Cientistas da USP continuam fiéis ao IPCC

Especialistas defendem a credibilidade do painel climático mundial e opinam sobre o aquecimento global

Desde novembro do ano passado, o IPCC passa por uma crise de credibilidade. Na ocasião foram encontrados erros no relatório que deu ao painel o Prêmio Nobel da Paz em 2007. O mais grave deles era uma previsão sobre o degelo do Himalaia até 2035. Na mesma época vieram a público trocas de e-mails entre seus cientistas insinuando que pesquisas que negam o aquecimento global não seriam avaliadas pelo IPCC. O caso ficou conhecido como Climategate.

Os acontecimentos serviram de argumento para os céticos, aqueles que defendem que o aquecimento global é um fenômeno natural com precedentes ao longo da história e não tem relação com as ações do homem no planeta.

A polêmica ganhou novamente os holofotes da mídia em fevereiro, quando o secretário executivo do painel pediu demissão do cargo. Imediatamente o presidente da instituição, Rajendra Pachauri, anunciou que não mediria esforços para propor um conjunto de medidas que assegurem mais rigor científico nos relatórios e maior controle sobre os especialistas que os produzem.

Sem crise

Tércio Ambrizzi acredita que mais cuidado pode evitar dados incorretos. No entanto, “quando olhado no geral, o relatório do IPCC é muito sólido”, acredita. Segundo ele, mais de mil páginas são analisadas e esse volume dá margem para que algum erro escape. Quanto aos emails publicados, Ambrizzi diz que a invasão da privacidade é algo extremamente perigoso. “Em ciência não é assim que você prova que um resultado científico está errado. Você prova com a ciência”.

Paulo Artaxo compartilha dessa visão, também enfatizando o esforço que os cientistas têm com o relatório: “Ter duas citações que merecem ser corrigidas não invalida o trabalho intenso de milhares de cientistas ao longo de muitos anos”.

A professora Ilana Wainer, presidente da Comissão de Pesquisa do Instituto de Oceanografia (IO), vai além na defesa da credibilidade do IPCC. A professora diz que não vê crise “no que diz respeito à ciência, que é irrefutável e determinística”.

A cientista do IO é enfática ao afirmar que o Climategate foi baseado num verdadeiro roubo de emails de pesquisadores do centro de pesquisa do clima em East Anglia (Reino Unido). “Foram mais de 1000 emails e os ‘céticos’ tentaram desacreditar a ciência das mudanças climáticas baseados nisso e só conseguiram achar um ou outro email pessoal. Existe uma base científica sólida que sustenta a afirmação de que o aquecimento global das últimas quatro, cinco décadas vem da ação do homem”.

(ilustração: Hugo Neto)

Aquecimento global

Para Artaxo, o homem está alterando de modo significativo vários aspectos do planeta. Ele cita como exemplo a queima de combustíveis fósseis nos últimos 150 anos e as alterações no uso do solo, como a troca intensiva de florestas por plantações: “A acumulação adicional de gases de efeito estufa na atmosfera aumentou a temperatura média de nosso planeta em 0.7 graus centígrados nos últimos 150 anos”.

Ambrizzi e Ilana também são categóricos na defesa do aquecimento global e da interferência do homem. “O aquecimento global está ocorrendo e é inequívoca a participação do homem nisso”, afirma a professora do IO.

Já Aretha Sanchez, advogada e autora de pesquisa sobre mudanças climático-ambientais desenvolvida pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), afirma que mudanças climáticas são comprovadas por registros através do tempo.  “Essas alterações ocorrem por fatores externos ou internos à Terra – dentre os internos, temos a presença humana”, diz Aretha.

Iceberg gigante

Perguntada se o desprendimento do iceberg gigante na Antártida tem relação com o aquecimento global, Ilana explica que “do lado continental há acúmulo de neve/gelo; do lado oceânico ocorre um processo conhecido como calving, que é a liberação repentina e o rompimento de uma massa de gelo de uma geleira. O gelo que rompe pode ser classificado como um iceberg. O desprendimento desse grande iceberg pode ocorrer normalmente como parte do balanço de massa da geleira. O aquecimento global favorece, sim, a intensificação do calving e maior frequência de icebergs, mas não necessariamente está associado ao tamanho deles”.