Debate: Diretas já? O atual modelo de eleições para reitor na USP é o mais democrático?

Os reitores da USP têm sido eleitos via colegiado desde os primórdios da instituição. Nesse sistema, o colégio eleitoral é composto pelo Conselho Universitário (Co) e Conselhos Centrais, cuja maioria esmagadora dos membros – quase 90% – é de professores titulares. Não há consulta à comunidade, como ocorre na Unesp e Unicamp, por exemplo, de modo que a cada nova greve, a legitimidade do reitor é questionada. Os defensores desse modelo alegam que ele garante a qualidade do ensino e pesquisa na universidade, privilegiando propostas acadêmicas em vez de políticas e colocando a USP entre as melhores do mundo. Do outro lado, seus críticos afirmam que a eleição é arcaica e antidemocrática, uma forma de concentração de poder nas mãos de uma casta de professores titulares. Dada a polêmica, o JC traz artigos de docentes de longa carreira na universidade, e de um ex-aluno, para debater o assunto.

Índice

Eleições diretas – por Hernan Chaimovich
Eleições na universidade – por Jacques Marcovitch
Quem tem medo de diretas para reitor? – por Francisco Miraglia
Sucessão com eleições diretas, quando? – por Vinícius Rodrigues Vieira


Eleições diretas

por Hernan Chaimovich

A USP não é gratuita, custa ao contribuinte paulista cerca de um bilhão de US$ por ano. Essa soma, transformada em escolas, postos de saúde ou quaisquer outros investimentos, não é pequena em qualquer país do mundo. No Brasil, então! É necessário refletir por que a USP, uma das poucas públicas no Brasil que não escolhe diretamente o reitor, a mais destacada universidade brasileira na visão global, deve continuar a receber este significativo aporte dos contribuintes paulistas. Este investimento é inteiramente justificado se a USP continuar a manter a destacada posição de ser uma das únicas universidades brasileiras de classe mundial. Em 2009 é impensável desenvolvimento justo e sustentável sem que o país tenha um ensino contemporâneo em todos os níveis e, pelo menos, algumas universidades de classe mundial.

Inclusão e democratização no acesso são palavras que têm sido usadas para justificar as demandas para eleição direta. Mas, na minha experiência, democratizar o acesso significa diferenciar o sistema de ensino superior público com mais FATEC´s, ensino a distância e outras formas criativas de inclusão. Não existem dados que permitam sequer vislumbrar qual a relação entre eleição direta para reitor, democratização do acesso, inclusão ou maior inserção social e global desta universidade.

As experiências latino-americanas de fazer da Universidade um foco político/partidário ou revolucionário fracassaram em todos os países onde foram tentadas.  A partidarização da Universidade, e não a sua inserção social, foi o resultado obtido no Chile, na Argentina e no Brasil. A Universidade não ensinou melhor quando a direção dos órgãos universitários se deu por eleição direta. Não existem exemplos onde Universidades dirigidas por reitores, diretores e chefes de departamento eleitos diretamente façam melhor pesquisa ou sirvam de modo mais eficiente à sociedade que as mantém.  Exemplos onde o fazer universitário se degrada após eleições diretas são abundantes.

Numa eleição direta na Universidade, as promessas corporativas, partidárias e/ou revolucionárias têm precedência sobre as acadêmicas. As promessas acadêmicas, respeitando o uso do dinheiro público, implicam mais trabalho para todo mundo e podem incorporar idéias como, por exemplo: professor que não ensina e pesquisa, bem como aluno que não se esforça, devem ser transferidos para um sistema não financiado pelo Estado. Isso encontra pouca ressonância nas corporações de professores, alunos e funcionários.

Se a universidade não pode servir como instrumento dos grandes grupos econômicos e tem que direcionar o seu atendimento às demandas sociais, a responsabilidade não pode ser atribuída tão somente à Universidade.  A definição de política educacional-científico-tecnológica-industrial passa necessariamente pelo Estado e a sociedade através de seus representantes. É no Executivo, no Congresso e nas Assembléias onde a política deve ser definida.  A universidade, no seu campo específico de atuação e mantendo a autonomia a duras penas conquistada, é (ou deveria ser) um dos instrumentos de mudança.

Continuo acreditando na necessidade de aumentar a politização dos que estudam e trabalham na USP.  Mas, a meu ver, a eleição direta para Reitor partidariza sem politizar e, sobretudo, desloca o discurso e cristaliza as corporações.  Cristalizar corporações de professores, alunos ou funcionários sempre resultará em posições conservadoras, pois estas resistirão a qualquer tipo de mudança que não seja conveniente ao seu particular interesse. Existe posição mais conservadora que a resistência ao ensino à distância sob o pretexto de uma qualidade do ensino mal definida?
Mantendo a minha posição contrária a eleição direta, não acredito que o atual sistema de escolha de Reitor seja mais conveniente para a USP.

Minimamente, o segundo turno deveria ser eliminado para garantir o peso político das representações acadêmicas existentes nas congregações. Quiçá assim o Governador poderia escolher o Reitor de uma lista tríplice mais articulada com propostas acadêmicas.

Hernan Chaimovich é professor titular “quase aposentado” do Instituto de Química (IQ) da USP. Esta contribuição tem por base um artigo publicado no Jornal da USP em 15/08/1996.
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Eleições na universidade

por Jacques Marcovitch

A questão universitária no Brasil impõe um foco maior em medidas que tragam rápidos e efetivos benefícios sociais. Entre estes, o avanço contínuo do desempenho em pesquisa científica e o incremento da oferta de vagas gratuitas ou financiadas, avanço que promove o bem-estar e incremento que favorece a integração. Nunca é demais repetir que o Brasil tem, na faixa etária correspondente, apenas 9% de sua juventude no terceiro grau, contra 40% na Argentina e 80% no Canadá, para citar apenas dois contrapontos. Enquanto isso, no espaço da universidade pública, onde essa questão social deveria prevalecer, alguns setores ainda levantam, como prioritário, o tema da eleição direta para reitor.

Formulada esta objeção preliminar à reincidência de pauta que me parece alheia ao interesse coletivo, espero contribuir, nestas linhas, para examiná-la de forma objetiva. Lembrarei dois fatos ocorridos em minha gestão reitoral. Faço o retrospecto por entender que um dirigente universitário serve à academia esforçando-se ao máximo no exercício do seu cargo e, depois, transmitindo aos colegas, quando necessário, a memória da experiência vivida.

Cabe reconhecer, antes de expor os fatos, que nem todos os adeptos do voto direto para reitor subestimam as questões principais da universidade. Agem, muitos deles, na suposição de que o seu critério de escolha é o mais democrático e o mais legítimo. Tenho a expectativa de que o meu relato ajude a reverter este equívoco e demonstre que o voto direto, ideal na representação política do Estado, é de todo inconveniente na escolha dos dirigentes de uma universidade. Não alonguemos, porém, os argumentos nesta linha, que dão sempre margem a excessos retóricos de um lado ou de outro. Voltemo-nos para a realidade concreta, que nos traz ensinamentos de maior valia.

O primeiro ponto a relatar diz respeito a uma pesquisa que desenvolvemos na Reitoria da USP junto às grandes instituições acadêmicas internacionais. Era nosso propósito saber qual o processo que adotavam na escolha de seus reitores e como encaravam a hipótese de uma eleição direta para esse fim. As universidades foram escolhidas com base em critérios de qualidade de seu desempenho e presença em redes de universidades mundialmente reconhecidas, como a Association of American Universities e a League of World Universities, da qual a USP é participante.

Foram ouvidas, na ocasiã0, 27 grandes instituições em todo o mundo: University of Oxford e University College London (Inglaterra); Université de Lausanne (Suíça); Université Lyon 2 (França); Leiden University (Holanda); Universität München e Universität Berlin (Alemanha); Universidad de Salamanca (Espanha); Stockholm University (Suécia); University of Sydney (Austrália), McGill University (Canadá); Hebrew University (Israel); University of Tokyo (Japão); Universidade de Coimbra, Universidade Nova de Lisboa, Universidade do Porto (Portugal); Universidad de Los Andes (Colômbia); University of Malaya (Malásia); Johns Hopkins University, Vanderbilt University, New York University, Emory University, Brandeis University, Association of American Universities, Duke University, University of Pittsburgh e Michigan State University (EUA).

