Debate: o muro que separa a USP da marginal deve ser derrubado?

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SIM – Um muro e duas cidades: uma discussão – por Silvio Barros Sawaya
NÃO – A derruição pretendida do muro da USP – por Aziz Ab’Saber


SIM – Um muro e duas cidades: uma discussão

por Silvio Barros Sawaya

Uma parede de quilômetros separando a vista da várzea e das colinas da cidade universitária do rio/canal do Pinheiros. Um muro retrógrado, quase tanto quanto aquele que dividiu Berlim, uma construção contra a qual eu sempre me manifestei.

A distância entre a Raia Olímpica para remo e a Marginal estreitou-se pelo acréscimo de mais vias e mais pistas nesta. Mas um talude verde que proteja os competidores do ruído e uma cerca transparente pode ser o caminho para transformar tudo em um meio mais agradável.

O talude é uma espécie de morro de terra inclinado tanto para o lado da marginal quanto para o da Raia Olímpica. Sua altura seria mediana, de forma a não cortar a agradável vista da cidade universitária. A barreira seria coberta de pedras e vegetação, determinadas por um projeto paisagístico tal qual o do parque Villa Lobos.

Há ainda uma cerca próxima ao muro, que já serve para impedir a entrada de pessoas não autorizadas. Assim, a segurança dos praticantes de remo na Raia Olímpica e dos motoristas que cruzam a Marginal Pinheiros não seria comprometida.

O entulho produzido pela derrubada do muro não seria um problema ambiental, visto que este é fabricado por concreto pré-moldado, que pode ser reaproveitado pela prefeitura para erigir casas populares.

A cidade universitária Armando de Alves Oliveira está dentro da metrópolis de São Paulo e não pode constituir-se em um gueto. Mesmo que as pessoas usem o espaço como lazer e usufruam de seu transporte, há uma separação entre o campus, que funciona como um Estado fechado, e o resto da cidade. O muro é o exemplo mais flagrante dessa segregação geográfica.

O cotidiano da Universidade de São Paulo envolve muito mais do que se imagina. A USP tem diversos projetos voltados para sociedade. Redes de postos de saúde e pesquisas tecnológicas, por exemplo. É preciso deixar claro que isso pode ser acessível a todos.

A substituição do muro da marginal poderá dar início a uma ação continuada para que as duas cidades se tornem uma só. É um sinal sensível e um indicador de que a Universidade não é uma ilha.

A cidade universitária não pode se fechar mais.

O verde e a vista ampliada serão um alívio para quem passa pela marginal e, às vezes, ali fica longamente nos congestionamentos. Será possível ver a face da USP, a beleza do espaço e a cordialidade das pessoas que se dedicam ao conhecimento. Mais do que isso, os cidadãos poderão ver o que eles próprios mantém.

Devolver a vista da várzea e da cidade universitária é um início que fala da abertura da universidade para a sociedade.

Silvio Barros Sawaya é diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).
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NÃO – A derruição pretendida do muro da USP

por Aziz Ab’Saber

Foi anunciado que o muro que separa o Campus da USP da Marginal do rio Pinheiros deve ser derrubado e substituído por uma cerca de ferro. O projeto simplista e radical deixava entrever que se pretendia ampliar a visão da Raia Olímpica para os motoristas e passageiros que trafegassem de carro pelo trecho da Marginal Pinheiros.

Os que engenharam a derruição do muro não preveem os impactos que o projeto possa ter na importante instituição que é a USP. Mais do que isso, não houve grande preocupação com a segurança da Reitoria, das faculdades, do Hospital Universitário e dos laboratórios de pesquisa. Para não falar nas instalações do IPT e do Instituto de Energia Atômica. Tudo ficaria mais vulnerável.

Qualquer um que conhece outros campi de universidades residentes em váriados países e cidades do mundo tem noção do rígido sistema prévio de segurança ali existentes. Sendo, porém, que apesar da altíssima qualidade tecnológica, científica e cultural de muitos deles, pouquíssimos têm a diversidade e a beleza do Campus da USP Butantã. Por outro lado, é bem conhecida a realidade social dos bairros do entorno do Campus; alguns dos quais vêm apresentando problemas sérios em diversas partes, inclusive em componentes da Universidade.

Poucos conhecem a história do campus da USP. Na paisagem primária da região existia um verdadeiro pantanal. Razão pela qual os primeiros edifícios da Universidade foram implantados nas vertentes de colinas adjacentes (prédios da biociência). E foi por etapas bizarras e sucessivas como essa que se engedrou um dos campus universitários mais bonitos do mundo. Logo, há uma razão e um significado para construção de cada edifício, cada parte da Universidade.

Tudo isso mostra que, ao invés de derruir o muro inteiro que separa o corpo do Campus, deveria ser feita uma melhoria bem planejada ao longo da sólida amurada paralela com a marginal Pinheiros. Essa remodulação deve ser exclusivamente ornamental para criar um visual mais apreciável para os que rapidamente transitam pela marginal. Entre muitas obras a serem propostas pela FAU-USP, pensamos em um cenário de espaços preservados do muro com aberturas retangulares para serem cercados de ferro, a serem implantados acima de muretas basais contínuas da ordem de 90 centimetros de altura. A medida manteria uma parte boa do muro, evitaria metade do trabalho e não criaria tanta quantidade de entulho.

Porém, na condição de que os gastos com qualquer projeto a ser aprovados sejam cobertos pela prefeitura de São Paulo, cabendo a USP, talvez, apenas implantar aléias de palmeiras-imperiais no lado norte da Raia Olímpica. Sugestões a serem (re)pensadas.

Aziz Ab’Saber é cientista, geógrafo e professor honorário do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
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