Com cara de aluno

Aos 28 anos, a cineasta Vera Egito já acumula passagens por vários importantes festivais. “Espalhadas pelo ar”, seu curta de estreia, produzido como trabalho de conclusão do curso de Audiovisual, encerrou a Semana da Crítica de Cannes em 2009. “Foi um filme muito universitários”, conta a diretora, hoje trabalhando com publicidade e já com um longa-metragem engatilhado.

Em entrevista ao Jornal do Campus, Vera fala sobre a repercussão do seu trabalho, a atual situação do mercado audiovisual e a importância da Universidade na sua formação e nas suas criações.

Pôster de "Espalhadas pelo ar", de Vera Egito (foto: DivulgaçãoO
Pôster de "Espalhadas pelo ar", de Vera Egito (foto: DivulgaçãoO
Jornal do Campus: “Espalhadas pelo ar”, logo que lançado, recebeu o prêmio da semana de crítica em Cannes. Como foi estar diante de tantos cineastas cujo trabalho você provavelmente acompanhava?
Vera Egito: Na verdade começou quando o Espalhadas pelo ar, que é um TCC, foi para Brasília, para o festival de cinema de Brasília e, guardadas as devidas proporções, a sensação é parecida – porque é um trabalho de estudante, e até bem pouco tempo você estava distante daquele mundo. E de repente você está ali, junto de pessoas que você admirava. Não de igual para igual com elas, claro, porque você é iniciante, mas no mesmo ambiente, meio que dividindo aquela história. Porque Cannes, e em menor proporção, Brasília, têm história. Então muita gente que eu admiro passou por lá. Então você se sente meio filiado aquilo. Se sente meio parte daquilo. ‘Apesar de estar começando, eu já faço parte dessa história’, acho que foi o que eu mais senti em Cannes. É um festival muito voltado para o mercado. Embora não pareça, visto de fora, existe lá um mercado grande de comercialização de filmes. E, com o curta você fica meio fora disso, só assistindo, mas é importante para aprender como é um business também, que a gente não tem essa dimensão na faculdade. Todo mundo tinha mil reuniões e mil coisas para fazer no festival – não é tão lazer quanto parece. Eu não tinha essas reuniões, porque não tinha esse lance comercial, mas ficava atenta, prestando atenção a tudo. Acho que é como quando você começa em um negócio que você não compreende muito bem: você fica assistindo e achando tudo estranho, e tudo maravilhoso. Foi muito bom.

JC: Você falou que não tinha essa dimensão de business de Cannes. Como você enxergava o festival?
VE: Tinha essa parte, claro, de exibir os filmes, como em todo festival. Mas tem também uma coisa chamada Marché du Film, no Palais – que é quase como um grande shopping, só que vazio, com vários andares – em que tinham lá os estandes de cada país. Então, tinha lá o filme do Brasil, o cinema do Brasil, que era o comitê brasileiro. Então produtores e distribuidores participam, cada um no [estande] do seu país, comercializando mesmo o filme:  você chega no estande de, sei lá, do Egito, da Turquia, e fala “eu tenho esse filme e quero comercializar aí”. E o filme pode nem estar passando no festival. É um lugar onde as pessoas vão fazer negócios. E eu não imaginava isso.