Presume-se, e não seria lícito julgar de outro modo, que sendo estas universidades muito bem-sucedidas em seu desempenho, a forma de escolha dos respectivos dirigentes é a mais adequada. O questionário enviado compunha-se de quatro itens: procedimento atual da escolha do reitor, Presidente ou Vice-Chancellor; composição das assembléias que referendam a indicação final; duração do mandato; e, finalmente, o pedido de uma opinião sobre a hipótese de ser o reitor eleito em votação direta de todos os professores, funcionários e alunos.

Dito isto, passemos às opiniões colhidas na pesquisa. A principal informação foi a de que nenhuma das instituições consultadas adota o sistema de eleição direta para reitor. A maioria escolhe seus dirigentes em processo assemelhado ao adotado pela Universidade de São Paulo. Algumas, notadamente nos Estados Unidos, chegam a indicar o reitor após uma busca entre executivos mais capazes, incluindo-se apresentação de currículo e outros meios praticados por empresas e Fundações no recrutamento dos seus dirigentes.

Julgo adequado reproduzir aqui, sem comentários meus, os juízos emitidos pelos reitores das universidades pesquisadas quando chamadas a opinar sobre o item da escolha direta. O reitor da Universidade de Oxford, Inglaterra, dr. Colin Lucas, perguntado se admitia uma escolha feita por alunos, professores e funcionários, pela via do sufrágio universal, foi categórico: “Absolutamente não. Isto produziria resultados baseados em considerações altamente políticas e campanhas com promessas sendo feitas ou procedimentos não adequados ao tipo de liderança que uma universidade necessita. O corolário seria o desenvolvimento de um tipo de governo ministerial, pois outros líderes teriam que ser trazidos para satisfazer outros interesses. Nada disso é positivo para a boa liderança e o bom julgamento”.

Outra importante universidade inglesa, a College London, representada pelo seu Presidente e Provost, Chris Llewellyn Smith, desaconselha o sufrágio direto. Diz o dirigente: “Não sou favorável a um sistema de voto direto de docentes, funcionários e alunos. Isso apesar do fato de que em universidades que não têm Conselhos com a maioria dos membros vindos de fora possa haver argumentos em favor de tal procedimento.

No caso da UCL, tenho que prestar contas ao Conselho, que poderá demitir-me se não estiver trabalhando adequadamente. As desvantagens de tais eleições diretas residem no fato de que, em minha opinião, a maioria dos docentes, funcionários e estudantes realmente não têm muita idéia de como uma universidade deve ser administrada. E tenho observado que em alguns países onde há esse tipo de eleição para reitor surge a tendência de candidatos lançarem plataformas com base em propostas populistas, que poderão não trazer os melhores resultados para as universidades”.

O Presidente da Universidade de Lyon 2, França, Gilbert Puech, comenta: “Uma eleição direta tem seus atrativos, mas não seria fácil ponderar o voto entre os diferentes constituintes de cada comunidade: membros da faculdade, pesquisadores, pessoal administrativo e técnico”.

O dr. Douwe D. Breimer, da Universidade de Leiden, Holanda, resume o seu ponto de vista contrário: “Não me parece que uma eleição geral seja uma boa idéia. Um reitor deve ser escolhido com base em sua forte competência. O risco de eleições gerais é que a política venha a ser o mais importante”.

Na Universidade de Munique há um movimento no sentido de restringir mais ainda o processo de escolha. Informa seu reitor, Professor Andréas Heldrich: “Quanto ao processo de eleição do reitor e ao período do seu mandato parece que não há insatisfação com o atual estado de coisas na Universidade de Munique. Em estudo muito recente, uma firma de consultoria sugeriu que se estabelecesse um colégio eleitoral menor, com membros vindos de fora da Universidade, ao invés do Senado Estendido que temos atualmente. Nossos consultores apontaram para o fato de que esta mudança faria com que o reitor fosse menos dependente das pessoas que é obrigado a supervisionar. Portanto, as discussões em nossa Universidade estão caminhando para uma mudança na estrutura administrativa, ao invés de uma abertura maior na participação interna”.

O documento que recebemos da Universidade Livre de Berlim também se opõe a uma eleição direta: “Não consideramos este sistema muito apropriado, pois o grande número de estudantes teria o voto majoritário. Este modelo seria adequado se o Presidente tivesse somente uma função representativa. Tendo em vista que ele tem poderes de decisão, sua aceitação por todos os grupos, especialmente pelos professores, é essencial”.

Da Universidade de Salamanca, encaminhada pelo dr. Ignácio Berdugo Gómez de la Torre, veio a informação de que a maioria dos reitores espanhóis é contrária ao processo eleitoral direto. Declara este dirigente: “Sou claramente contrário ao voto direto. Entendo que, ao ser ponderado, tenha este uma grande carga demagógica e traga mais inconvenientes do que a legitimação pretendida”.

Da Suécia, onde os reitores são escolhidos por um Conselho Eleitoral, veio esta resposta curta e eloqüente, subscrita pelo Presidente Gustaf Lindencrona, da Universidade de Estocolmo: “Acho que o sistema de voto indireto, conforme existe em nossa Universidade, é melhor”.

Ainda mais conciso foi o Professor Gavin Brown, reitor da Universidade de Sydney, Austrália: “O modelo para eleger um reitor diretamente é inapropriado”. Eis a resposta que nos foi enviada pelo dr. Bernard J. Shapiro, da McGill University, do Canadá: “Eu não acredito que em nosso meio o voto direto pelos estudantes e/ou funcionários da Universidade seria muito bom. As contendas envolvendo publicidade politizam desnecessariamente o ambiente e raramente produzem a liderança necessária para uma instituição acadêmica. Além do mais existem muitos ‘stakeholders’ da Universidade que não são representados por aqueles que freqüentam a Universidade ou que nela trabalham”.

A Universidade Hebraica de Jerusalém, Israel, não opinou sobre a eleição direta, preferindo informar que a eleição do seu presidente se faz por um Conselho de Curadores. O reitor é escolhido pelo Senado e através de um Comitê de Busca, no qual o Presidente tem poder de veto.

Na Universidade de Tokyo a escolha do Presidente da Universidade é feita em duas etapas. Na primeira, os delegados/representantes de cada uma das 14 faculdades e 12 institutos de pesquisa são escolhidos pelos professores, professores associados e professores assistentes da Universidade. Esses delegados/representantes se reúnem em assembléia e escolhem, através de voto secreto, cinco candidatos. Na segunda etapa, os professores, professores associados e professores assistentes votam em um dos cinco candidatos selecionados. O candidato com maior número de votos será o Presidente daUniversidade de Tokyo. Neste estágio do processo é possível votar em outros candidatos além dos cinco apresentados pelos eleitores. Não é necessário ser docente da Universidade para concorrer à vaga para Presidente. A instituição considera que, deste modo, as eleições “têm sido diretas, pois as pessoas com responsabilidade direta pelo ensino e pesquisa (docentes), são as que elegem o Presidente”.

A Reitoria da Universidade de Coimbra, esclarecendo que o seu executivo principal é indicado entre os professores catedráticos de nomeação definitiva e eleito pela Assembléia da Universidade, sequer comentou a possibilidade de eleição direta.

O Professor Luís Sousa Lobo, Reitor da Universidade Nova de Lisboa, enviou-nos a seguinte resposta: “O processo de eleição direta, com conversão da proporcionalidade dos votos obtidos em cada corpo eleitoral, foi praticado com sucesso na Universidade do Minho entre 1982 e 1989, mas a Lei atual não o permite. Torna a eleição mais visível na comunidade acadêmica, embora conduza a uma campanha eleitoral mais consumidora de tempo para os diversos intervenientes”.

Também na Universidade do Porto uma Assembléia da instituição escolhe o Reitor entre catedráticos de nomeação definitiva. O Professor J. Novais Barbosa, seu atual reitor, opina sobre o voto direto: “Seria um princípio aceitável, se não tivesse o inconveniente de incluir um apreciável número de pessoas certamente muito interessadas na sua área de incidência, mas pouco interessadas na atividade global da instituição”.

Enfatizando que a eleição do reitor por um Conselho de Diretores vem funcionando muito bem há mais de 30 anos, o atual Reitor da Universidade Los Andes, Colômbia, Professor Carlos Ângulo-Galvis, opina sucintamente: “Não favorecemos o voto direto. Consultamos os membros da comunidade e levamos em consideração as suas opiniões”.

