Entrevista com Olgária Matos

O JC entrevistou a professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Olgária Matos, sobre o confronto com a PM e o pedido de renúncia da reitora. A professora considera que Suely Villela, apesar de ter condições de legalidade para continuar no cargo, perdeu legitimidade, porque “quem tem autoridade não usa força”, diz. Para ela, a USP tem sofrido um processo de despolitização, no qual são dadas soluções administrativas para problemas políticos.

Jornal do Campus: A senhora acha que a reitora não tem mais condições de continuar?
Olgária Matos: Eu acho que do ponto de vista político, ela não tem condições no sentido de que está sendo pedida a renúncia dela… eu particularmente não penso assim. Eu acho que como ela criou essa confusão, a negociação tem que ser com ela, para sair desse impasse.

JC: A senhora acha que essas entidades conseguiriam a renúncia? Os representantes dessas entidades são poucos no Conselho Universitário (Co)…
OM: Do ponto de vista, não da representação minoritária no CO, mas pela atmosfera que se criou na universidade, ela não teria condições políticas de legitimidade. De legalidade sim, ela foi escolhida pelo governador dentro das regras tradicionais etc. Agora, um governo de universidade que trata problemas políticos administrativamente, quer dizer, dá uma solução administrativa para um problema político… ela está considerando que não é um problema dela.
Eu acho que é uma tendência hoje das formas de governo despolitizadas. Quando você despolitiza a questão ou vira questão jurídica ou questão policial. Agora qual é a força espiritual de uma instituição? É ela poder dialogar com seus contraditores. A universidade não é uma coisa homogênea e uma universidade não se comporta segundo o que o gestor público gostaria que como numa empresa ela se comportasse. A vida inteligente critica as decisões que não passaram por ela ou não passaram suficientemente, como essa questão do ensino à distância, a questão da reformulação da carreira docente, enfim, isso para falar dos professores. Isso não foi nada discutido.
A questão do ensino à distância, por exemplo, ela não significa apenas um apoio à forma tradicional de exercício da academia, ela é a substituição do projeto civilizacional. O primeiro projeto, que era da universidade na sua origem, era aprender conhecimentos, produzir saberes, especulação e ciência e convivência entre as pessoas. O ensino a distância substitui uma visão de civilidade por uma outra coisa que nós não sabemos o que é. Tal a magnitude do alcance dessas transformações, elas precisavam ser muito mais bem discutidas.

JC: Está se tornando um problema da ética da universidade?
OM: Eu não sei tanto se é a questão da ética ou se é essa despolitização que quer resolver todos os problemas políticos por decisões técnicas.

JC: E o argumento de que a reitora estaria tentando garantir o direito de ir e vir das pessoas. O que a senhora acha?
OM: É claro que o piquete não se justifica. Em hipótese alguma, você não pode bloquear o direito de ir e vir, isso é o a priori. A questão toda não é essa. A questão é que não havia nada ameaçado. Era uma manifestação pacífica de estudantes desarmados. A própria imprensa que estava presente se espantou com a atitude policial, portanto se criou ali um clima de dizer que os policiais estavam sendo ofendidos pelos estudantes, quer dizer, até parece que foi a primeira vez que eles tiveram a mãe xingada. Até parece que foi a primeira vez que eles ouviram, então o problema não é esse. Até mesmo porque o policial deve estar preparado para ser ofendido, porque ninguém gosta de polícia. A partir do momento em que você começar a gostar de polícia alguma coisa está muito errada, não porque eles não mereçam consideração, mas é porque não é um lugar compatível com a polícia.
Agora, se houvesse uma depredação, algo que justificasse, o que se faz? Você reforça o lugar onde você supõe que vai ser atacado. Agora como você faz uma passeata que está pacificamente se desenvolvendo ser acompanhada pela polícia?Ninguém entende isso. Isso é um processo de intimidação e de criar medo em jovem, os futuros cidadãos do país, que vão governar o país, eles vão aprender da política que você precisa ter medo da sua integridade física? O medo atrofia o pensamento. Isso não é forma de educar estudante.

JC: Já aconteceu esse tipo de pedido de renúncia?
OM: Que eu saiba, não. Agora, há várias possibilidades, pode-se fazer o pedido, mas isso se efetivar é outra coisa. A reitora está se valendo da idéia de que é uma minoria da universidade que está contrária a ela ou favorável à paralisação. Eu tenho a impressão de que não é o quantitativo que conta, o que conta é o princípio da não presença da polícia num campus que por sua natureza se constrói contrário à presença ou uso da violência no seu interior.
Quando você usa a polícia como maneira preventiva de resolver problemas, o que é? Você não está conversando com quem quer conversar. Alegar que os grevistas é que não aceitaram a negociação?Onde estão os canais para que ela chegue aos estudantes e funcionários e para que os funcionários também possam chegar até ela? Ela é uma reitora que nos momentos críticos da universidade esteve ausente. Ela não deu nem entrevista, ela falava por email com as pessoas.

JC: A senhora acha que isso pode influenciar as próximas eleições ou ainda pode haver um desenrolar? A reitora disse que vai terminar o mandato.
OM: Eu acho que ela vai terminar o mandato. Agora eu acho que as condições políticas de legitimidade do exercício da função de governo da universidade estão prejudicadas.
Do ponto de vista da legalidade, sim, mas ela perdeu autoridade, porque quem tem autoridade não usa força. Agora isso é um problema, não sei se mais geral … hoje nas instituições no Brasil você tem uma tendência de resolver todas as questões políticas tecnicamente, então é a idéia do político competente, do profissional, do especialista.
A questão mesma que é da vida e das contradições que existem na vida acadêmica ficam deslegitimadas. A universidade só pode funcionar se você se submeter a regras que você está contestando, como se você não tivesse como contestar regras.
A universidade se despolitizou completamente. Os estudantes são vítimas disso. Eles entram muito infantilizados na universidade. Eles têm que fazer um esforço sobre humano para ultrapassar essa carência que a universidade tem hoje, que os estudantes entram com uma mentalidade completamente assistencialista. Eles misturam questões políticas com questões de sobrevivência, então a universidade está passando um momento muito difícil.