Movimento negro critica meritocracia da USP

A meritocracia como forma de acesso à universidade é um dos pontos mais criticados por militantes do movimento negro. Eles acreditam que os métodos utilizados na seleção são injustos e insuficientes para medir a real capacidade do aluno ao ingressar no ensino superior.

Frei David, diretor da ONG Educafro, uma rede de cursinhos vestibulares comunitários, explica do seguinte modo: “se o aluno do ensino público lê cem livros, o aluno do ensino particular lê duzentos. A USP, de maneira desonesta, pede 80% do conteúdo desses cem livros que só os que estudaram em escola particular viram e apenas 20% dos livros que a rede publica e particular estudaram juntos”. O Frei afirma que a “USP e outras universidades públicas insistem em entender como único saber válido aquele aprendido nos bancos escolares”.

O advogado José Roberto Militão, membro efetivo da Comissão de Assuntos AntiDiscriminatórios da OAB/SP, concorda com Frei David: “Além do saber acumulado é necessária a aferição da competência em aprender e do interesse para aproveitamento da experiência universitária”. E completa: Nós advogados costumamos dizer que se o Presidente da OAB fizesse o exame da Ordem, não passaria. Se o Presidente do Supremo Tribunal, idem. Portanto, é necessário que o tipo de avaliação meritocrática considere outros fatores”.

Ambos são a favor do estabelecimento de cotas para alunos do ensino público na Universidade, como o projeto de lei nº 208/2009, de autoria do deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL), que prevê uma reserva de 50% das vagas das universidades estaduais para alunos da rede pública. Frei David vai além, e diz que o mais correto seria existirem cotas para alunos que cursaram a rede particular, e não o contrário.
O projeto prevê também que, dentro dessa cota, exista também um recorte racial para negros e índios – aproximadamente 28% e 1,1% da população do Estado de São Paulo, respectivamente.

Este é o ponto de discórdia entre os dois entrevistados. Frei David acredita que o recorte racial deve ser observado pois se trata de uma questão de justiça: os negros precisam ser melhor representados dentro da maior universidade do Estado. Segundo dados do Inclusp deste ano, 14,26% dos ingressantes da USP são negros. Isto é pouco para quem deseja uma representação negra dentro da universidade igual a que existe fora de seus muros.

Já Militão acredita que basta as cotas reservadas para alunos da rede pública, “pois, se a maioria dos pobres são pretos e pardos, seremos beneficiários pelo corte social”. Ele cita como exemplo o programa Bolsa Família, que já retirou 40 milhões de brasileiros da miséria absoluta, destes, 80% ou 32 milhões negros ou pardos.

O advogado acredita que esse mecanismo “é diferente do estigma das ´cotas segregadas´, pois com elas, o jovem talento, receberá o benefício, mas receberá também o efeito psicológico disso: estigmatiza o beneficiário e ainda produz seqüelas nos que foram excluídos”.

Frei David diz que abdicaria da luta racial caso as universidades aceitassem fazer cotas para alunos de escolas particulares. Enquanto isso não se realiza, ele se mostra cético:“Eu, Frei David, não posso esperar a melhoria da rede pública para ver meu povo entrar na faculdade”.