O Reitor da Universidade da Malásia, Dr. Anuar Zaini Md Zain, informou apenas que o Vice-Chancellor é indicado pelo Ministro da Educação. Sugeriu como alternativa um Comitê para procurar o melhor candidato.

As universidades norte-americanas condenam por unanimidade a votação direta. O Presidente da Associação que representa aquelas com maior engajamento em pesquisa, Dr. Nils Anselmo, também respondeu à pesquisa, e nos seguintes termos: “Eu não acredito que a eleição através de voto direto dos docentes, funcionários e alunos seja um modelo viável para as universidades norte-americanas, tendo em vista suas estruturas de administração.

Todas elas têm, entretanto, Senados Universitários, com grupos separados para docentes e estudantes, para determinadas finalidades, que têm um peso considerável sobre questões acadêmicas. Este fato é referido como ‘shared governance’ (administração compartilhada). Mas a função dos docentes e dos estudantes é somente opinativa no caso de eleição de um Presidente/Chancellor”.

Seguem-se, em bloco, as opiniões encaminhadas à Reitoria da USP por oito destacadas universidades dos Estados Unidos:

Universidade Johns Hopkins – (Dr. William R. Brody) – “Seria contrário aos Estatutos da Universidade eleger o Presidente por voto direto. Seria também um erro que mudaria completamente o caráter desta instituição, na qual o Presidente responde ao Conselho, entidade autônoma, independente. Esta independência é tão importante que os Estatutos proíbem expressamente qualquer aluno, docente ou funcionário de servir como Conselheiro. Como nenhum Conselheiro é afetado diretamente pelas políticas e ações definidas pelos Curadores, eles têm maior objetividade sobre como administrar a Universidade, o que não seria possível se fossem stakeholders. “(…) Se a estrutura de governo permitisse a escolha direta, a Presidência ficaria politizada ao ponto em que o próprio Presidente não poderia levar avante sua missão com eficácia”.

Universidade Vanderbilt – (Dr. Mark J. Justad) – “Se fosse uma situação como a de Vanderbilt, eu seria cético quanto ao estabelecimento de um processo direto de eleição”.

Universidade de Nova York – (Dr. L. Jay Oliva) – “Meu pensamento quanto à eleição direta de um reitor (por todas as pessoas da comunidade – alunos, docentes e funcionários) é que não é uma boa idéia. O voto direto, nesse caso, resultaria num concurso de popularidade ao invés de se buscar o candidato certo, com as credenciais apropriadas”.

Universidade Emory – (Dr. Gary S. Hauk) – “Muitas vezes os passos necessários para levar a universidade a um nível mais alto são impopulares ou apenas parcialmente compreendidos por algumas comunidades. A eleição popular de um dirigente limitaria, portanto, a capacidade dos Curadores na busca de uma pessoa com as qualidades necessárias para liderar”.

Universidade Brandeis – (Dr. John R. Hose) – “A eleição direta para Presidente da instituição abriria a possibilidade de campanhas de candidatos e uma seleção altamente politizada que encorajaria a divisão e o surgimento de ‘ganhadores’ e ‘perdedores’ entre as várias comunidades. É de vital importância que as vozes dos docentes e alunos sejam  ouvidas na seleção de um Presidente, porém nenhuma dessas comunidades está na mesma posição do Conselho de Trustees para tomar uma decisão imparcial e baseada naquilo que é melhor para a Universidade”.

Universidade Duke – (Dr. Nannerl O. Keohane) – “Não acredito que a eleição de um Presidente pelo voto direto dos docentes, funcionários e estudantes favorecesse os melhores interesses de uma instituição. Este processo poderia dividir o campus e politizar a seleção”.

Universidade de Pittsburgh – (Dr. Mark A. Nordenberg) – “Não tenho experiência para medir esse enfoque e preferiria o processo desta Universidade, que eu sei que funciona”.

Universidade do Estado de Michigan – (Dr. Peter McPherson) – “A função do Presidente muitas vezes envolve a busca de fundos externos e relações com Assembléias Legislativas, líderes da comunidade e público em geral. Por isso, um voto direto pelos docentes, funcionários e estudantes, não seria apropriado porque constituintes externos importantes estariam fora do processo. O nosso atual sistema é melhor, pois a busca envolve membros eleitos pelo público e também constituintes internos”.

As opiniões aqui registradas evidenciam um consenso a ser atentamente examinado. Se queremos uma academia moderna e sintonizada com as boas práticas internacionais, devemos seguir o exemplo das melhores universidades. Não se trata de copiar mecanicamente os procedimentos adotados em outros países, mas acompanhá-los no essencial, que é o respeito aos interesses acadêmicos. Caberia sublinhar ainda que as instituições ouvidas pela USP situam-se, na quase totalidade, em países de sólida tradição democrática, onde o direito de opinião é fundamento pétreo em suas Constituições. Nota-se, porém, que estas academias percebem sabiamente as sutis e importantes diferenças entre a organização do Estado e a organização universitária.

À guisa de ilustração, serão descritos os processos de escolha de dirigentes em algumas das instituições pesquisadas. Todas elas integram a lista de universidades melhor avaliadas no “Academic Ranking of World Universities – 2004″, elaborado sob a coordenação do professor Nian Cai Liu, do Instituto de Ensino Superior da Universidade de Xangai – China, com o objetivo de orientar os estudos de chineses no exterior.

Associação de Universidades Americanas – Esta associação reúne as cem maiores universidades norte-americanas, em especial aquelas que priorizam as atividades de pesquisa e pós-graduação. Nessas instituições, públicas ou privadas, o presidente ou chancellor é eleito pelo Conselho da universidade. Os membros dos Conselhos, por sua vez, são eleitos ou designados de formas variadas. Nas universidades públicas, alguns dos conselheiros são eleitos quando das eleições gerais dos Estados e outros são indicados pelos governadores. Nas universidades privadas o próprio Conselho elege os seus membros e se auto-renova periodicamente. Na escolha de um presidente ou chancellor o Conselho geralmente indica um comitê de busca com representação do próprio Conselho, docentes, funcionários e estudantes e, às vezes, ex-alunos. Os mandatos variam de indicação anual até mandatos de cinco anos com a possibilidade de recondução.

Universidade Johns Hopkins – É dirigida por um Conselho de Curadores provenientes do setor privado, sendo que os próprios membros elegem os seus sucessores. O Presidente é escolhido por esse Conselho de Curadores e fica no cargo até quando o desejar. Quando um Presidente sinaliza que quer deixar o cargo, o Conselho de Curadores indica um comitê de busca para identificar o sucessor. Este Comitê, muitas vezes dirigido pelo Presidente do Conselho de Curadores, é integrado, em sua maior parte, pelos próprios Curadores, mas também inclui representantes de todos os setores da Universidade – docentes, estudantes, funcionários e ex-alunos. O processo para identificar um novo Presidente leva de 12 a 18 meses e envolve a consulta a pessoas da própria Universidade, de outras instituições, ou mesmo do exterior. Os indicados finalistas são entrevistados pelo comitê de busca e por membros da direção da Universidade. O comitê de busca recomenda um único candidato ao Conselho de Curadores que, então, decide se elegerá essa pessoa para o cargo.

Universidade de Nova York – A seleção é feita por um comitê de busca composto por pessoas conceituadas da Universidade (administração central, docentes, estudantes e funcionários). Não há mandato fixo para o Presidente. O Conselho de Trustees da Universidade é que decide quando um Presidente deve ser escolhido.

Universidade de Oxford – O Vice-Chancellor, dirigente executivo da universidade, é escolhido por um colégio eleitoral, integrado por quatorze membros, sendo cada um deles indicado por um setor diferente da Universidade. O colégio eleitoral é presidido pelo Chancellor (patrono da Universidade com poucas funções executivas, sendo a maioria delas de representação externa). O colégio analisa em sigilo possíveis nomes para a função e poderá fazer consultas reservadas. Não há candidaturas ao cargo e, caso seja percebida uma campanha em prol de um dos nomes, este será automaticamente desqualificado. O nome escolhido pelo colégio eleitoral é então proposto a todo o corpo de acadêmicos/professores. O nome é referendado, a menos que haja, dentro de um prazo determinado, uma contestação fundamentada. Nunca, na história da Universidade, um indicado foi chamado ao debate ou feita oposição ao nome proposto. O mandato é de cinco anos, podendo ser prorrogado por mais dois, não sendo permitida a recondução.