JC: Mesmo porque a gente sempre pensa em Cannes como associado ao cinema de arte. Você falou sobre esse choque em relação ao festival. Mas, pensando em termos de mercado de trabalho, de atuação profissional – você acha que, entre aquilo que você idealizava enquanto estudante, e aquilo que você encontrou atuando na área, existe uma diferença? Houve também um choque, uma surpresa?
VE: Eu acho que pra mim foi meio que positiva, a surpresa. Comecei na faculdade ainda, fazendo estágio e trabalhando em filmes de amigos já formados. Depois entrei em uma produtora pequena de publicidade, fazendo uns vídeos institucionais. Depois comecei a dirigir e fazer roteiro de institucional para outra produtora…então eu fui sempre tendo trabalhos, tanto em cinema entretenimento quanto em publicidade. E é assim essa realidade…no cinema, muitas vezes trabalhei sem receber. Mas na parte de publicidade já recebendo cachês. Tanto que hoje eu trabalho como diretora de filmes publicitários, que eu acho que é um mercado – é o mesmo ofício que se aprende na faculdade de cinema, voltado para outra coisa.
O filme publicitário tem um objetivo primeiro que é o produto, vender aquele produto, e ele não é seu como diretor. Na verdade ele é do cliente, que está pagando por ele; da agência, que criou o roteiro; e seu, no que te cabe. Então a relação é bem diferente da que você tem com o cinema, é outro processo. Porém, a parte técnica é a mesma. Agora, foi uma surpresa positiva, porque se fala muito que “ah, você vai fazer cinema, não vai ter emprego”, o que na verdade é uma bobagem. Porque ninguém tem emprego, é difícil para todo mundo. Então foi uma surpresa boa, porque desde o segundo ano eu sempre estive trabalhando. E dos amigos e pessoas que conheço acho que foi todo mundo assim. Tem gente que não tá fazendo publicidade porque não se interessa. Então aí é mais difícil, ganha menos, são trabalhos menos gratificantes financeiramente, talvez mais gratificantes emocionalmente, não sei…mas, para mim, as coisas foram caminhando de um jeito bacana. Então, foi ótimo.
Mas, também tem uma coisa – eu sou muito focada no trabalho. Na verdade, eu só trabalho – mesmo na faculdade, eu não ia nas festas, não ia pro Juca (Jogos Universitários de Comunicações e Artes), tava sempre trabalhando, querendo passar direto do semestre, fazendo tudo quanto era estágio, trabalhando de graça. Isso sempre foi minha prioridade e é ainda. Se você quer alguma coisa, você tem que trabalhar.

JC: E você está satisfeita trabalhando com publicidade, ou você quer trabalhar mais com cinema?
VE: Eu estou muito satisfeita, mesmo porque eu estou começando na publicidade ainda: estou fazendo meu terceiro filme publicitário, em co-direção com o Carlos Manga Jr. E para mim é muito legal, porque eu só quero evoluir na publicidade – é um mercado muito difícil, é muito difícil te respeitarem. E é muito dinheiro envolvido, orçamentos são muito grandes, uma responsabilidade gigante. Esse filme, que a gente vai fazer, o orçamento é de R$700.000. E você tem que manejar tudo isso: tem as expectativas do cliente, as expectativas da agência, então eu ainda estou engatinhando. E quero evoluir muito na publicidade, e estou super-satisfeita com essas oportunidades.
Quanto ao cinema, eu acabei de fazer o primeiro tratamento do meu longa, cujo título provisório é “Maria Antônia”, sobre o conflito da rua Maria Antonia em 1968, cujo argumento ganhou o edital de roteiro e desenvolvimento da prefeitura de São Paulo. E é esse o projeto do meu primeiro longa. E, claro, longa demora. E isso é uma coisa muito legal da publicidade também – você filma. E, eu fiz meu último curta há um ano e meio, vou ficar quatro anos sem filmar? Eu não entendo isso na minha cabeça. A publicidade é legal porque você está sempre filmando – o roteiro chega hoje, na outra sema você já filma, e na outra tá no ar. Então exercita muito.

