Estudantes de 73 nacionalidades convivem na USP

Se você fosse estrangeiro, escolheria a USP para estudar? Pois atualmente 1.598 alunos de 73 países tão diferentes quanto Noruega, Chile e Angola frequentam a Universidade. Segundo a Comissão de Cooperação Internacional da USP (CCInt), este número tende a aumentar devido ao crescente processo de internacionalização da USP. Os motivos da escolha vão da afinidade com a língua ao ensino gratuito, do reconhecimento dos cursos à pura falta de opção.

(infográfico: Felipe Maia)

África

Alguns estudantes estão bem adaptados, outros sofrem com a saudade e querem voltar logo pra casa. É o caso de Ianique, que mora no Crusp. Em 2005, quando chegou ao Brasil para a graduação em Ciências Sociais, ficou chocada ao ver tantas pessoas morando nas ruas. De onde ela vem esta realidade não existe. Ianique Silva é africana de Guiné-Bissau; lá, a família tem um sentido amplo e acolhe como filhos quem não tem onde dormir. Do Brasil, o que mais gostou foi o Nordeste – nem queria voltar para São Paulo, onde acha as pessoas frias e sente preconceito racial. Ela quer se formar e voltar para casa.

Nádia e Ianique – Guiné-Bissau
Nádia e Ianique – Guiné-Bissau

Nádia Ferreira, também da Guiné, não tem a certeza da amiga sobre querer voltar. Ela faz Letras na FFLCH e vai se formar em breve, mora perto da USP e está há dez anos no país. Apesar de adaptada, ainda enfrenta dificuldades: só fez duas amigas brasileiras e diz que “ser negra, mulher e africana aqui não é fácil”.

Nádia tem uma filha de cinco anos, cujo pai, também de Guiné-Bissau, já se formou e voltou ao país. Ela e Ianique se reúnem com frequência com outros compatriotas, que é com quem mais convivem.  Eles se encontram para festas e comemorações de datas especiais, ou só para conversar e matar as saudades de casa. Nessas ocasiões, fazem comidas típicas com ingredientes que conhecemos bem, como quiabo e dendê; a conversa, no entanto, rola em crioulo, língua tão falada pelos guinés quanto o português.

Ex-colônias portuguesas
Joaquim – Moçambique
Joaquim – Moçambique

Segundo a CCInt, entre os países africanos, Cabo Verde e Guiné-Bissau têm mais representantes na USP pela afinidade com a língua, já que somos todos ex-colônias portuguesas. Este é também o caso de Moçambique, pátria de Joaquim Maloa, morador do Crusp, há três meses mestrando em Sociologia.

Ele conta que se formou na capital, Maputo, e logo depois assumiu o desafio de dar aulas no norte do país. “Até que resolvi concorrer a uma das 50 bolsas do CNPQ oferecidas por meio de um convênio entre os ministérios de Ciência e Tecnologia de Moçambique e Brasil”. Joaquim quer fazer também o doutorado e fala apaixonadamente em voltar levando novas idéias a seu país. Ele sonha com um intercâmbio maior entre as universidades de Moçambique e a USP – “a língua já é uma porta importante”, diz.

Assim como as meninas de Guiné, o moçambicano também ficou chocado ao ver tantos moradores de rua. Outra dura realidade é o racismo “que não se vê, mas se sente”, diz. Apesar disso, Joaquim abre o sorriso e diz que está tendo uma experiência muito feliz aqui, onde esperava encontrar boa formação, alojamento digno e pessoas que gostam de conversar. “Sempre ouvi dizer que o brasileiro é muito alegre e conversador. No Crusp, convivo mais com os nordestinos, que são bem abertos. Cozinhamos juntos e temos muitas afinidades”, conta.

América Latina
Gerard – Peru
Gerard – Peru

Do lado de cá do Atlântico, a Colômbia é o país latino com mais estudantes na USP. Em seguida, vem o Peru, de onde Gerard Moralez partiu em 2002 para um mestrado no Instituto de Matemática e Estatística (IME). Depois da graduação na Universidad Nacional de Trujillo, Gerard queria continuar os estudos e melhorar a condição sócio-econômica. Foi então que decidiu vir para o Brasil incentivado por professores que aqui estudaram. Sentiu-se acolhido e fala da sorte de ter conseguido uma vaga no Crusp logo que chegou.

