Debate: o movimento estudantil representa hoje os estudantes?

A sede do Diretório Central dos Estudantes está ocupada há um mês por alunos de partidos e faculdades diversas. Indício de que novos tempos se aproximam ou último suspiro de uma história de lutas? Dois professores da universidade analisam a questão: o historiador Henrique Carneiro, membro do Conselho Editorial da Revista Outubro, do PSTU; e o físico Elcio Abdalla, que na greve de 2007 se notabilizou por enfrentar um piquete de cadeiras montado por alunos no Instituto de Física.

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Ação direta é nova forma de fazer política e reagir à crise – por Henrique Carneiro
Movimento estudantil está distante do homem moderno – por Elcio Abdalla


Ação direta é nova forma de fazer política e reagir à crise

por Henrique Carneiro

O movimento estudantil brasileiro teve uma grande tradição de participação na história política do país. Nos anos cinqüenta, marcou presença nas campanhas do petróleo; nos anos sessenta foi um dos protagonistas centrais na luta contra a ditadura, com as lideranças assassinadas ou presas, até a retomada das passeatas em 1977. Nos anos oitenta, as entidades foram reconstruídas e, nos anos noventa, novamente os estudantes tiveram o papel principal na crise política que levou à derrubada de Collor.

Mesmo antes da atual crise econômica que colocará milhares de jovens no desemprego, as promessas de êxito para os profissionais de nível superior já se viam frustradas por uma realidade de aumento na apropriação desigual da renda. Essa falta de horizonte ameaça se tornar um terremoto social.

Em vários países os estudantes já sinalizaram sua nova emergência como ator político e social. No Chile, a “revolta dos pinguins”, na Grécia o levante após o assassinato de um estudante, na França de novo a greve universitária.

No Brasil também, especialmente desde 2007, os estudantes entraram numa tendência de ascenso: diversas reitorias ocupadas, especialmente a da USP, um reitor derrubado pelo movimento na UnB, greves em faculdades particulares como na Fundação de Santo André, etc.

Não apenas a participação nas eleições de CAs e DCEs tem aumentado mas, sobretudo, a ação direta dos estudantes tem crescido. Os graus de participação definem o grau da representação. Há uma parcela indiferente. Há uma grande parte que não participa de nada, mas reconhece as entidades. Outra, minoritária, é hostil ao movimento estudantil refletindo interesses particulares de setores da classe média e da burguesia que querem continuar mantendo os seus privilégios históricos. Dentre os que participam é preciso também distinguir os eleitores passivos daqueles que comparecem às assembléias e atividades.

Em todos esses âmbitos os índices de participação têm aumentado. Creio, portanto, ser correto afirmar que o movimento estudantil atual não só representa os interesses gerais dos estudantes na defesa do ensino público, laico e gratuito e da democracia no interior da universidade, como também representa os interesses do povo brasileiro buscando tornar o ensino superior não mais um privilégio de classe mas um direito universal.

Henrique Carneiro possui mestrado e doutorado em História Social pela USP e é professor de História Moderna da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).
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Movimento estudantil está distante do homem moderno

por Elcio Abdalla

As manifestações estudantis tiveram seu auge nos movimentos de 1968 – uma época conturbada, com uma sociedade em busca de mudanças, tanto econômicas quanto estruturais, e o movimento estudantil foi um espelho destes anseios. No entanto a sociedade escolheu seu caminho, mas o movimento não o trilhou.

No Brasil, o anseio por mudanças era grande naquela época e efetivou-se parcialmente anos mais tarde, com o processo de redemocratização. A partir daí, o movimento estudantil foi caducando.

Tudo se passa como na propaganda de um veículo francês, na década de 90, em que o ex-estudante de 68 se envolve em uma infração de trânsito e tem grande pavor do policial, lembrando os velhos tempos, até que se dá conta de que está agora bem vestido e num belo carro da moda. Então dá um tapinha nas costas do policial, que se torna seu amigo. Embora a imagem seja uma caricatura, mais ou menos da mesma forma o movimento estudantil se desacoplou do novo homem do fi nal do século XX e início do XXI.

Como de costume, quando uma parte vai a uma direção, a outra se encaminha em sentido oposto. A dicotomia atual se dá com o humano andando em direção a um mundo mais técnico e o movimento estudantil se radicalizando em uma direção cristalizada em posições inegociáveis. Lemos os jornais deste movimento e nos parece que se aproxima uma revolução que mudará a face planetária. Ledo engano! É o total desacoplamento em relação às posições adotadas pela maioria dos estudantes.

Mas não é apenas o movimento estudantil que se afastou do conjunto dos estudantes. Na USP, a associação de docentes andou na mesma direção retrógrada. Não sabemos ao certo quantos docentes ela representa, mas certamente é em reuniões de uma centena que as pretensas greves de 4 mil professores são decididas. Com palavras de ordem do século retrasado, somos colocados em uma posição em que a Universidade mais parece uma fábrica com seu proprietário milionário.

Esquecem-se também de colocar os dedos nos verdadeiros problemas, como uma Reitoria transformada em corte estilo Luis XVI, com Maria Antonieta agora distribuindo brioches aos seus comandados.

Em uma reunião de reitoráveis ouvi um deles dizer: em relação à sociedade, a universidade deve ser arrogante. A vontade foi perguntar-lhe, usando um trocadilho que me veio à mente: vous êtes con ou quoi? A triste verdade é que a Universidade segue sem rumo!

Elcio Abdalla é Professor de Física Teórica no departamento de Física Matemática do Instituto de Física (IF) da USP e possui mestrado, doutorado e livre-docência pela USP.
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