Gays ainda são vistos como ameaça

Tal como na canção de Chico Buarque, “Geni e o Zepelim”, em que uma mulher é alvejada por exercer livremente sua sexualidade, a homofobia faz de suas vítimas aqueles cujo comportamento ou opção sexual é diferente do heteronormativo. Mas afinal, para além de respostas imediatas ou especulações, por que a afetividade entre pessoas do mesmo sexo ainda gera tanta comoção em grande parte da sociedade?

“A homossexualidade ainda é vista como ameaça à família e, por extensão, à ordem social e cultural num sentido amplo. Operamos com um ideal de família fundado na relação de colaboração e dependência mútua entre pessoas de sexos diferentes. Conforme esse ideal, crianças saudáveis seriam somente aquelas criadas por um pai e uma mãe. A definição legal de família, no Brasil e em vários outros países, é necessariamente heterossexista”, diz o professor do Departamento de Antropologia da USP, Júlio Assis Simões.

Ao ideal de família seguem-se construções sociais bastante arraigadas, como a cultura patriarcal e o machismo. “Essa matriz patriarcal é uma fonte poderosa de reprodução do preconceito; um segundo fator refere-se aos meios de comunicação, cuja reprodução de forma acrítica estigmatiza e naturaliza o discurso contra LGBTT [lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais]”, afirma o professor do Departamento de Sociologia da USP, Gustavo Venturi Júnior. O professor cita os programas humorísticos, que jogam com figuras caricaturais e estão alicerçados em uma suposta conivência da população com esse tipo de preconceito.

Para Simões, outro fator refere-se à associação entre homossexualidade e perturbações de gênero. De acordo com o professor, a quebra na expectativa de como um homem e uma mulher devem ser e se comportar, em especial em relação à sua sexualidade, transfigura-se não apenas em uma rejeição social, mas é também associada à classificação de doença.  “A homossexualidade que se suspeita na figura de uma mulher assertiva, de um homem delicado, ou que transparece no beijo em público, representa mais do que uma inconveniência social, pois ainda é relacionada com doença, pecado ou sem-vergonhice; como tal, deveria permanecer contida, nas sombras, longe das vistas de pessoas de respeito”, afirma o professor.

A intolerância gerada por essa desconstrução de papéis sociais articula-se com outras formas de preconceito. “Grande parte das manifestações homofóbicas ridicularizam homens como mulherzinhas em uma caracterização patriarcal pejorativa, o que demonstra o vínculo entre misogenia e homofobia e o rebaixamento da mulher em nossa sociedade”, diz Venturi.

De acordo com o professor, o preconceito se sustenta da ignorância e a implementação de direitos civis plenos para a comunidade LGBTT no Brasil depende principalmente de uma luta política. “É preciso haver uma correlação de forças na sociedade para, no médio prazo, existir uma legislação mais clara e específica; quando o movimento LGBTT mobiliza e denuncia, os preconceitos em suas formas mais explícitas diminuem”, diz o professor.

No gramado da Faculdade de Farmácia, manifestantes protestaram no último dia 4 contra a homofobia (foto: Mariana Franco)
No gramado da Faculdade de Farmácia, manifestantes protestaram no último dia 4 contra a homofobia (foto: Mariana Franco)

Visibilidade e caso da Farmácia

Para Simões, é possível detectar nos dias de hoje um aumento considerável da visibilidade e da afirmação da homossexualidade. No entanto, o professor pondera que “uma vez que tudo isso está mais visível, que saiu à luz, é esperável também que se articulem formas de reação pública a essa visibilidade”.

Reações como o caso do jornal “O Parasita”, que circulou no email de alunos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e cujo conteúdo incentivava alunos a “jogar merda” em homossexuais. Para o professor Venturi, o caso revela a limitação da formação dos estudantes da USP. “Temos responsabilidade enquanto instituição; até que ponto temas transversais são debatidos em diferentes áreas do conhecimento?”, questiona. Para o professor, seria de bom tom um pronunciamento público da universidade para afirmar seu repúdio à homofobia. “Diferente de alguma medida ou política de cima para baixo, para ter efeito é preciso que se promova um debate nos diversos segmentos da comunidade universitária”, diz Venturi.

Mesmo com o aumento de reações contrárias à liberdade sexual, Simões afirma ser positivo que esses comportamentos venham a público. “Melhor isso do que a hipocrisia que faz vítimas silenciosas. É um caminho para tentar criar uma atitude social de reconhecimento e respeito da diversidade sexual”, afirma o professor.