Especial Enchentes: Exclusão social intensifica tragédias

Os danos que a chuva causa nas metrópoles não têm como fator o desconhecimento de tecnologias que evitam inundações e desmoronamentos, afirma Ermínia Maricato, professora integrante do Laboratório de Habitação e Assentamentos Urbanos da FAU-USP (LabHab). “É muito importante enxergar essa cidade como produto do capitalismo periférico para entender por que as pessoas estão indo para os morros”,completa a professora. Esse produto trata-se da estrutura histórica e econômica que acompanhou todo o processo de urbanização das metrópoles: a exclusão social e a falta de planejamento urbano.

A deficiência da política urbana na ocupação das terras gerou um crescimento desordenado nas metrópoles, tornando a estrutura das cidades vulnerável a desastres naturais. Esse é o motivo do crescente prejuízo que as chuvas causam nas cidades. Regina Meyer, professora de urbanização da FAU-USP, afirma que o problema é que “as chuvas estão encontrando cada vez mais gente no seu caminho”. A questão é que a maioria das vítimas dachuva são pessoas que moram em lugares irregulares e não têm condições de dar uma infraestrutura a esse local para que ele não seja vulnerável à chuva; ou seja, pessoas de baixa renda.

Maricato diz que a falta de planejamento fez com que a ocupação de áreas irregulares se tornasse regra, não exceção. Segundo ela, as pessoas habitam esses locais porque nunca foram inseridas na cidade. Raquel Rolnik, relatora especial da ONU para direito à moradia adequada, trata essa ocupação irregular como “uma absoluta falta de opção”. “Ninguém está vivendo em uma área de risco porque acha bacana”, completa Rolnik.

Nabil Bonduki, professor da FAU-USP, diz que é necessária “uma lei maisforte que reduza a propriedade privada, para que ela possa cumprir a função social”. Ele afirma que a legislação de assuntos urbanos ainda é insuficiente. Maricato, por sua vez, afirma que houve importantes conquistas legais recentemente, como o Estatuto da Cidade, visível no mundo inteiro, e novas leis de saneamento básico.Mas, para ela, o problema não é legal, mas institucional: há leis, mas são poucos os que as cumprem. “Estamos num país em que a lei se aplica de acordo com as circunstâncias”, afirma.