JC: É um ritmo diferente e também existe um certo grau de impessoalidade – você tem uma equipe trabalhando e tem também as expectativas do cliente. Pensando um pouco nisso: o “Espalhadas pelo Ar” foi você que dirigiu, foi você que escreveu. Em seu outro filme, “O Elo”, foi o mesmo processo. Como foi ter feito esse filme tão mais pessoais? O que você vê de seu neles e quais foram suas referências para filmar?
VE: O “Espalhadas” começou como TCC. Quando eu entrei na faculdade eu não tinha essa dimensão de escrever, eu entrei com a ideia de fotografar, mas a faculdade foi me levando para outros caminhos, e o principal deles foi escrever. E foi dando certo – o filme foi escolhido para ser feito em 35mm, só um é escolhido para ser feito em 35mm, por uma questão de verba. Ele foi escolhido e acabou virando o principal projeto do ano. Então é legal quando você pensa uma coisa e aquilo te dá retorno, então você se anima mais ainda. E teve um outro concurso, o prêmio estímulo, e eu estava com essa ideia do “Elo”, que na verdade era um conto que eu tinha escrito, coisas que eu escrevo, assim, aleatórias, sem motivos. E eu mostrei para alguns amigos, mas para mim aquilo não dava um filme, porque era muito “a menina lembrando”, sabe? Para mim não tinha imagem ali, e eu não botava muita fé. E quando faltava um dia para encerrar as incrições pro Prêmio Estímulo, me deu a louca e pensei “quer saber? Vou mandar”. Porque a primeira etapa é simples – você manda o roteiro, seu RG… mandei, e aí foi para a segunda fase. Falei – opa! E foi, ganhou o prêmio e filmou. E foi quando eu vi que escrever é uma coisa que é realmente o meu caminho.
Um pouquinho antes de “Espalhadas”, o Heitor Dhalia tinha me chamado para co-escrever o “À Deriva”, mas meio na louca também, porque eu nunca tinha escrito nada. A gente tava batendo um papo sobre a ideia, quando eu dei outra ideia em cima da ideia e ele falou “nossa, vamos escrever juntos”. E eu nunca tinha escrito nada… mas ele falou que “tudo bem, então eu escrevo e você vai acompanhando o processo, trazendo essa visão mais feminina”. E ele escreveu, e eu junto o tempo inteiro. Então foi um processo muito de aprendizado. E quando eu vi eu já era roteirista – já tinha um longa, já tinha dois curtas, pessoais. Mas, ao mesmo tempo, não foi um projeto – “vou ser roteirista e fazer projetos pessoais”… foi uma coisa que foi acontecendo.

JC: Você fez dois curtas, depois partiu para um longa metragem. Você sente muita diferença entre trabalhar em curtas e longas? Qual você gosta mais de trabalhar?
VE: Em longa mesmo eu trabalhei no “Cheiro do Ralo”, em que eu trabalhei como assistente de direção. No À Deriva eu fui nas filmagens, fiquei quase um mês lá, acompanhando as filmagens, mas como roteirista – ou seja, nada, só olhando, porque eu acho que roteirista não tem que dar opinião nesse momento. E eu acho que a diferença não é só o tempo não. Na verdade, é uma consequência do tempo – a equipe vira a sua família. Como no “Cheiro do Ralo”: era um filme de diurnas, você acordava as cinco da manhã todo dia, seis dias por semana, 12 horas de trabalho, e você sai dali exausto. E você não sabe o que está acontecendo – não sabe se é aniversário da sua melhor amiga, se seu irmão tá doente, você não sabe de nada e é muito cansativo. Você come e dorme, para acordar às cinco de novo. E nisso se vão dois meses. Então aquelas pessoas dali viram tudo o que você tem. Num longa acontecem grande amores, grande inimigos, gente que se odeia, gente que se ama, é surreal o nível de conflito. E de amizade também, mas que às vezes acaba e ninguém mais se ve. E o curta não: são três diárias, quatro diárias. Então não dá tempo de todas essas complexidades humanas aflorarem. E tem o compromisso comercial também – como diretor, se você vai fazer um longa, é muito mais dinheiro envolvido. É um peso, e curta não tem esse peso.

