Rodas teme ser autoritário ao combater homofobia

Reitor afirma que mesmo campanhas contra discriminação a homossexuais podem ferir autonomia das unidades

Na última semana de abril, o jornal online “O Parasita”, que era enviado por email a estudantes da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), tornou-se público. A última edição trazia o desafio de jogar fezes em homossexuais, em troca de ingressos para uma festa organizada pela Associação Atlética Acadêmica de Farmácia e Bioquímica. Após o fato ter sido abordado pela mídia, a Atlética, Centro Acadêmico e diretoria da FCF condenaram a publicação e declararam desconhecer os seus responsáveis.

Nos últimos cinco anos, esse foi um dos casos de homofobia que extrapolou os limites da Universidade e virou notícia e alvo de discussão na sociedade. A publicação do jornal “O Parasita”, suscitou denúncia da Defensoria Pública, abertura de investigação policial, acompanhamento da investigação pela Promotoria Pública e ainda uma sindicância na FCF.

Alunos da Faculdade temem que a instituição passe a ser vista como homofóbica. É quase consenso entre os alunos, que a publicação reflete uma opinião isolada e uma “brincadeira de mau gosto”. Jorge Mancini Filho, diretor da FCF, diz que a Faculdade pagou um preço muito alto devido à exposição da instituição e de seus alunos.

Mancini ainda acredita que a apuração do caso deve ficar a cargo da unidade em que ocorreu, conforme organização da Universidade. “Eu acho que tem que ser avaliado primeiro na Unidade. À medida que aparecer o nome da faculdade, eu vejo que é nossa responsabilidade evitar uma situação dessa”, afirma o diretor.

Em 2005, um jornal impresso de uma chapa do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito (FD) trazia a frase “Bons tempos em que (…) a Aids restringia-se à Africa e a certos ânus homossexuais”. O jornal ainda sugeria provocações a serem escritas em camisetas, como: “Homossexualismo é doença, Aids é a cura”. Na época, após a abertura do inquérito policial, a FD entendeu que as devidas medidas seriam tomadas, uma vez que a polícia havia assumido as investigações, e não abriu nenhum inquérito administrativo interno.

Em 2008, durante uma festa no Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), um casal gay foi retirado de cima do palco onde se beijavam. O caso gerou um processo, que ainda tramita na Secretaria de Justiça, contra o DJ da festa, então aluno da FMVZ. Procurado para declarar quais as atitudes tomadas na apuração, o vice-diretor da FMVZ, Enrico Ortolani, disse que não comentaria o fato, por entender que ele “já passou”.

Segundo Dario Neto, um dos fundadores do grupo Prisma, que luta pelo respeito à diversidade sexual na USP, são constantes as provocações e violências pelas quais homossexuais passam na USP. “Grande parte dos gays na USP não se assume e, por isso, não podem evidenciar casos de agressões ou provocações. Não é nem por covardia, mas pela sociedade em que vivemos, às vezes, é mais oneroso assumir a sexualidade”, explica ele. Ainda segundo Dario, muitos gays não denunciam casos de agressões, por terem de conviver durante anos com os agressores. É o caso de Pedro (nome fictício), estudante da Escola de Comunicações e Artes (ECA) que relatou ter sido vítima de homofobia numa festa realizada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Ao abraçar e beijar seu namorado, percebeu que alunos do seu próprio departamento atiravam pedras em sua direção. “Fiquei acuado, em choque por ter sido alvo de um ataque tão gratuito e tão violento”.

Dario Neto observa que o limite de tolerância às demonstrações de afeto entre casais homossexuais e casais heterossexuais é diferente, o que proporciona atos de violência. “Há um cenário social em que a violência está tão banalizada, que parece dar respaldo para que agressões graves aconteçam (…) As pessoas preferem discutir a moralidade que envolve o fato (se é ou não obsceno) para justificar a violência”.

Pedro acredita que “existe discriminação em qualquer lugar, mas acho que a Universidade é um grande espaço de convivência e de tolerância que te obriga a dialogar com os mais diversos tipos de pessoas. Acho que é aí que reside a riqueza da Universidade: em colocar para conviver a diferença”. Dario Neto completa dizendo que a Universidade deveria ser responsável pelos diferentes alunos que chegam à USP. “Ela deveria fazer alguma coisa e não faz. Deveria fazer campanhas de combate à intolerância e à violência e não faz”.

Ato contra a homofobia realizado na frente da Faculdade de Farmácia, no dia 4 (foto: Victor Caputo)
Ato contra a homofobia realizado na frente da Faculdade de Farmácia, no dia 4 (foto: Victor Caputo)

Posicionamento da Reitoria

Procurado pelo JC, o reitor João Grandino Rodas acredita que o caso “Parasita” não tenha sido fruto de má-fé e sim uma brincadeira de “extremíssimo mau gosto, que aos olhos de ninguém será visto como uma brincadeira”. O reitor afirmou que o episódio ajudou a demonstrar que o anonimato não assegura a impunidade.

Rodas ainda afirma que o modelo de apuração de ocorrências graves na USP não está livre de ser repensado, caso se prove ineficiente. No entanto, posicionamentos mais severos da reitoria podem ser vistos como autoritários. “Eu posso até não gostar da maneira como alguma coisa está acontecendo, mas não posso chegar e falar ‘faça assim’. Essa discussão pode ser aberta pela própria comunidade. Tudo o que a reitoria faz como decisão, muito facilmente pode ser tida como autoritária”.