Casa da Dona Yayá leva cultura ao centro

Atividades oferecidas pelo Centro de Preservação Cultural resgatam patrimônio histórico do imóvel na região central de São Paulo
Fachada da casa de Dona Yayá (foto: Vanessa Maeji)
Fachada da casa de Dona Yayá (foto: Vanessa Maeji)

Quem passa pelo número 353 da rua Major Diogo, no Bixiga, pode não imaginar que a história ocorrida há quase 100 anos no local é um dos motivos da atuação do Centro de Preservação Cultural (CPC) da USP. O imóvel foi doado à universidade em 1961, tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) em 1998 e, desde 2004, abriga o CPC. Conhecida como Casa da Dona Yayá, o imóvel reúne estudantes, professores e moradores do bairro em atividades culturais para realçar o patrimônio histórico do lugar.

Para a historiadora Maria Cecília Lourenço, coordenadora do CPC de 1996 a 2001, patrimônio vai além de ser algo raro ou caro e precisa contar com participação da comunidade. Embora não existam dados sobre a relação da casa com moradores do bairro, Marcos Antonio Ramos de Almeida, superintendente da Associação Viva o Centro acredita que a vinda do CPC incrementa a recuperação do centro da cidade. “Quanto mais equipamentos de cultura, turismo e educação no Centro, mais diminui-se problemas com violência”, acredita.

A fim de estreitar a relação com o bairro, o CPC traz atividades como a mostra O meu Bixiga, com fotos de seu Prêmio de Fotografia – aberta ao público de 17 de maio a 31 de julho. O concurso, voltado a fotógrafos, teve trabalhos de estudantes e pessoas com alguma ligação com a região. Segundo o coordenador do CPC, José Hermes Pereira, o objetivo era “estimular o olhar e sensibilidade para o patrimônio do bairro”.

O CPC oferece ainda atividades de extensão para alunos de arquitetura, letras, educação, história e biblioteconomia da USP, que podem fazer estágios na casa – com duração média de um ano em atividades de restauração e patrimônio cultural. Contudo, estudantes de outros também podem participar.

Toda semana, a casa é palco também do Domingo na Yayá – espetáculos musicais, literatura, teatro e exposição gratuitos e abertos ao público. No último domingo de cada mês, a programação é voltada às crianças. “A idéia é aferir a participação dos alunos das escolas do entorno, como forma de apropriação de um patrimônio cultural que é público”, diz o coordenador. As próximas apresentações ocorrem no dia 10, com o Quinteto de Metais da Escola de Comunicações e Arte (ECA) e, no dia 17 de maio, com a cantora Ilana Volcov, às 11h.

Solário anexo à residência (foto: Vanessa Maeji)
Solário anexo à residência (foto: Vanessa Maeji)
História de Dona Yayá

Dona Yayá, como era conhecida Sebastiana de Mello Freire, era proprietária de mais de 20 bens na capital e em Mogi das Cruzes (SP). A história da mulher que, no início do século XX, optou por ficar solteira ainda guarda mistérios e boatos.

Yayá sofreu perdas desde muito nova. Em 1900, morrem seus pais com apenas dois dias de diferença e de causas distintas. Na época, ela tinha 14 anos e seu único irmão vivo – os outros três haviam falecido ainda crianças – tinha 18. Quatro anos mais tarde, o irmão some em viagem de navio a Buenos Aires e ela se torna a única herdeira da rica família paulistana.

Começa a apresentar os primeiros sinais de desequilíbrio emocional em 1918, redigindo um testamento a lápis e doando suas jóias, pois achava que iria morrer. No ano seguinte, tenta suicídio e é internada em um instituto psiquiátrico. Muda-se para a Major Diogo em 1920, após algumas adaptações na casa para não comprometer a segurança da moradora, com troca de pisos e janelas – reforma planejada pelo psiquiatra Juliano Moreira e paga com o dinheiro de Yayá.

Janela por onde Dona Yayá recebia comida (foto: Vanessa Maeji)
Janela por onde Dona Yayá recebia comida (foto: Vanessa Maeji)

O contato de Yayá com o mundo externo se resumia ao solário, que ia da parte interna até o jardim e tinha vidros que não permitiam sua saída do imóvel. Em seu quarto, havia uma pequena abertura por onde passava sua comida e que foi mantida na restauração de Regina Tirello após a migração do CPC.

Sebastiana vivia de privilégio e privação, que por vezes era noticiada em semanários da época e era alvo da curiosidade dos moradores. Dentre os boatos, acreditava-se que parentes distantes, interessados em sua fortuna, mantinham-na segregada na casa. Por mais de 40 anos, Dona Yayá viveu na casa e quase não saía de lá. Em 1961, morre de insuficiência cardíaca, aos 74 anos, sem deixar herdeiros. Com isso, todos seus bens foram doados ao Estado como herança vacante.