Universidade Colégio de Londres – O Presidente e Provost da UCL é indicado porum Conselho sob a recomendação de um Comitê de Seleção composto por membros do Conselho e do Conselho Acadêmico. O Conselho é integrado por cerca de trinta pessoas, a maioria não pertencente à Universidade, mas vinda da área empresarial e de representantes das profissões liberais. Atualmente integram também o Conselho dois professores representantes das escolas de segundo grau. Os membros internos incluem a representação de funcionários docentes e não-docentes e representantes dos estudantes. Já o Conselho Acadêmico é integrado por professores titulares e por membros eleitos de outras categorias docentes. O mandato tem duração mínima de cinco anos e máxima de dez anos.

Universidade de Estocolmo – A eleição do Reitor/Presidente acontece em três etapas. Na primeira, há uma decisão do Conselho Eleitoral, constituído por 60 membros, sendo 36 escolhidos pelos docentes, 12 pelos estudantes e 12 pelos sindicatos do comércio. Na segunda, há a decisão do Conselho Universitário, que geralmente escolhe o candidato que obteve a maioria dos votos no Conselho Eleitoral. Finalmente, o Reitor/Presidente é indicado pelo Governo. O mandato é de 6 anos, podendo haver reeleição para um período de mais 3 anos.

Universidade de Lyon 2 – O Presidente da Universidade é escolhido entre os docentes titulares e eleito por uma assembléia de aproximadamente cento e trinta membros integrantes do Conselho de Administração, do Conselho Científico e do Conselho para Assuntos Acadêmicos. O processo eleitoral inclui uma consulta a todos os membros da Universidade, mas a eleição é por delegação, pois é feita nos três conselhos. O mandato é de cinco anos e não se permite a reeleição.

Universidade de Los Andes – O reitor é eleito pelo Conselho de Diretores, composto por quarenta e cinco membros, tendo um mínimo de dois professores e dois estudantes. Um comitê de busca, constituído pelo Presidente e doze membros do Conselho de Diretores, entrevista membros do próprio Conselho, docentes e outros integrantes da comunidade da Universidade, prepara um relatório e apresenta suas conclusões ao Conselho. As conclusões incluem a recomendação de um a três candidatos para serem votados. O primeiro mandato é de quatro anos, que pode ser estendido por mais dois, indefinidamente.

Universidade Nova de Lisboa – A eleição é feita por um colégio eleitoral de cerca de duzentas e cinqüenta pessoas, designado Assembléia da Universidade, com representação das Faculdades, em que há 27% de estudantes e 10% de funcionários. Recentemente foram feitos ajustes no processo para assegurar a representação autônoma de estudantes de pós-graduação e introduzida uma regra de proporcionalidade mitigada, com três escalas de dimensão para a representação das Faculdades (1º escalão: até 1000 estudantes; 2º escalão de 1000 a 3000 estudantes; 3º escalão para Faculdades com mais de 3000 estudantes). Foram introduzidas, também, as alternativas de candidaturas ou deproposituras (por 5 a 10% de membros do colégio eleitoral). O mandato é de quatro anos admitindo-se apenas uma reeleição.

Toda a argumentação recolhida sobre a escolha do Reitor centra-se, como vimos, no princípio da competência. Esta será, em todos os casos, aferida por um grupo notoriamente qualificado e sem outro interesse que não seja de ordem acadêmica. O viés político é absolutamente desprezado. Exige-se do candidato um perfil em que se sobressaiam a capacidade administrativa e um pleno domínio de questões pertinentes às atividades fins da instituição. Está descartada qualquer hipótese de influência privilegiada no exercício de suas ações futuras.

O dirigente acadêmico, além de sólido conhecimento da área que lhe cabe gerir e uma compreensão abrangente da universidade, precisa ser um articulador. Mas a liderança, neste caso, não tem aquele sentido que ostenta quando relacionada com o embate sindical ou político. A condução partidária ou corporativa repousa basicamente na habilidade para arregimentar segmentos da sociedade e em atributos pessoais como oratória, carisma ou até mesmo alguma teatralidade no comportamento. A liderança de um dirigente universitário se mede pela capacidade na agregação de competências e formulação de um projeto para a academia. O desvio capital na tese do voto direto é o de exigir do Reitor ou dirigente de unidade o posicionamento de um agitador de massas. Ele não é isso, por mais que admitamos, no plano político, um protagonista com este perfil.

Não se veja, nesta observação, qualquer menosprezo à política e seus ritos, perfeitamente legítimos quando praticados em âmbito próprio. A política é a estrutura essencial do sistema representativo. Uma crítica irrefletida aos seus processos quase sempre oculta convicções totalitárias ou revela uma total incompreensão dos valores democráticos. Que fique bem claro: no caso em análise o erro está em partidarizar o contexto acadêmico e ignorar a sua verdadeira natureza.

As diferenças também ocorrem entre aqueles que vão escolher a liderança. Na universidade, ao contrário do que sucede no conjunto social, os liderados exercem um papel ativo. Eles não se limitam a seguir os passos de alguém, mas ajudar este alguém nas tarefas de governança e, mais do que isso, na concepção das políticas acadêmicas. Esta influência mútua é praticada nos colegiados, que por sua vez não devem guardar semelhança com os plenários políticos ou assembléias de classe, onde atuam “bancadas” e “facções” mais preocupadas com a reação de suas bases eleitorais.

Freqüentemente se ouve dizer que as congregações e conselhos superiores na universidade assumem posições “conservadoras”. Melhor seria caracterizá-las como prudentes, inclusive para identificar os líderes verdadeiramente inovadores e saber diferenciá-los dos que pretendem apenas trocar uma rotina por outra. Parece-nos que estas premissas estão implícitas nos depoimentos colhidos junto aos dirigentes das universidades internacionais ouvidos pela Reitoria da USP sobre as suas respectivas estruturas e processos de escolha.

Um Reitor não deve estar ligado a qualquer facção partidária, mesmo que ocasionalmente esta facção represente, no espectro político, um programa justo de governo. O compromisso da autoridade universitária restringe-se ao contexto exclusivo da qualidade acadêmica. Neste caso, a chegada ao posto de Reitor assemelha-se ao ingresso de um estudante na universidade.

O improvável cenário da eleição direta para Reitor teria uma porta escancarada para o aparelhamento da universidade pública. Por ela entrariam grupos ideológicos em busca de fortalecimento. Grupos de direita, como no tempo da ditadura militar ou grupos de vários matizes, como nos dias de hoje. Nocivos, todos, ao interesse universitário, porque visam em primeiro lugar a política e não as questões relevantes da academia.

Demo-nos por felizes que haja no Brasil plena liberdade e que se possam expressar as mais variadas correntes partidárias. Mas seria inadequado ampliar o campo de confronto destas forças para dentro da universidade visando a ocupação de espaços e permitindo que militantes de qualquer origem viessem a exercer cargos destinados a gestores de formação específica. A livre circulação de idéias é a razão de ser de uma universidade crítica e plural, como defendemos. Mas não se pode instrumentalizar este princípio com objetivos de poder interno, sob pena de trair o seu verdadeiro sentido.

Ficou demonstrado que um “concurso de popularidade”, para usar a expressão do reitor Jay Oliva, da Universidade de Nova York, é a pior forma de eleger um dirigente universitário. O melhor é fazer todas as escolhas pelo critério da competência e do vínculo permanente com a missão acadêmica. O autor deste artigo, quando reitor da USP e ainda hoje, vem expondo em escritos diversos o conceito de uma universidade generosa, empreendedora, crítica e plural. Nela, tudo depende de todos, mantido o sistema de representatividade que valorize o compromisso histórico com a instituição. Voltada para o aperfeiçoamento de suas políticas internas, culto aos valores humanos e debate dos grandes temas nacionais, a academia terá correspondido ao investimento público e às expectativas da sociedade. Ela deve ser tomada igualmente como um sistema aberto, constituído por milhares de células vivas – alunos, professores, funcionários e dirigentes – agrupados na gestão central, departamentos, núcleos, institutos, faculdades, museus. São estas células que têm assegurado, com êxito, a realização de metas e a preservação do pacto universitário firmado em 1934 e sempre renovado ao longo dos 70 anos da USP.

Professores de notória convicção liberal e até conhecida militância na esquerda democrática, opõem-se ao sistema da eleição direta para reitor. A propósito, relatarei o segundo fato referido no início deste artigo, que também ocorreu durante a minha gestão reitoral. Ocorreu, para ser exato, no dia 14 de setembro do ano 2000 e foi, para mim, uma experiência inesquecível. Naquele dia, atendendo a um convite do DCE, resolvi participar da instalação do Congresso dos Estudantes da USP – evento que anunciava em sua programação duro questionamento às práticas da Reitoria. Já fora informado por telefone que teria cinco minutos para falar, um pouco antes do Professor Antonio Candido – que seria o palestrante da sessão de abertura.

