Debate: As fundações podem oferecer cursos pagos na Universidade?

Índice

Sim – Fundações estimulam extensão universitária
Não – Gratuidade no ensino é obrigação do Estado – por Francisco Miraglia


SIM – Fundações estimulam extensão universitária

O Jornal do Campus contatou seis fundações, 19 professores que fazem parte de suas diretorias e três coordenações de cursos de idiomas na USP para escrever um artigo a favor das fundações e dos cursos pagos na Universidade. Mas não obteve resposta afirmativa até o fechamento desta edição.

No entanto, o professor titular do Departamento de Administração da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) Marcos Cortez Campomar aceitou conversar com a reportagem e expor sua opinião sobre o assunto.

Entre muitos outros cargos de chefia na USP, Campomar foi diretor da FEA de Ribeirão Preto e um dos fundadores da FIA (Fundação Instituto de Administração), que atua na FEA. Para ele, as fundações exercem um grande papel do estímulo à extensão na Universidade. “O tipo de extensão oferecido pelas fundações, como por exemplo os cursos de especialização, deveria ser oferecida por todas as unidades da USP e cobrada”, diz ele.

Campomar acredita que toda a sociedade tem o direito de usufruir os serviços que podem ser pagos e que a USP tem condições de proporcionar, mas as fundações ainda se deparam com muita resistência dentro da Universidade. “Nós, professores, somos criticados e cobrados para fazer e apresentar pesquisas, mas somos crucificados quando queremos fazer a extensão paga”, afirma.

Para ele, todas as unidades da USP deveriam ter a sua própria fundação. “O dinheiro das fundações faz bem à Universidade, pois beneficia os professores, possibilita a compra de materiais, viagens, ajuda alunos por meio de bolsas, entre outros vários benefícios que a própria USP às vezes não pode oferecer”, opina Campomar. O professor entende que recursos privados não criam necessariamente dependência entre a Universidade e o investidor.

Entretanto, acredita que é necessário que haja um controle eficiente do uso desses investimentos. Se todos os membros da Universidade fossem mais tolerantes com as fundações, esse controle poderia ser mais efetivo, segundo ele.

A remuneração que os docentes recebem das fundações também é uma questão polêmica. Os contrários aos cursos pagos dizem que essa verba desmotiva a luta por melhores salários na Universidade, mas Campomar discorda. “Não adianta brigar por recursos limitados, que devem também atender outras áreas como segurança e saúde”, entende o professor.

De acordo com ele, muitos docentes permanecem na USP porque podem contar com esses recursos. “Eles publicam mais artigos e livros, adquirem experiência em pesquisa e dão oportunidades aos alunos, por meio de estágios, por exemplo. O professor precisa pesquisar o máximo que puder para dar aulas. Só com os próprios recursos é muito difícil”.

da Redação

retornar ao índice


NÃO – Gratuidade no ensino é obrigação do Estado

por Francisco Miraglia

Sou contrário à realização de cursos pagos certificados pela USP, sejam eles ministrados pela própria USP ou pela delegação da atividadefim do ensino a entidades privadas, tais como as fundações, ditas de apoio. Uma primeira questão é que as fundações ditas de apoio, as entidades privadas que patrocinam os cursos pagos, não possuem delegação específica e própria do poder público para realização de qualquer atividade de ensino. Valem-se da grife da USP para vender esse tipo de serviço, auferindo ganhos que são em geral apropriados pelos que ministram os cursos.

O mais grave, porém, é a violação de regras básicas contidas na Constituição Federal de 88 (CF). O artigo 206 descreve os princípios que regem o Ensino. Destaco dois de seus incisos: o primeiro determina a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; o quarto prescreve a gratuidade do ensino nos estabelecimentos oficiais. Merece também menção o inciso quinto do artigo 208 da CF, que estabelece que o dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de (cf. caput) que o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística será feita segundo a capacidade de cada um; evidentemente, a capacidade mencionada na CF não é a capacidade econômica.

Os cursos pagos violam a igualdade de oportunidade no acesso, que não pode ser remediada pela eventual oferta de 10 ou 20% de bolsas. Está clara a consistência e a defesa do interesse público do texto constitucional, fruto da longa luta social em defesa do Ensino público e gratuito, em particular durante a Constituinte.

Conclui-se que a realização de cursos pagos certificados por uma universidade pública, como a USP, é flagrantemente inconstitucional. A tentativa de interpretar o texto da CF como aplicando-se apenas à graduação e/ou pós-graduação strictu sensu é imprópria, já que a CF, ao não distinguir entre modalidades ou níveis, deve aplicar-se a todos os níveis e modalidades de ensino. Além disso, qual a finalidade de um curso que não o ensino? O Ministério Público Estadual acolheu essas considerações, entrando com uma ação civil pública contra qualquer tipo de cobrança de cursos certificados pela USP, que ainda tramita na Justiça. O acesso à Educação em todos os níveis é um direito social fundamental e, portanto, obrigação do Estado. A gratuidade, acompanhada de políticas efetivas de permanência estudantil, é essencial para possibilitar o desenvolvimento social, cultural e político necessário ao exercício pleno da cidadania por todos os brasileiros.

Francisco Miraglia é professor titular do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP).

retornar ao índice