Pré-Iniciação Científica se confunde com programa social

O programa criado pela USP para aproximar jovens da pesquisa científica está perdendo o foco. Oito meses após o início da experiência, o que se vê são interpretações individuais dos professores que, por falta de coordenação, oscilam entre a sua função social e a acadêmica.

Para o professor José Roberto Kassai, da Faculdade de Economia e Administração (FEA), a pré-iniciação científica (pré-IC) dá aos jovens a oportunidade de se perceberem responsáveis pelo mundo e de terem contato com uma realidade diferente. “O fato de eles estarem dentro da USP é mais importante que o conteúdo da pesquisa em si”. Já a professora Jane Gregório-Hetem, do Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG), prefere ver o programa como uma forma de “despertar o espírito científico” nos jovens. Mayana Zatz, Pró-Reitora de Pesquisa da universidade, ainda ressalta a importância do contato entre a USP e estudantes da rede pública. “Existe na universidade uma cultura de resistência contra os estudantes da escola pública”, lembra.

Não se pode negar que o nome da universidade tem peso para os alunos, todos vindos do ensino médio de escolas estaduais. Priscila Lopes, que está pesquisando no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), conta que se inscreveu no programa por ser numa “instituição renomada”. Já Alissa de Souza, da Escola de Comunicações e Artes (ECA), acredita que o programa pode prepará-la para a entrada na faculdade, e já se sente vitoriosa: “não é todo mundo que entra na USP aos 15 anos!”

O que se percebe é que há, entre os selecionados, a crença de que participar de um programa na USP pode facilitar a entrada na universidade. Ferdinando Martins, orientador de três alunas em pré-IC na ECA, alerta para o risco de se criar expectativas falsas: “O problema é que o que se aprende na pesquisa é muito diferente do que será exigido no vestibular. Há um contato maior com os livros e elas assumem mais responsabilidades, mas é apenas uma ajuda indireta”. Mayana nega que a intenção seja facilitar o ingresso do aluno da escola pública na USP. “Nós não criamos essa expectativa”, pontua. “Só em um longo prazo poderemos saber se essa experiência acrescentou na vida do aluno, se ajudou no trabalho, se ajudou no vestibular. Ainda é muito cedo para afirmar isso”, explica.

Outro pensamento que tem iludido os jovens pesquisadores é a imagem da USP como “uma escola”. Ferdinando diz que suas alunas tiveram dificuldades para administrar suas pesquisas sozinhas. “Elas vieram esperando por aulas. Foi preciso ensiná-las a serem mais independentes e pró-ativas”. Jane concorda, e conta que foi preciso adequar as atividades com a ajuda da escola de origem.

Bolsa Mensal

De acordo com o edital, os alunos selecionados para o programa devem receber uma bolsa mensal de 150 reais. Mas a quantia, pensada para estudantes de São Paulo, acaba fazendo falta para quem vem de outras cidades.

Para chegar ao prédio da FEA às 8h30 todos os sábados, 6 alunos de Cajati, a 230km da capital, precisam acordar às 2h e pegar três ônibus. Como não sobra dinheiro, o professor José Roberto conta com a ajuda da fundação Fipecafi para organizar um café-da-manhã coletivo. O problema é que nem todas as unidades conseguem oferecer esses recursos. A estudante Alissa, enquanto não consegue o passe escolar, conta que gasta 170 reais por mês para vir de Santo André, onde mora. “Meus pais têm que arcar com o resto”.

Compromisso

O contrato assinado pelos alunos e professores indica um compromisso de 8 horas semanais em período letivo e 16 horas nas férias. Além disso, os professores da escola pública devem acompanhar seus alunos durante a pré-iniciação e comparecer a reuniões, numa proporção de 5 alunos para cada professor. Todos os professores passam por um treinamento de 48h dentro da USP para poderem acompanhar os estudantes.

Mas nem tudo é feito: no caso de Cajati, a distância não permite aos alunos cumprir mais do que 5 horas, sempre aos sábados. Na ECA e no Museu de Arte Contemporânea (MAC), há reclamações sobre a falta de comunicação com os professores das escolas estaduais. “Um dos responsáveis nunca veio à USP, e outra veio apenas duas vezes. Fica faltando uma parte.” lamenta Ferdinando. “O professor da escola também deve fazer sua parte”, diz Mayana.