Entrei no Anfiteatro e percebi, em torno, olhares de perplexidade. Havia cerca de 400 alunos na platéia e um grupo de 20 deles, não mais do que isso, começou a gritar “Reitor, ditador!”, tentando puxar uma vaia, sem ressonância. Dirigi-me ao palco e sentei-me junto a um dirigente do Diretório Central de Estudantes (DCE). Este fez um comentário inicial em que explicitou, com ênfase, sua posição favorável a uma eleição direta para reitor e representação partidária de alunos e professores no Conselho Universitário. Em seguida passou-me a palavra e estendi-me, no tempo disponível, sobre as tensas relações daquele momento entre o DCE e a Reitoria. Lembrei que os dirigentes universitários, vistos equivocadamente pela representação estudantil como patrões ou detentores de poderes imperiais, na verdade exercem transitoriamente funções executivas. E subordinam-se, todos, à soberana decisão de colegiados em vários níveis, eleitos pela comunidade acadêmica. Concluí exortando todos a um diálogo sereno, mesmo a partir de idéias eventualmente opostas. Um diálogo em que prevalecesse a noção de que a amizade sempredeve sobreviver aos desacordos.

Concluído o meu discurso, falou o Professor Antonio Candido. Ele prestou riquíssimo depoimento sobre a sua trajetória na Universidade de São Paulo, desde os tempos de estudante. E aí aconteceu o fato de maior impacto naquela tarde, que agora resgato para o contexto deste artigo. Antonio Candido, surpreendendo os diretores do DCE, declarou-se contrário à eleição direta para reitor e à paridade no Conselho Universitário. E acrescentou que, embora discordando francamente de algumas posições do diretor do DCE, jamais o vaiaria por assumir estas posições. Foi delirantemente aplaudido por toda a platéia.

Os grupos que contestam o critério vigente nas eleições da USP escudam-se, em defesa de suas posições, na evolução política do País. A memorável campanha cívica em prol de eleições diretas para a Presidência da República, em 1984, é por eles indevidamente apropriada, como se coubesse relação entre um fato e outro. Não cabe. O voto direto para eleições gerais na sociedade fundamenta-se no princípio de que todos os brasileiros são aptos a escolher o seu presidente, tendo em vista que o poder, na organização democrática, emana do povo – este, fora de dúvidas, um ente social permanente.

Na universidade, porém, o referencial permanente é o seu corpo de professores, porque tem ele, na missão acadêmica, um projeto de vida inteira. Os estudantes freqüentam o campus temporariamente, durante seus cursos, e os dedicados funcionários nele permanecem enquanto não surgirem, no mercado de trabalho, melhores oportunidades.

Claro está que não pode haver paridade na votação e que o corpo docente deve ter um peso maior na definição dos destinos da academia. Estas razões, alinhadas às demais invocadas nas linhas anteriores, em especial a de notória competência dos candidatos, devem nortear a escolha de um reitor. Vincular o funcionamento da instituição aos interesses do sindicalismo interno e posições corporativas ou partidárias é o mais grave erro que se pode cometer numa escolha reitoral.

A pregação do voto direto na sucessão de um dirigente acadêmico não teve, e jamais terá, o caráter representativo que sempre alcançou nas decisões da sociedade civil. Espera-se, em nome da racionalidade e das melhores experiências, que este discurso equivocado, cada vez mais frágil, em breve seja definitivamente esquecido.

Jacques Marcovitch é ex-reitor da USP e professor  titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). O presente artigo foi escrito como texto-base para conferência realizada em 8 de março de 2005 no Instituto de Estudos Avançados (IEA) e publicado pela Edusp no livro  Ensino Superior – Conceito e Dinâmica, organizado por João Evangelista Steiner e Gerhard Malnic.
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Quem tem medo de diretas para reitor?

por Francisco Miraglia

Qualquer reflexão ponderada sobre o atual processo de escolha, cujas regras foram definidas pelo Estatuto de 1988, rapidamente indicará sua falta de legitimidade. É fundamental que alunos, professores e funcionários organizem ampla campanha em prol de eleições diretas na USP

Em 2001, comemoramos vinte anos da realização da primeira eleição para reitor na história da USP. Fruto da organização do Primeiro Encontro da Comunidade Universitária, organizado em 1981 por Adusp, Associação de Servidores da USP-Asusp (na época a sindicalização de servidores públicos era proibida) e DCE, o professor Dalmo de Abreu Dallari assumiu o programa mínimo aprovado no Encontro, sendo candidato a eleições em que poderiam votar todos os alunos, professores e funcionários. Na carta-programa assinada por Dalmo Dallari podemos ler: “Pela primeira vez na história da USP foi dado um passo concreto no sentido da integração da comunidade universitária. Professores, alunos e funcionários, reunidos no Primeiro Encontro da Comunidade Universitária, decidiram reivindicar o direito de manifestar sua opinião quanto à organização e ao funcionamento da USP, para que se atualizem os métodos de trabalho e os objetivos da Universidade, de acordo com as necessidades e aspirações da sociedade brasileira.”

Tabela 1- Eleição direta organizada em 1985

Refletindo a pauta mínima aprovada pelo Primeiro Encontro, eram pontos fundamentais deste programa a democratização e descentralização da estrutura de poder na USP, a valorização do RDIDP, a luta pela autonomia e a inserção da Universidade “na vanguarda do processo de democratização e de correção das injustiças da sociedade brasileira”. Embora recebendo 18.000 votos entre alunos, professores e funcionários, Dallari não teve seu nome indicado pelo Conselho Universitário da USP (Co), formado por cerca de uma centena de pessoas — como hoje — para a lista tríplice a ser enviada ao governador.

Em 1985, tivemos outra experiência de eleição direta. Dessa vez vários candidatos vieram para o debate público, submetendo-se à votação do corpo da universidade. Compareceram às urnas 3.402 professores, 8.871 funcionários e 10.423 alunos, num total de 22.696 votantes! A lista dos candidatos, e a sua votação bruta e paritária, aparecem na tabela 1. É importante registrar que, no caso dos docentes, votavase em até três nomes, contrariando decisão tanto do I Encontro, quanto do II Congresso da USP, realizado em 1984.

Embora possa parecer inacreditável para quem não é da USP, os nomes de Guilherme Rodrigues da Silva e Dalmo Dallari não constavam da lista tríplice indicada pelo Co. Aparecia apenas o nome de José Goldemberg, o candidato do então governador Montoro para a Reitoria da USP. Após toda esta experiência, que acompanhava a luta pela recuperação de direitos básicos de cidadania e a defesa dos serviços públicos (que continuam até hoje), a universidade viveu a expectativa de mudança de Estatuto, de forma a afastá-la do legado autocrático e tecnocrático da ditadura militar. Em 1987, Adusp, Sintusp e DCE organizam o III Congresso da USP, que aprova diretrizes, eixos e propostas para reorganizar a USP. Registrese que movimento semelhante está ocorrendo em todo o Brasil, onde professores, alunos e funcionários reúnem-se para lutar pela democratização da universidade, tanto pública quanto privada.

A perspectiva da comunidade era a convocação de uma Estatuinte democrática, com a finalidade específica de discutir e aprovar os Estatutos da USP. Não era concebível que o Co, cuja constituição era obra da ditadura militar, fosse encarregado desta tarefa. Para obter este avanço político seria necessária grande mobilização da comunidade universitária — ledo engano supor que só argumentos e legitimidade podem mover o poder institucional na USP —, que não foi possível naquele momento. Insistimos que pelo menos o voto no Co fosse aberto e nominal. Nem isso foi aprovado. O Estatuto da USP votado em 1988 reflete a manobra das oligarquias que controlavam o poder na USP, aliadas aos interesses de uma tecnocracia emergente, para manter autocrático o exercício do poder na USP.

Todas as propostas aprovadas no III Congresso foram levadas ao Co que deliberava sobre o “novo” Estatuto. Só duas foram aprovadas: unificação das funções de adjunto e livre docente no posto de professor associado, e o Conselho Social, que nunca foi implantado. O resultado prático da “reforma” de 1988 foi alguma mudança de forma, que possibilitou o aumento da concentração de poder. O Co permanece constituído por uma maioria esmagadora de professores titulares, e os diretores de unidade continuam a ser indicados pelo reitor, a partir de lista tríplice feita pelas congregações das Unidades.

