Cruspianos lutaram contra ditadura

Construído para o Pan de 1963, conjunto residencial foi tomado pelos estudantes e serviu de espaço de resistência ao governo

Muito mais do que apartamentos para estudantes, o Conjunto Residencial da USP (Crusp) é um símbolo da luta dos jovens pela liberdade de pensamento e expressão. Palco de reuniões, assembléias e congressos a níveis estaduais e nacionais, o Crusp faz parte da História da Universidade e do Brasil.

Os prédios foram construídos em 1963 para alojar os atletas dos Jogos Pan-americanos e, posteriormente, os alunos da USP. Entretanto, depois dos Jogos, o reitor Luiz Antônio da Gama e Silva impediu a liberação dos edifícios e os estudantes invadiram 30 apartamentos. Gama e Silva se afastou do cargo em 1967 para assumir o Ministério da Justiça no governo Costa e Silva, em cuja gestão foi redator do AI-5.

Ao final do ano de 1967, os moradores passaram a participar ativamente de movimentos contra a ditadura militar e o Crusp se tornou o centro do movimento estudantil de São Paulo. O professor da USP Luiz Barco, ex-cruspiano, eleva a importância da participação política dos universitários para a formação humana. “A vida política do estudante é tão ou mais essencial do que a sua vida acadêmica”, diz.

O ano de 1968 foi emblemático. O reitor em exercício era Hélio Lourenço de Oliveira, cassado pelo AI-5 no ano seguinte. Em 68 ocorreu mais uma ocupação e a invasão da sede da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas). A divisão dos blocos por sexo foi quebrada. “Aquele ambiente nos propiciou sermos o que somos hoje”, diz Barco. Segundo ele, o Crusp propicia a experiência da tolerância, da solidariedade e do respeito. “Foi uma vivência incrível”, afirma.

Na madrugada de 17 de dezembro do mesmo ano, o exército arrombou as paredes e prendeu moradores. Alguns cruspianos foram condenados e outros, exilados. Em seguida, os militares montaram uma exposição com objetos subversivos encontrados no Crusp, com o objetivo de alertar as famílias sobre seus filhos. Segundo informações fornecidas por um ex-morador, entre o material exposto estava um livro de capa vermelha, sobre reforma agrária, junto com livros de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas. A obra era intitulada Bombas hidráulicase algum membro do exército entendeu referir-se à fabricação de explosivos. Conforme o professor Barco, “a sociedade alimentou a idéia de que o Crusp era um centro de rebelião, de comunistas, de preguiçosos, de aventureiros. Aquilo que o governo, os poderosos e a imprensa publicava era que nós éramos um bando de baderneiros, mas a vida mostrou o contrário”, diz, referindo-se ao sucesso de muitas pessoas que moraram lá.

A 10 de novembro de 1984, se deu uma das tragédias mais marcantes do Crusp. Uma festa promovida por moradores africanos foi invadida, o que desencadeou uma briga. Dois rapazes se apoiaram em um tapume que quebrou e eles caíram do 4º andar do Bloco A. O acidente gerou um conflito entre a reitoria, que ordenou a desocupação dos prédios, e os moradores, que a responsabilizaram pelo descaso quanto à reforma do Crusp. Em março de 1986, a polícia voltou para desalojar os últimos estudantes considerados irregulares pela reitoria, entre eles todos os adeptos do movimento punk.

Ilustração: Scarlet Medeiros (5º ano de arquitetura - FAU/USP)
Ilustração: Scarlet Medeiros (5º ano de arquitetura - FAU/USP)

*Com informações do vídeo-documentário de Nilson Couto: A experiência cruspiana