Na USP, Gerard convive com muitos estrangeiros e diz que gosta de aprender os sotaques. Tem também contato com brasileiros, sobretudo com seus orientadores. Hoje no doutorado, o peruano da cidade litorânea de Ancash já não sabe mais se volta de vez a seu país. “Depende das oportunidades de trabalho que encontrar  lá ou aqui”, diz.

O mesmo afirma o casal colombiano Marta Velasquez e Alejandro Salazar, doutorandos em Geologia. Eles vieram para cá com a filha há quase sete anos. Hoje adolescente, Ariana tem sotaque paulistano e sente-se brasileira.

Ariana e os pais, Marta e Alejandro – Colômbia

“Não conhecíamos nada do Brasil, viemos incentivados pelas facilidades de imigração e pelo fato da USP ser pública e estar mais bem equipada que muitas universidades de países desenvolvidos”. Marta ressalta que a qualidade dos laboratórios e da biblioteca do Instituto de Geociências surpreende. Outro tipo de surpresa, no entanto, foi encontrar grande desperdício de materiais como papel, por exemplo. “Na Colômbia há uma política forte contra o desperdício e estranhamos a maneira como o dinheiro é gasto aqui”, diz a colombiana.

Vivendo em um bairro cheio de estudantes próximo à USP, a família de Medellín diz conviver bem tanto com brasileiros quanto com conterrâneos e outros estrangeiros. “Aqui, o modo de vida é bem parecido ao de nosso país”, diz Alejandro. “A dificuldade maior foi no primeiro ano, pois a língua era realmente um entrave. Praticamente tivemos que aprender Geologia de novo, agora com os termos em português”, completa.

Hostilidade

Mas há os que tiveram dificuldades maiores, como é o caso de uma mestranda do Equador que não quis se identificar. Ela conta que, quando vinha ao Brasil a passeio, era sempre bem acolhida. Mas quando mudou-se para o país e foi concorrer com brasileiros a uma vaga de mestrado na USP, sentiu grande hostilidade. “Era a única estrangeira e ouvi de uma outra candidata que eu ia passar só por este fato. Consegui entrar e sinto que as pessoas me olham com desdém, talvez por meu país ser pequeno e pouco desenvolvido”, diz. “Quero acabar logo o curso e voltar para minha terra”.

Península Ibérica
Maria – Portugal

De toda a Europa, a França é o país com mais representantes na USP, mas a comunidade ibérica é ainda mais numerosa. Maria Chamusca é portuguesa e está cursando um semestre de Audio- visual na ECA. Em julho, volta a seu país para concluir a faculdade de Som e Imagem que faz em Caldas da Rainha, perto de Lisboa. Aqui, Maria mora com uma prima conterrânea que já vivia na cidade, e diz que esperava uma São Paulo mais moderna e bonita. Antes de ir embora, quer conhecer Salvador.

Já a espanhola Inés Sierra, colega de Maria na ECA, está em São Paulo há 10 meses, diz que foi bem acolhida e gosta muito da cidade. Ela vive em Pinheiros com outros estudantes estrangeiros, mas já morou com brasileiros e diz que a experiência foi boa. Como é da Galícia, que fala um dialeto parecido com o português, achou que o intercâmbio no Brasil seria mais proveitoso. Ela afirma que a USP é melhor que a Universidad Carlos III, em Madrid, para onde volta daqui a alguns meses para continuar o curso de Audiovisual.

Inés – Espanha

Inés conta que não sabia nada sobre o Brasil: “É triste falar isso, mas só sabia onde ficava, nada mais. Então as pessoas começaram a me dizer que era perigoso, que tinha violência etc. Mas nunca tive problemas aqui”. Durante a Virada Cultural, achou incrível caminhar em pleno centro às 4h da manhã, sem carros nas ruas. “Só fico chocada mesmo com o trânsito de São Paulo”, diz.