A capacidade decisória de Departamentos sobre questões acadêmicas foi diminuída e foram criados organismos centrais de arbítrio, como a CERT , cujos membros são da escolha exclusiva do reitor. Paulatinamente, instalaram-se o regime de terror e a administração industrial do trabalho acadêmico. A docência foi desprestigiada, o RDIDP desfigurado, e a privatização do bem público, seja através das fundações, seja através de outros meios, foi incentivada.

As regras para indicação de reitor aprovadas em 1988, vigentes até hoje, são um exemplo disto. Reúne-se um colégio eleitoral, de cerca de 1.400 pessoas, constituído por Congregações e Conselhos Centrais, com maioria absoluta de professores, que elege uma lista composta de oito professores titulares. Esta lista é encaminhada à reunião do Co com os Conselhos Centrais — totalizando cerca de 280 pessoas, que faziam parte do Colégio anterior — que escolhe três dentre os oito indicados. Esta lista tríplice por sua vez é enviada ao governador do Estado.

Qualquer reflexão ponderada sobre este processo rapidamente indicará sua falta de legitimidade. Um processo, aliás, bem distinto do que ocorre na maioria das universidades brasileiras, inclusive na Unicamp e, especialmente, na Unesp. Entre 1985 e 1993, dada a impossibilidade de ampla movimentação de professores, alunos e funcionários que garantisse eleições diretas, a providência da Adusp na época de indicação de reitor foi promover o mais amplo debate sobre as propostas daqueles que pareciam ser candidatos a reitor. É necessário dizer “pareciam”, uma vez que o modo palaciano que caracteriza a escolha de reitor na USP não inclui inscrições oficiais. Era a tentativa da Adusp de evitar, mesmo que com eficiência limitada, que a indicação para reitor fosse decidida apenas por conchavos e negociações de gabinete.

Em 1997, após vários debates promovidos entre aqueles que declaravam-se candidatos à Reitoria, a Adusp organizou uma consulta entre os docentes, na qual além de perguntar o nome preferido para reitor, inquiria-se sobre se deveria ou não ser mantida a forma de indicação do reitor. Dentre os 1.289 docentes que votaram, 67% manifestaram-se pela mudança na forma de indicação de reitor. Quanto ao nome preferido para reitor, a tabela 2 indica a votação nesta consulta.

Tabela 2- Consulta organizada pela Adusp em 1997

Dentro do Colégio Eleitoral, a professora Myriam Krasilchik ficou em primeiro lugar, o professor Erney Plesmann de Camargo em segundo e o atual reitor em terceiro. Na lista indicada pelo colégio restrito (Co mais Conselhos Centrais) constavam os nomes da professora Myriam Krasilshik e do professor Jacques Marcovitch, mas não o do professor Erney Plessmann de Camargo.

Os debates promovidos entre os candidatos e a consulta realizados em 1997 criaram uma atmosfera de discussão política sobre os rumos da universidade. No entanto, seu alcance foi limitado. Os avanços que obtivemos nos últimos quatro anos, em relação à questão dos contratos precários, aos abusos da CERT e aos salários, entre outros, devem-se à renhida luta organizada, que no caso dos salários exigiu o recurso à greve. É fundamental, portanto, que alunos, professores e funcionários, seguindo deliberações reiteradas desde o Primeiro Encontro em 1981 até o IV Congresso, em abril de 2001, organizem ampla campanha em prol de eleições diretas para reitor.

Sabemos todos que a democratização da universidade não se resume a eleições de dirigentes, mas exige o esforço contínuo para transformar as relações entre os componentes da universidade e desta com a sociedade. Ainda assim, é passo importante para que a USP se torne instrumento de um desenvolvimento social e econômico pautado pela equanimidade e a justiça.

Francisco Miraglia é professor do Instituto de Matemática (IME) da USP e também atuou como vice-presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) entre 1987 e 1989. O presente artigo foi publicado originalmente no número 23 da Revista Adusp, em setembro de 2001, e está disponível em http://www.adusp.org.br/revista/23/Default.htm.
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Sucessão com eleições diretas, quando?

por Vinícius Rodrigues Vieira

Eleições paritárias e consultas à comunidade são métodos adotados por outras universidades estaduais e também por universidades federais para definir seus dirigentes. Na USP, o processo de escolha do Reitor é o mais restrito e antidemocrático do Brasil. O  universo de candidatos restringe-se aos professores titulares. O colégio eleitoral, que no primeiro turno congrega apenas 1677 membros, cai para 290 no segundo turno (respectivamente 1,7% e 0,3% da comunidade de 95 mil pessoas) e a decisão final cabe ao Governador.

O processo  de  escolha da pessoa que  virá a ocupar,  no  período 2006-2009,  o  principal  cargo  da USP, o  de Reitor,  volta  a colocar  em  evidência  a questão da democracia. Comparada  às demais universidades  públicas  brasileiras, a USP  é  a mais  autoritária no que se  refere ao processo de escolha de Reitor. Na  sucessão do  reitor Adolpho José Melfi, prevista para ocorrer em dois turnos, nos dias 25 de outubro e 8 de novembro de 2005, mais uma  vez  entrariam  em  ação dispositivos  restritivos, que dão absoluto controle  do  processo  ao  grupo  de burocratas que gere a universidade.

Levantamento  do  Informativo Adusp  aponta  que  outras  instituições públicas  realizam, no mínimo, consultas às  respectivas  comunidades, cujos resultados são levados em conta pelos colegiados responsáveis pela  elaboração  de  listas  a  partir das  quais  os  dirigentes  são  escolhidos. Em alguns  casos, a  vontadeexpressa  pelas  urnas  é  soberana, ainda  que  formalmente  a  legislação determine  a homologação dos resultados  por  algum  colegiado  e a  nomeação  por  uma  autoridade externa  à universidade  (Governador ou Ministro da Educação).

A promulgação, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),  provocou  retrocessos  em várias  instituições,  principalmente no  que  se  refere  à  paridade,  pois antes  da LDB  algumas  delas  contabilizavam  os  votos  das  consultas de modo que docentes, estudantes e  funcionários  tivessem  o  mesmo peso no resultado fnal. Além  de  não  prever  a  eleição direta de reitores, a LDB restringe a democracia ao determinar que, “em qualquer  caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em  cada órgão  colegiado  e  comissão,  inclusive nos que  tratarem da elaboração  e  modifcações  estatutárias e regimentais, bem como da escolha  de  dirigentes”  (artigo  56, parágrafo único). Com isso, a participação de funcionários e estudantes é reduzida a no máximo 30% do colégio eleitoral.

Nos seus colegiados, a USP ultrapassa  o  já  elevado  percentual  de 70% de docentes defnido na LDB, situando-se portanto numa  situação de  ilegalidade que agrava a  falta de democracia  no  processo  eleitoral. No Conselho Universitário (Co), os docentes perfazem 80,6% dos membros. Quando  analisada  a  composição do colégio eleitoral que vota no 1º  turno do processo de escolha do Reitor, os docentes chegam a representar  88%  do  total  de eleitores, índice que cai para 85% no 2º turno (vide Quadro 1).

Quadro 1 - Eleições para Reitor em 2005 - Colégio eleitoral

Porém, falar-se em “docentes” é quase uma impropriedade neste caso,  pela  simples  razão  de  que nos  colegiados  da USP  a  grande maioria  dos  membros  é  constituida  por  professores  titulares  — uma  subcategoria  formada  pelos que  chegam  ao  topo  da  carreira docente, que controla os principais postos da administração universitária e detém com exclusividade a prerrogativa  de  candidatar-se  ao cargo  de  Reitor.  Exemplo:  87% dos membros docentes do Co são professores titulares (ver p. 17) Além  de  expressar  a  vontade de  uma  minoria,  o  processo  de escolha do Reitor na USP é antidemocrático  nas  duas  pontas: na  inicial,  o  universo  dos  que têm  direito  de  candidatar-se  ao cargo,  reservado  exclusivamente aos  professores  titulares;  e  na final,  porque  cabe  ao  Governador a última palavra, escolhendo numa lista tríplice o nome do seu agrado. De  acordo  com  o  artigo  36  do Estatuto  da USP,  a  elaboração  da lista tríplice de candidatos a Reitor a ser encaminhada ao Governador do  Estado  ocorre  em  dois  turnos com voto secreto.

