positivos do programa, como a movimentação da economia do país em meio ao cenário de crise mundial.

Um dos problemas apontados é a falta de espaços adequados. Para o professor Alex Abiko, da Escola Politécnica (Poli), em “um programa que envolve a construção de mais de um milhão de unidades habitacionais, a preocupação vai além das casas em si. Envolve as questões dos terrenos, encanamentos de água, rede elétrica, saneamento, coleta de lixo”. Por isso, Abiko defende uma política de desenvolvimento urbano em longo prazo, que preveja a expansão da cidade. “O planejamento urbano é uma das diretrizes do Plano Diretor, que deve prever as áreas mais apropriadas para a instalação desses conjuntos habitacionais”.

O professor Nabil Bonduki, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), concorda com as idéias de Abiko. Segundo ele, deveriam ser privilegiadas as regiões com infra- estrutura já estabelecida e com acesso fácil ao emprego e a serviços públicos. Porém,devido à dificuldade de se encontrar áreas que possam receber os conjuntos habitacionais nos centros das grandes cidades e ao caráter emergencial do programa, é provável que a construção das novas moradias seja deslocada para a periferia. Nesse caso, de acordo com Bonduki, a solução seria criar infraestrutura nas próprias periferias, para que os moradores sejam menos dependentes do centro da cidade. A medida, no entanto, favoreceria a formação de “guetos”, ou seja, o isolamento dos moradores nas periferias da cidade.

“O grande empecilho ao plano será a conquista do espaço físico para as construções. Para isso, será necessária uma nova legislação que facilite a retomada rápida pelas prefeituras de terrenos abandonados ou inadimplentes há vários anos”, diz o professor Darcy Carvalho, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). “Para evitar os guetos, as novas casas não deveriam ficar necessariamente na mesma área, mas serem distribuídas por toda a cidade, onde for possível”.

Além de um planejamento sólido, o sucesso do projeto depende também da relação estabelecida entre governos municipal e federal. De acordo com o regulamento do “Minha casa, minha vida”, a verba repassada às prefeituras deve vir do orçamento da União. Ao município, cabe definir as áreas de construção, contratar as empreiteiras e decidir a estrutura e o número de unidades habitacionais a serem construídas. “É essencial que o governo federal incentive os municípios a priorizar a qualidade das moradias ao invés da quantidade”, afirma o professor Bonduki.

Estimulo à economia

No entanto, a despeito de suas falhas, o programa representa um esforço no sentido de reduzir o déficit habitacional brasileiro. Para Abiko, solucionar a crise econômica com uma iniciativa de que possibilitará um maior acesso da população de baixa renda à casa própria torna o programa e sua essência louvável. Porém, ressalta que o projeto deve ser bem conduzido, para não fracassar como o extinto Banco Nacional de Habitação (BNH) da década de 60, que financiou a construção, entre outros, do bairro paulistano de Cidade Tiradentes – um exemplo sempre muito citado de isolamento urbano.

Há também motivações e objetivos econômicos na iniciativa do “Minha casa, minha vida”. O programa contempla a criação de empregos e o investimento na indústria daconstrução civil, que devem  contribuir para a movimentação econômica positiva (leia mais a respeito).

Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o professor José de Souza Martins, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), declara que o novo programa, de fato, tem prioridade semelhante à do BNH. Martins critica que o objetivo do governo era e é ainda hoje a “distribuição de recursos às empreiteiras para que criem emprego e atenuem a situação econômica. A lógica é a mesma: apresentar o programa econômico como se fosse social”. Por outro lado, a professora Arlete Rodrigues, também da FFLCH, não vê essa semelhança entre os dois programas. Para ela, o “Minha Casa, Minha Vida” não tende a “redefinir, produzir, acelerar a segregação socioespacial, como se observou no BNH.

Para Carvalho, o programa, ao ser observado do ponto de vista apenas econômico, torna-se um crasso exercício keynesiano de despesa pública para criar empregos para a mão-de-obra com baixa especialização. “É um Bolsa Família habitacional,  tão necessário como o outro, neste país desigualdades crescentes”, conclui.