Rodas assina parecer que pode proibir bebidas na USP

Medida prevê veto ao consumo na USP e até em repúblicas fora da universidade, podendo resultar na expulsão de infratores

O consumo de cerveja nos espaços de vivência e até mesmo os coquetéis celebrados com champanhe podem deixar de ser cenas comuns na USP a partir deste ano. Um parecer da Consultoria Jurídica (CJ) assinado pelo reitor João Grandino Rodas abre brecha para a proibição de consumo, venda e distribuição de bebidas alcoólicas, inclusive, em moradias estudantis fora dos campi. Em circulação desde fevereiro deste ano, o documento não descarta punições para consumidores de bebidas alcoólicas.

Atualmente, a USP segue legislação federal que veta apenas a comercialização de bebidas com teor alcoólico superior a 13 graus Gay-Lussac. Com o parecer, o limite passa a ser fixado em 4,5 graus, o que inclui cerveja, vinho e champanhe. O novo padrão é idêntico ao de lei estadual sancionada pelo governador José Serra em 2009 que não foi aplicada na USP sob o argumento de que a universidade possui autonomia acadêmica.

Segundo Fernando, Scaff, professor de direito civil da USP, o parecer possui caráter consultivo e não legislativo, mas apresenta “normas de conteúdo administrativo – o que está dentro da alçada do reitor e deve ser cumprido”.

Alunos de psicologia bebem no C.A. da Veterinária após proibição de venda de bebidas alcoólicas no Instituto de Psicologia imposta por diretor (foto: Marina Midori)
Alunos de psicologia bebem no C.A. da Veterinária após proibição de venda de bebidas alcoólicas no Instituto de Psicologia imposta por diretor (foto: Marina Midori)
Repúblicas

Segundo o novo documento, a ausência de regimentos que regulamentem o consumo de bebidas na USP, não “afasta o poder disciplinar das autoridades universitárias”, que podem “aplicar as penalidades compatíveis”. Neste ponto, o parecer cita o Regime disciplinar da USP de 1972, que prevê sanções, que vão de advertência verbal e escrita até suspensão e expulsão, para aqueles que desrespeitem “bons costumes e preceitos morais”.

O parecer estende a proibição a eventos externos. Além das moradias estudantis da USP, as repúblicas que estão fora do alcance da administração universitária podem ser atingidas. Para  Virgílio Afonso da Silva, especialista em direito constitucional da Faculdade de Direito da USP, porém, a universidade não pode aplicar leis internas a repúblicas.

“Levada a extremos, a norma poderá impedir que um aluno consuma uma taça de vinho para acompanhar uma pizza dentro de seu apartamento no Crusp”, exemplificou Antonio Carlos Morato, especialista em direito do consumidor pela USP. Morato afirma que a academia deveria estar mais preocupada em regular “festas em que excessos alcoólicos costumam ocorrer”.

Razões políticas

Para o DCE (Diretório Central de Estudantes), a motivação da Reitoria é política, já que a medida inviabilizaria o financiamento dos Centros Acadêmicos (CAs) e Atléticas, além de limitar espaços de sociabilidade.

“A proibição do consumo de bebidas alcoólicas na USP, certamente eliminaria a possibilidade de uso do espaço público para fins integrativos”, diz nota do diretório. O dinheiro arrecadado com a venda de bebidas em festas organizadas por alunos é uma das principais fontes de verba das entidades estudantis, de acordo com DCE.

Para as entidades, a intenção de prejudicar estudantes é confirmada pela atual legislação, que libera bebidas alcoólicas nos clubes dos professores e dos funcionários. O parecer, no entanto, discorda da norma atual e indica que a proibição deveria atingir a todos os membros da universidade igualmente.

Falta de clareza

O problema do documento, para Virgílio Afonso da Silva, é a falta de clareza sobre as restrições, o que prejudica sua utilidade. “O parecer não é claro suficiente para orientar a conduta em todas as unidades da USP”, afirmou. “Uma regra geral ainda não existe e o parecer mencionado não dá conta de formulá-la.”

A assessoria da Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo afirmou que a lei estadual veta bebidas alcoólicas “em qualquer dos estabelecimentos de ensino mantidos pela administração estadual” e, portanto, deveria estar em vigor na USP desde maio de 2009, quando foi sancionada. Segundo a secretaria, a autonomia universitária não justifica o descumprimento.

De acordo com a Casa Civil do Estado, a universidade pode sofrer retaliações pela não aplicação da lei. Procurada desde o dia 4, a CJ não respondeu à reportagem.

Proibição de festas

Desde que começou a circular, o documento tem sofrido diferentes interpretações. No Instituto de Biociências (IB), o parecer teria levado o diretor Wellington Braz Carvalho Delliti a enviar uma carta ao presidente do CA, Juliano Polidoro, que recomendava a proibição de bebidas durante a semana dos bichos, sob pena de jubilar o estudante. Segundo Polidoro, o diretor voltou a ameaçar os estudantes durante sua fala de boas-vindas aos calouros.

O diretor do IB negou que tenha feito ameaças, mas afirmou que, se houver algum problema, vai seguir a legislação estadual. “É como a proibição de fumar”, comparou.

A venda de cerveja foi mantida pelo CA, que não sofreu nenhuma sanção até o momento. A organização afirmou que continuará realizando eventos com venda de bebida.

Também as Atléticas e os CAs da Escola de Comunicações e Artes e do Instituto de Química mantiveram a venda de bebidas após acordo com a diretoria e com o corpo docente das unidades. Apesar receber pedido da administração para vetar bebidas durante a calourada, as entidades estudantis da Faculdade de Medicina também continuaram a comercializar.

Já as festas na Escola Politécnica foram suspensas pelo grêmio (GPoli) até encontro com o novo diretor da unidade, onde serão definidas diretrizes para bebidas alcoólicas.

Após pedido da antiga administração, o GPoli cercou uma área da faculdade para a recepção de calouros no início deste ano e contratou seguranças para revistar os participantes visando impedir a entrada de álcool na confraternização.

Três semanas depois da festa, uma reunião de chefes de departamento e diretoria da Politécnica foi precedida por um coquetel com distribuição e consumo de bebidas alcoólicas por funcionários, professores e alunos, incluindo o presidente do GPoli, Paulo Fernandes Garcia Neto.