Quadro 2a - Escolha de Reitor - Comparativo entre Universidades Públicas Brasileiras - Estaduais Paulistas

No 1° turno, são “eleitos oito nomes pelos membros da Assembléia Universitária, composta pelo Conselho Universitário, pelos Conselhos Centrais [Cultura e Extensão Universitária; Graduação; Pós-Graduação; Pesquisa] e pelas Congregações das Unidades” (inciso II). No atual processo sucessório, este colégio eleitoral congrega 1677 pessoas, algo em torno de 1,7% do conjunto da comunidade universitária, que somava, em 2004, mais de 95 mil pessoas.

No 2° turno, há uma redução do colégio eleitoral, provavelmente sui generis no país: três nomes são escolhidos dentre os oito professores titulares apontados em primeiro turno, “sendo eleitores os membros do Conselho Universitário e dos Conselhos Centrais” (inciso III, grifo nosso). Portanto, as congregações são excluídas. Assim, no segundo turno o colégio eleitoral é reduzido a 290 pessoas (0,3% da comunidade da USP), dentre as quais os professores titulares são ampla maioria, 85%. Neste colégio eleitoral hiper-restrito, a representação dos funcionários sofre novo enxugamento, baixando para somente 1%!

Os nomes que compõem a lista tríplice precisam de maioria absoluta de votos (artigo 36, inciso IV). “Se em dois escrutínios a maioria absoluta não for atingida far-se-á uma terceira votação, incluindo-se na lista os nomes que receberem maior número de sufrágios” (inciso V). Tanto no 1° como no 2° turno, cada eleitor tem direito a apenas um voto, “devendo seu voto em cada um dos turnos conter no máximo três nomes” (parágrafo único, inciso VII). Explica-se essa regra: na burocracia da USP, certos professores titulares ocupam mais de uma vaga em colegiados. Definida finalmente pelo exíguo colégio eleitoral do 2° turno, a lista tríplice segue para a decisão do Governador. Também no processo de escolha de Vice-Reitor, elabora-se uma lista tríplice que é enviada ao Governador, a quem cabe a decisão final, e apenas professores titulares são elegíveis. A escolha, contudo, é realizada em único turno, dela participando somente os membros do Conselho Universitário e dos Conselhos Centrais. Nos Quadros 2a, 2b e 2c o leitor encontrará um resumo do processo de escolha de Reitor em nove universidades públicas brasileiras.

Quadro 2b- Escolha de Reitor - Comparativo entre Universidades Públicas Brasileiras - Outras Estaduais

Os processos mais democráticos e abertos às respectivas comunidades são encontrados em universidades federais e universidades estaduais de outros Estados. Mas mesmo na Unesp e Unicamp, que integram o sistema de universidades estaduais paulistas, há um maior grau de participação democrática, embora permaneçam severas restrições que precisariam ser removidas. Na Unicamp, o Conselho Universitário (Consu), composto por 71 pessoas, sendo 50 docentes (70%), constitui uma comissão eleitoral com alguns de seus integrantes. Esta é responsável pela organização de uma consulta à comunidade, definida pelo estatuto da instituição, na qual os docentes possuem 60% do peso dos votos. Funcionários e alunos têm peso de 20% cada. Os três nomes mais votados na consulta são encaminhados ao Consu, que não tem obrigação de mantê-los na ordem escolhida pela comunidade, podendo substituí-los e eleger outros candidatos, inclusive docentes que não tenham participado da consulta, para compor a lista tríplice que é enviada ao Governador. “Se a gente comparar com outras universidades, há uma participação muito maior [da comunidade]”, constata a professora Maria Aparecida Moysés, presidente da Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp) entre 2003 e 2005 e ex-docente da USP. Devido ao peso desproporcional dos docentes nos colegiados e na consulta à comunidade no processo de escolha do Reitor, persiste na Unicamp o debate sobre a paridade.

Para Potiguara Mateus, coordenador do DCEUnicamp, a ausência da paridade “desestimula a participação da comunidade” nas eleições para reitor. Assim como o DCE-Unicamp, o Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU) é favorável à paridade. Já a professora Maria Aparecida lembra que “não é uma discussão tranqüila” entre os docentes, e cita um plebiscito realizado pela Adunicamp na década passada entre associados, no qual a idéia da paridade foi derrotada.

No que se refere às normas de elegibilidade, a Unicamp sofreu um retrocesso no final dos anos 1980, quando se proibiu a candidatura de professores associados e professores doutores ao cargo de Reitor. Esse bloqueio também ocorre na Unesp. O presidente da Associação dos Docentes da Unesp (Adunesp), professor Milton Vieira do Prado Júnior, informa que a entidade defende que, no mínimo, possam se candidatar a Reitor os professores doutores. Posição idêntica é sustentada pela Associação dos Docentes da USP (Adusp).

Tal ampliação certamente democratizaria o universo de elegíveis, que passaria a incluir, além dos professores doutores, os associados (na Unesp, livres-docentes). Na USP, em vez dos 833 possíveis candidatos da atualidade — os professores titulares — passar-se-ia a 4.841, assim contemplando-se 95% dos 5.078 professores (tamanho do corpo docente em 2004). Porém, permaneceriam sem direito de candidatar-se os professores assistentes e os auxiliares. Sem falar nos funcionários técnico-administrativos, igualmente excluídos. Na Unesp, os votos dos professores possuem 70% do peso, enquanto alunos e funcionários têm 15% cada na consulta à comunidade. São proporções que obedecem à determinação draconiana da LDB. Antes de esta entrar em vigor, em 1997, havia paridade entre as três categorias. A regra foi alterada durante a gestão do reitor Antônio Manuel (1997-2001), sob o argumento de adequar a universidade à nova lei. “Houve um retrocesso”, protesta o professor Hélio Borghi, diretor da Faculdade de História, Direito e Serviço Social de Franca, e presidente da comissão eleitoral de 2004.

Quadro 2c- Escolha de Reitor - Comparativo entre Universidades Públicas Brasileiras - Federais

Os órgãos colegiados da Unesp também passaram a ser compostos conforme a prescrição da LDB. Além disso, o colégio eleitoral que elabora a lista tríplice, muito restrito, somente inclui os membros do Conselho Universitário, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão Universitária (Cepe) e do Conselho de Administração e Desenvolvimento (Cade), num total de, no máximo, 109 pessoas.

Depende exclusivamente de mudanças nos estatutos da USP, Unesp e Unicamp, sem necessidade de interferências externas aos campi, a realização de eleições diretas para Reitor. A Constituição Estadual, no artigo 254, estabelece que “a autonomia da universidade será exercida, respeitando, nos termos do seu estatuto, a necessária democratização do ensino e a responsabilidade pública da instituição”, observando, entre outros princípios, conforme enunciado no parágrafo 2º, a “representação e participação de todos os segmentos da comunidade interna nos órgãos decisórios e na escolha dos dirigentes, na forma de seus estatutos”.

No Rio de Janeiro, a Constituição do Estado, promulgada em 1989, estabelece explicitamente a realização de eleições para Reitor nas universidades estaduais: “a escolha dos reitores das universidades públicas estaduais será efetuada por meio de eleição direta e secreta, com a participação da comunidade universitária, de acordo com seus estatutos” (artigo 310). As eleições para Reitor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) vêm ocorrendo de maneira paritária desde o primeiro pleito sob a nova Constituição, realizado em 1990. “Conquistamos uma coisa que nos orgulha”, declara o professor Antonio Coscarelli, diretor da Associação de Docentes da Uerj (Asduerj), enfatizando o caráter democrático do processo.

No último pleito, em 2003, os candidatos a Reitor e a Vice-Reitor compuseram chapas, sendo a votação para o primeiro cargo vinculada à do segundo. Para organizar o processo, foi constituída uma comissão eleitoral composta por cinco membros oriundos de colegiados, além de um representante de cada uma das entidades de representação da comunidade universitária. Qualquer docente podia candidatar-se a Reitor, desde que fosse efetivo na Uerj há cinco anos.

