Debate: a proposta de reforma da carreira docente é pertinente?

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Uma reforma da carreira produtivista sem  sustentação acadêmica – por João Zanetic
A favor da reforma da carreira docente na USP – por Marcos Felipe da Silva de Sá


Uma reforma da carreira produtivista sem  sustentação acadêmica

por João Zanetic

A diretoria da Adusp entende que a carreira docente, de estrutura simples, deve ser pautada pelos princípios da ascensão por titulação e do tempo de serviço, sendo o primeiro representado pelos títulos de graduação, mestrado, doutorado, livre docência e professor titular, obtidos perante bancas públicas, e o segundo representado pelos quinquênios automáticos.

A Adusp, por meio de reuniões de seu Conselho de Representantes e de suas Assembléias, pautou-se por esses princípios e atuou, no interior da universidade e no judiciário, contra a reforma da carreira aprovada pelo Conselho Universitário em 4 de março.

Esse posicionamento foi motivado por vários aspectos:

  1. a votação dessa reforma deu-se de forma irregular (para essa mudança estatutária eram necessários exatamente os 76 votos obtidos, mas o representante dos mestres, que já era doutor, não poderia ter votado!);
  2. não foi apresentada nenhuma argumentação de natureza acadêmica que justificasse o açodamento da aprovação da reforma;
  3. acenava-se com ganhos salariais (com a mesma sobra orçamentária, não utilizada nas negociações salariais, que permitiu o abono denominado prêmio de excelência) por meio da introdução de um nível intermediário para doutores e dois para os associados;
  4. a introdução desses níveis exacerbaria ainda mais a tendência produtivista presente na universidade nos últimos anos;
  5. a introdução desses níveis quebraria a isonomia de pagamento entre os docentes da ativa e os docentes aposentados.

A universidade, por meio de uma carreira de estrutura simples, deve privilegiar a formação de um quadro docente mais jovem, voltando a incorporar pelo menos os mestres, integrando, a partir de critérios acadêmicos bem definidos, as atividades de ensino, pesquisa e extensão, promovendo, assim, uma verdadeira autonomia universitária, que privilegie a plena liberdade na produção do saber aliada a um ensino de qualidade.

Qualquer novo projeto de carreira docente, no entender da diretoria da Adusp, deve ser pensado como parte de um amplo processo de reforma da estrutura universitária, o qual deve ocorrer por meio de uma estatuinte livre, democrática, soberana, constituída com ampla participação de docentes, estudantes e funcionários, que se reuniria exclusivamente para essa importante tarefa.

João Zanetic é professor do Instituto de Física (IF) da  USP e presidente da Associação dos Docentes da USP.
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A favor da reforma da carreira docente na USP

por Marcos Felipe Silva de Sá

O projeto de reforma da carreira docente fez parte de um grupo restrito de itens do atual estatuto que demandaram vários pedidos e sugestões de modificações por parte de docentes, colegiados e unidades de ensino e pesquisa da USP. Ao contrário do que tem sido insinuado por determinado segmento de docentes da universidade, a proposta aprovada no Conselho Universitário em março deste ano  não foi fruto de decisão açodada desprovida de discussões mais profundas. Os trabalhos envolvendo a Comissão eleita pelo Co. se estenderam por três anos, havendo consultas à todas as unidades em seus diferentes segmentos: diretores, colegiados, corpo docente, servidores e alunos. Houve ampla divulgação com disponibilização, inclusive, de um endereço eletrônico [estatuto[@]usp.br] para o encaminhamento de propostas. Foram recebidas mais de 200 sugestões e realizadas nove audiências públicas em todos os campi da USP, com ampla divulgação.

A nova carreira aprovada pelo Co. em 4 de março deste ano  prevê três categorias de docentes: o professor doutor (PD),  professor associado (PA) e professor titular (PT). O que se apresentou como novidade foi o fato de se criar a chamada progressão horizontal para as categorias de doutores (dois níveis – PD1 e PD2) e dos associados (três níveis –  PA1, PA2 e PA3).

O PD 1  poderá pleitear avaliação para fins de ascensão a PD 2 e o PA 1 poderá fazê-lo para chegar a PA 2, e este a PA 3 após, preferencialmente cinco anos de permanência naquele nível da carreira.

O modelo de avaliação para progressão horizontal ainda não foi definido, aguardando a decisão do Co. que deverá votar, proximamente, a proposta de uma comissão criada especificamente para tal.

A ascensão vertical na carreira continua com as  mesmas regras, ou seja a  transição entre PD e PA e entre PA e PT podem ser feitas a qualquer tempo pelo docente desde que devidamente qualificado e avaliado no mérito por banca examinadora. A carreira, portanto, continuará aberta e não haverá obrigatoriedade de passar por fases intermediárias para sua ascensão.

Na Resolução USP 5.529 também se prevê que os atuais PD (que na nova condição passam a PD1) com mais de cinco anos na categoria poderão pleitear  ascensão à PD2. O mesmo dizer para os  PA (na nova condição PA1) que com mais de cinco ou dez anos na categoria poderão pleitear a ascensão para PA2 e PA3 respectivamente.

Desdobramentos:

Para se ter uma idéia  do alcance desta resolução, a USP dispunha em dezembro de 2008 (dados da Codage) 5.634 docentes sendo 3.020 doutores. Destes, 1.682 (55,7%) estavam em condições de pleitear de imediato a progressão na carreira para PD2.  Dos 1413 PA, 90,2% (1274) deles também poderiam pleitear progressão sendo 1071   com potencial de disputar PA3,  representando 75,8% da categoria.

Estas mudanças de nível irão implicar em vantagens salariais. Conforme vimos acima  mais de 50% dos docentes  poderão ter ganhos significativos. Assim, os 1.682 PD que potencialmente poderão passar para PD2 fariam jus a um reajuste de 9% e os 1.274 PA (90,2%) a aumentos de até 12% (6% entre PA1 e PA2 e mais 6% entre PA2 e PA3). Esse importante fator de estímulo servirá também para diminuir os grandes intervalos salariais hoje existentes entre as categorias dos PD e PA (18%), e entre estes últimos e os PT (17%).

As novas etapas na carreira docente também possibilitam maior representação  política dos professores associados nas instâncias administrativas da Universidade. Permitirá aos PA 2 e PA 3 concorrer a chefia de departamento  sendo que  os  PA 3  poderão ser  candidatos natos à direção das  Unidades. Este é um pleito antigo que possibilitará aos PA mais experientes compartilhar com os Professores Titulares os cargos diretivos e por conseguinte maior número de assentos nos Colegiados Superiores da Unidade e inclusive no próprio Conselho Universitário.

Por fim, acreditamos que introdução de níveis horizontais poderá representar um grande incentivo  ao corpo docente, criando patamares intermediários que poderão propiciar maior amadurecimento aos professores conferindo-lhes mais experiência visando atingir o último grau da carreira que é o professor titular.

Marcos Felipe Silva de Sá é professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.
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