Fogo no Butantan compromete pesquisas

Perda do acervo prejudica teses da Bio. Coleção de cobras tropicais era a maior do mundo, diz professor
Exemplares ainda são encontradas sob os escombros (foto: Fabrício Lobel)
Exemplares ainda são encontradas sob os escombros (foto: Fabrício Lobel)

O incêndio na casa de répteis do Instituto Butantan deixou muitos zoólogos do Instituto de Biociências da USP literalmente de luto. O acervo com cerca de 80 mil serpentes era consultado diariamente por alunos e professores da Biologia. “Quem conseguiu coletar dados, conseguiu. Quem não conseguiu, agora vai ter muito, muito mais trabalho”, lamenta o pós-graduando da Zoologia da USP e colaborador do Butantan, Felipe Curcio.

Além da quantidade de exemplares, a coleção se destacava pela raridade de muitos animais. De acordo com o curador do acervo, Francisco Franco, havia centenas de espécimes- tipo (o primeiro animal a ser estudado, que classifica uma nova espécie) que  foram perdidos. “Cada espécime era uma Monalisa”, Franco compara. “Cada bicho vinha de um tempo, uma região, um estado diferente. Não dá pra avaliar os prejuízos”.

A coleção teve início no começo do século XX, com o médico Vital Brazil, fundador do Instituto Butantan. O professor Miguel Trefaut, Herpetologista do Instituto de Biociências da USP, lembra do valor histórico do acervo centenário. Ele explica que com a construção das estradas de ferro para o interior nas primeiras décadas do século XX, serpentes nunca antes vistas eram enviadas para o Instituto. “O crescimento do acervo acompanhou a expansão do brasileiro”.

Pesquisadores tentam avaliar as perdas após incêndio (foto: Fabrício Lobel)
Pesquisadores tentam avaliar as perdas após incêndio (foto: Fabrício Lobel)
Carta

Mas não são todos que lamentam a perda da coleção. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Isaías Raw, ex-diretor do Instituto Butantan, declarou que o acervo queimado “é uma bobagem medieval”. Ele defende que a função do Instituto é produzir vacinas e soros, em vez de preservar animais para pesquisa. Segundo o ex-diretor, “não dá pra fazer as duas coisas”.

O texto foi duramente criticado pela comunidade científica. Cartas contestando as declarações de Raw foram enviadas pelo Instituto de Biociências da USP,  Sociedade Brasileira de Zoologia e pelo diretor do laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan,  Otávio Marques. Os biólogos lembraram que a pesquisa com os animais é essencial para o descobrimento de novos venenos e desenvolvimento de novos remédios e vacinas. Marques lembrou também da importância dos estudos de base para definir políticas de preservação ambiental junto ao governo.

Infraestrutura

Após o acidente, apareceram várias críticas quanto a infraestrutura do prédio e a falta de um sistema de combate a incêndio. O Ministério Público abriu inquérito para investigar se houve negligência da diretoria do Butantan sobre o caso. Os próprios frequentadores admitem a falta de segurança do local: “Os bombeiros chegarem, perguntarem onde que fica o hidrante, e não ter um hidrante por perto, é triste” lamenta Felipe Curcio. E completa: “não estou dizendo que é culpa do Instituto Butantan. A culpa é de ser brasileiro, estar nesse terceiro mundo e dar o valor que a gente dá para a ciência”.


Incêndio destrói raridades

O pesquisador Felipe Franco Curcio destaca alguns dos inúmeros exemplares raros do acervo do Instituto Butantan que podem ter sido perdidos durante o incêndio
Bothrops alcatraz (ilustração: Hugo Neto)Bothrops alcatraz

Espécie de Jararaca da ilha de Alcatrazes. Alimenta-se de centopéias, e seu veneno ainda não havia sido estudado.

Corallus cropanii (ilustração: Hugo Neto)Corallus cropanii

Originária da Mata Atlântica. Chegou a ser considerada praticamente extinta. Não existem fotografias coloridas do animal.

Apostolepis longicaudata (ilustração: Hugo Neto)Apostolepis longicaudata

Espécie do Cerrado brasileiro. O único exemplar conhecido, datado de 1921, aparentemente se perdeu no incêndio.

Uromacerina ricardinii (ilustração: Hugo Neto)Uromacerina ricardinii

Espécie rara da Mata Atlântica e de alguns pontos na Amazônia. Pouco se sabe sobre sua biologia e relações de parentesco.