Na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), todavia, houve tentativas de impor discriminação. O professor Hernan Maldonado, presidente da Associação dos Docentes da Uenf (Aduenf), afirma que havia correntes na universidade que defendiam a limitação da elegibilidade aos professores titulares. No final, o direito foi estendido aos professores associados. Em atividade há apenas 12 anos, a Uenf realiza eleições para Reitor conforme as determinações da LDB. Como não se trata de um colegiado restrito, mas de toda a comunidade, para fazer cumprir a lei a Uenf aplica o peso de 70% ao voto dos professores, enquanto alunos e funcionários têm 15% cada. Para o professor Maldonado, é “complicado dar peso igual a todos”: na medida em que o número de estudantes e servidores é muito superior ao de docentes, abrir-se-ia a possibilidade de se eleger um candidato “com carisma”, mas “sem experiência administrativa”.

Na Universidade Estadual de Maringá (UEM), tal como na Unesp, houve um retrocesso sob pretexto de adaptar a instituição às determinações da LDB. Em 2004, por decisão do Conselho Universitário (COU), a paridade foi suprimida da consulta à comunidade no processo de escolha do Reitor, rompendo um processo que havia se iniciado no pleito de 1986 e já estava garantido em estatuto, fruto de uma luta da comunidade universitária. A votação ocorre em chapas compostas por um candidato a Reitor e outro a Vice-Reitor, e normalmente é referendada pelo COU e pelo Governador.

Na próxima eleição, prevista para 2006, será usado um sistema de pesos idêntico ao empregado na Uenf. A mudança provocou críticas na comunidade universitária. Segundo o professor José Adalberto Dantas, secretário da Associação dos Docentes da UEM (Aduem), as entidades de representação de alunos, funcionários e docentes vêm debatendo caminhos para reverter a medida. Apesar das restrições impostas pela LDB, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) ainda mantém na consulta à comunidade o sistema paritário. O resultado da consulta é submetido a um colégio eleitoral que, este sim, segue a LDB: composto pelo Conselho Universitário, Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão e representantes da comunidade, possui 70% de professores. “Desde que o implementamos, o colégio eleitoral tem respeitado o nome que a comunidade indica”, afirma a professora Nancy de Almeida, chefe de Gabinete da Reitoria da UFSCar. Aliás, “para não correr o risco”, esclarece ela, o colégio tem colocado nas listas tríplices de Reitor e Vice-Reitor enviadas ao MEC apenas os nomes de integrantes da chapa vencedora na consulta à comunidade. As chapas são compostas sempre por sete pessoas: um candidato a Reitor, um a Vice-Reitor e cinco a Pró-Reitores. Assim, fica garantida a escolha, pelo MEC, de uma pessoa que represente o grupo da preferência da comunidade universitária.

Ao contrário do que ocorre nas estaduais paulistas, as universidades federais permitem que professores doutores sejam candidatos a Reitor. Tal como ocorre na UFSCar, o colégio eleitoral da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) também respeita as proporções determinadas pela lei, mas reúne-se apenas depois da consulta paritária à comunidade, organizada pelas entidades de representação de professores, funcionários e alunos. Embora reconheça que o fato de o colégio eleitoral acatar o resultado da consulta paritária é um avanço democrático, o professor da UFSC Paulo Rizzo, 1º vice-presidente do Andes-SN, afirma: “O que a lei determina não é democrático”. Rizzo defende que o processo de escolha deveria “encerrar-se na universidade, na consulta à comunidade”, pois o atual sistema impede a plena autonomia das universidades federais, dando margem à indicação de reitores que não obtêm a maioria dos votos em sua instituição. O reitor da UFSC, professor Lúcio Botelho, concorda que as listas tríplices devem desaparecer, pois o processo eleitoral, na sua opinião, precisa esgotar-se no âmbito da instituição. “O processo de autonomia não ficará completo sem isso”, sentencia.

A reforma universitária proposta pelo governo Lula traz novidades positivas em relação à escolha de reitores. A terceira versão do anteprojeto de lei, dada a conhecer pelo MEC em junho de 2005, estabelece, no artigo 47 (Capítulo III, Seção I – Da Universidade Federal), que “o estatuto de universidade federal deve estabelecer a forma de escolha do Reitor e do Vice-Reitor, com ele registrado, mediante eleição direta pela comunidade”. Quanto aos critérios de elegibilidade, há uma limitação na reforma: os candidatos a Reitor e Vice-Reitor precisarão, obrigatoriamente, ter “pelo menos dez anos de docência no ensino superior público” (artigo 47, parágrafo 1º). A recondução aos cargos, atualmente permitida uma única vez, fica vedada, mas haverá ampliação dos mandatos de Reitor e Vice- Reitor de quatro para cinco anos.

Em 2005, na escolha para Reitor, o Conselho Universitário (Consun) da Universidade Federal do Pará (UFPa) decidiu não enviar ao MEC uma lista tríplice de postulantes aos cargos de Reitor e Vice-Reitor. Além disso, “no regimento eleitoral, o próprio Consun já se comprometia a acatar o resultado da comunidade”, conta a professora Marlene Freitas, à época vice-reitora da UFPa e a quem coube presidir os trabalhos do Consun durante o processo eleitoral, já que o presidente do colegiado, o reitor Alex Fiúza de Mello, foi candidato à reeleição. A comunidade manifestou-se em consulta paritária, coordenada por uma comissão eleitoral de nove membros, com três representantes de cada categoria. O professor Mello obteve a maioria dos votos (em valores absolutos e também no resultado ponderado) e foi eleito para mais quatro anos. Desde 1985 a UFPa realiza consultas à comunidade para escolher Reitor e Vice-Reitor. “Já faz parte de nossa tradição”, orgulha-se a professora Jane Beltrão, presidente da comissão eleitoral de 2005. Para ela, o envio, ao MEC, de apenas um nome para cada um dos cargos em disputa tratou-se de um ato de “desobediência civil”, pois contrariou aquilo que é determinado pela legislação em vigor. A professora classifica como “muito hierarquizado” o sistema de composição de colegiados prescrito pela LDB. “Não tenho medo de eleições paritárias”, diz.

Fórmula da paridade na UFPA – eleições 2005

Persiste, porém, o debate sobre a existência de pesos para diferenciar ou equiparar votos entre categorias. “Não pode haver diferenciação”, sustenta a presidente da Associação dos Docentes da UFPa (Adufpa), professora Vera Jacob, em nome da entidade, cuja posição tomada em assembléia é pelo voto universal — ou seja, sem qualquer sistema de pesos. A Adufpa chegou a propor o sistema ao Consun em 2005, quando da discussão do regimento eleitoral, mas o voto universal foi preterido em favor do sistema paritário. A presidente da Adufpa argumenta que, em eleições para cargos públicos, não há diferenciação do peso dos votos de acordo com a categoria profissional a que pertence cada eleitor. Em 1993, relata, o sistema foi usado na UFPa. Ela qualifica a experiência como “fantástica”, tendo sido, a seu ver, as eleições mais democráticas da história da universidade. Outra discordância da Adufpa reside na fórmula adotada para o cálculo da paridade, que considera o universo total de eleitores potenciais em cada categoria em vez dos votantes (vide quadro). A conseqüência disso é que o candidato que obtém mais votos na categoria que mais compareceu às urnas acaba tendo sua pontuação elevada.

A professora Vera conta que houve uma “polêmica muito grande” na universidade quanto à regra adotada. A Adufpa defendia que apenas os votantes fossem considerados no cálculo da paridade. A docente ainda acusa o Consun de ter estabelecido a regra para beneficiar o professor Mello, que teria direcionado sua campanha aos estudantes, a categoria mais numerosa da universidade, com cerca de 38 mil integrantes, incluindo alunos de outros cursos além dos regulares. De fato, dos 10.745 estudantes que votaram 5.252 escolheram o Reitor, que obteve um total de 7.259 votos, contra 4.572 da segunda colocada, a professora Olgaíses Maués, apoiada pela Adufpa. Após a ponderação, o professor Melo obteve 34,32 pontos, enquanto a professora Maués somou 11,26 pontos. O terceiro colocado, professor Ricardo Ishak, obteve apenas 2.044 votos, atingindo, porém, 10,19 pontos, bem próximo da segunda
colocada. Votaram 14.100 pessoas, ou, em percentual redondo, 33% dos 42.422 eleitores potenciais.

Vinícius Rodrigues Vieira é formado em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e ex-membro da Revista Adusp. Atualmente é instrutor de graduação na Universidade da Califórnia, Estados Unidos. O presente artigo foi publicado originalmente no número 35 da Revista Adusp, em outubro de 2005 e pode ser acessado em www.adusp.org.br/revista/35/Default.htm.
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