Teatro retorna às arcadas da Faculdade de Direito

Grupo ensaia no saguão da faculdade por causa da chuva (foto: Bruna Escaleira)
Grupo ensaia no saguão da faculdade por causa da chuva (foto: Bruna Escaleira)

A intensidade da tragédia grega alia-se à convicção do Direito na concepção teórica e prende a atenção do público na prática. A proposta de contestação por meio do teatro estudantil estimula a manutenção da tradição teatral na Faculdade de Direito (FD) da USP. O primeiro grupo de teatro da instituição surgiu em 1828, apenas um ano após sua fundação, que era um dos escassos pólos de dramaturgia da Cidade de São Paulo na época.

Com o passar do tempo, a importância do teatro no Largo São Francisco não diminuiu. Além de ser palco para importantes atores brasileiros, como Paulo Autran e Renato Borghi, o prédio assistiu à criação de concepções teatrais revolucionárias como o percussor do Tropicalismo “Teatro Oficina”, fundado pelo grupo de José Celso Corrêa em 1958; e o “Teatro União e Olho Vivo”, dedicado à arte popular e espetáculos para circuito em periferias desde 1970, liderado por César Vieira.

Mais contemporaneamente, em 1999, surgiu o grupo “Arcádia”, que visava o aprendizado da dramaturgia, sem pretensões de constituir temporadas. No final de 2005, após crise em que o diretor Reynaldo Puebla foi demitido, o grupo se dispersou. “Um diretor contratado dá unidade ao grupo, já que os participantes mudam a cada ano”, diz Lucas Fábio, um dos estudantes que fazia parte da companhia. “Eu e mais alguns alunos chegamos a apresentar uma montagem em 2006, mas o grupo não era coeso, e não houve atividades em 2007”, conta.

“Sempre quis fazer teatro, mas esperei entrar na faculdade, devido a sua tradição”, conta André Luiz Freire, calouro de Direito em 2008. “Como o ‘Arcádia’ havia acabado, reuni-me a outros colegas, convidamos o diretor teatral Maurício Soares Filho – que foi nosso professor no cursinho -, para nos orientar; e assim criamos o grupo ‘Vivo e Desnudo’”, continua, “sempre com apoio dos ‘veteranos’ do ‘Arcádia’”.

Seu primeiro projeto é uma adaptação de “Édipo Rei”, de Sófocles, que estreou em 1º de maio – depois de um ano de preparação – e fica em cartaz até junho. O palco são as próprias arcadas do pátio interno da FD.

Édipos

A peça conta a história do rei de Tebas (Édipo), em busca pelo assassino de seu antecessor no poder, Laios – que ele não desconfia ter sido seu pai. Também participam da saga a rainha Jocasta e seu irmão Creonte, um cego sábio e o povo da cidade, que se manifesta em coro, como no teatro grego. Em meio à busca, Édipo investiga sua própria história e descobre-se portador de uma “maldição” polêmica até hoje.

Sem desrespeitar a poesia do texto milenar, a montagem propõe elementos inéditos, como coreografias e mantras de ioga. Segundo o diretor, o objetivo de misturar um dos textos precursores do teatro ocidental à tradição oriental é proporcionar uma visão mais “universal” sobre a peça. “Não sei qual é o sentido de montar uma tragédia exatamente como era feito no século V a.C., acho que é preciso relê-la, repensá-la”, comenta.

Outra releitura é a interpretação das personagens principais por mais de um ator. “Como todo o trabalho de concepção foi realmente coletivo, não fazia sentido apenas um ser o Édipo”, diz Maurício, “as meninas trouxeram a idéia de elas também interpretarem esse personagem, para de deixar claro que ele não é um homem ou uma mulher, mas um indivíduo tentando se encontrar”, continua.

Arcabouço

O grupo recebe verba do Centro Acadêmico XI de Agosto, mas tem dificuldades para se manter. Apesar de dispor de cerca de R$ 70 mil por mês, a entidade repassa apenas R$400,00 ao teatro estudantil. “Hoje há um diretor que trabalha por amor à arte e afinidade com os alunos, mas será difícil manter um grupo sem uma renda maior fixa, caso ele precise sair”, opina o ex-participante do Arcádia, Lucas.

A FD cede espaço para as apresentações, mas não dá incentivos de cultura e extensão ao grupo. O principal gasto do “Vivo e Desnudo” se deve à determinação da diretoria de que sejam contratados seguranças particulares tanto para os ensaios e os espetáculos; além disso, não permite a utilização de algumas luzes durante os finais de semana e não aceitou reprogramar o sinal entre as aulas, que toca no meio das apresentações.

Édipo Rei

Quando: de 9/5 a 7/6, sáb., 21h; dom., 20h30.
Onde: Largo São Francisco, 95, centro.
Grátis.