Diversidade de memórias enriquece história da USP

Os esforços das pessoas envolvidas com a USP, seus trabalhos e ideias constituem contra-memórias da universidade. A opinião é de Angela Célia Garcia, curadora da exposição “Registros Fotográficos, memória e patrimônio da USP”.  “O que se vê nas fotografias, na exposição do CPC, pontua um pouco isso”, diz. Essa discussão, que abrange a chamada “contra-memória”, encontra diversos pontos de partida para reflexão na sociedade e na própria USP.

“A ideia de contra-memória serve para mostrar que há muitas outras interpretações além da história oficial”, explica Ferdinando Martins, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e pesquisador sobre censura. Segundo Martins, as diferentes interpretações da história surgem de segmentos que se sentem excluídos ou mal-interpretados pela história oficial. “É o caso da história das mulheres, dos negros, dos homossexuais”, diz.

O professor destaca que, nos casos em que o Estado faz com que apenas uma versão da história prevaleça, pode-se dizer que ocorre censura. “Vamos falar de História do Teatro Brasileiro”, exemplifica. A história oficial, a partir do fim da década de 1940, apagou manifestações culturais importantes, como o teatro feito por imigrantes e operários. Miroel Silveira, professor da USP que faleceu há 21 anos, dedicou-se a mostrar esse processo.

Saga estudantil

Exemplo recente de registro da memória estudantil está no livro “Centro Acadêmico Oswaldo Cruz: a história dos estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo”, lançado em setembro.

Para Arthur Danila, coordenador do projeto, a obra pode ser considerada uma forma de contra-memória, já que “resgata a memória para discuti-la” e foi escrito pelos próprios estudantes. Trata-se, segundo ele, de “um novo fragmento que busca reconstituir a memória da USP, dessa vez sob a óptica dos estudantes”.

A história do Conjunto Residencial da USP (Crusp) pode também ser contada segundo a visão estudantil, como mostra o documentário “A Experiência Cruspiana”, realizado por Nilton Couto em 1986. Já o discurso oficial, na época da ditadura militar, acusava os moradores do Crusp de subversão.

Martins, no entanto, ressalta que “é fundamental não pensar a História como uma via de mão dupla”. Em relação ao caso do Crusp, ele diz que “não dá para reduzir a um Fla-Flu, de um lado a repressão, do outro os estudantes” e acrescenta que a ideia de contra-memória deve, ao invés de “estabelecer um jogo reduzido a dois lados”, ampliar as formas de interpretação da História.

Resgate de memórias

Questionado sobre o caráter democrático (ou não-democrático) da memória da USP hoje em dia, Martins diz que há muito trabalho sendo feito em várias unidades e destaca a atuação da Adusp na reconstrução histórica.

“Mas há outros relatos que precisam ser mais bem conhecidos, sobretudo dos setores historicamente marginalizados”, acrescenta. O professor defende que é necessário investir em centros de memória, pesquisas e publicações que dêem voz a todos os grupos. “Isso é um trabalho contínuo e interminável, mas fundamental para a democracia”.

Para Mariângela Haswani, professora do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da ECA, toda informação, favorável ou desfavorável a um determinado fato ou discurso, é importante. Entretanto, ela destaca que é indispensável conferir com atenção a credibilidade de quem fornece os dados e o contexto dos acontecimentos.

“Um sapato atirado por alguém pode ser resultado de uma bebedeira, de preguiça e desorganização ou a manifestação de uma pessoa contra desmandos de um chefe de Estado”, exemplifica Haswani. Segundo ela, o resgate de memórias é importante, mas com uma ressalva: “Recuperar informações, sim; com o olhar de hoje, não”.

Este texto apresenta diferenças de edição em relação ao publicado no jornal impresso.