JC: Em uma entrevista, a Esther Hamburguer disse que “Espalhadas” tem um certo grau de experimentalismo, e por isso fez tanto sucesso. Você acha que ousou fazendo o filme?
VE: Engraçado, porque na verdade eu acho que não. Eu experimentei porque eu nunca tinha feito. E eu acho que, no fundo, eu nunca tive esse projeto de fazer filmes que realmente inovassem a linguagem ou a estética. Porque eu tenho uma coisa muito com a história, de querer contar uma história legal, de querer que as pessoas se envolvam. Eu penso muito em coisa do tipo – como vai ser a casa dessa menina, qual vai ser a roupa que ela usa, e acabo desenvolvendo uma paleta de cor, tudo voltado para aquele mundo dos personagens. Não sei por que a Esther acha isso. Talvez por causa da ligação emocional entre os personagens o que, se você parar para pensar, em curta não é muito comum – não é muito comum as pessoas se ligarem a narrativas em curtas. Eu acho muito importante a estética, pensar a estética do seu filme, mas não acho que ela tenha de ser, necessariamente, revolucionária.

JC: Como foi o apoio da Universidade para a realização do “Espalhadas”?
VE: Apoiou muito. Ninguém tem equipamento de cinema, mesmo produtoras. Só as locadoras de equipamentos. Mas a ECA tem convênios que permitem, num TCC, que você use câmera 35mm de graça, use equipamentos de luz com descontos de 90%. E colocam isso tudo nas mãos de estudantes, uma lente de câmera que custa U$200, sem garantia nenhuma. Então é um apoio imenso, se você for pensar nesse sentido material. Além disso, tem o apoio do orientador. Minha orientadora foi a Vânia Debs, e eu acho que ela é minha orientadora até hoje. Eu ainda mando os roteiros que escrevo para ela. E nunca teve uma imposição de “você tem de fazer o que eu estou falando”, mas de mostrar caminhos, de mostrar soluções em momentos em que eu não sabia o que fazer, porque eu nunca tinha feito aquilo. E espalhadas é super universitário: toda a equipe é também de formandos de audiovisual. Então foi super universitário, acho que é um filme 100% USP.

JC: As personagens foram inspiradas em uma amiga sua, que também tirava a roupa quando ia fumar, não é?
VE: No começo, ela não gostava que eu falasse isso. Na verdade, não é que essas personagens foram inspiradas. A Jasmin Tenuti, que também é ex-aluna de Audiovisual, acho que ela já se formou, não sei, em uma vez quando  a gente estava batendo papo, e ela contou quando ela começou a fumar, porque eu nunca fumei, acho que a gente estava falando disso. Nunca gostei de cigarro, já tentei fumar aos 14 anos, mas eu não gostava de jeito nenhum, mas aí ela falou: “Nossa, eu tentei e consegui!”.

JC: Ela estudava com você?
VE: Não, acho que ela entrou um ou dois anos depois de mim. E ela falou: “A gente ia para a escada do prédio, para fumar, eu e as minhas amigas, e a gente tirava as roupas para não ficar cheirando”. Mas ela falou disso como se não fosse nada. Eu falei: “Mentira, o que é isso? Do que você está falando? Que imagem surreal”. Aí eu perguntei se podia escrever algo sobre isso um dia. Ela disse: “Pode. Se você acha que pode sair alguma coisa disso”. Meses depois, saiu o “Espalhadas”. Mas a história da menina não tem nada a ver com ela, não é biográfico. Não quero compromete-la. Foi só a questão do cigarro. Porque é isso, as vezes é uma imagem que te dá um “click” e você fala “poxa, isso dava uma história!”. Ou as vezes é uma pessoa, uma palavra, um quadro. Então, foi essa imagem que a Jasmin fez na minha cabeça que eu falei “poxa, isso seria legal!”.

JC: E o convívio com outros colegas da faculdade, assim como as experiências que você teve na Universidade, já serviram para outras criações?
VE: No audiovisual se faz tudo muito em grupo, desde os primeiros trabalhos. Principalmente no começo, quando não tem divisão entre roteiristas, editor, produtor. A gente senta junto e todo mundo pensa, todo mundo faz, todo mundo organiza. Então quase que não dá pra mensurar isso. Na verdade, toda a minha formação como realizadora foi um processo coletivo. Tem uns momentos individuais em que você vai e estuda sobre um livro que você pirou, ou um filme que você pirou. Mas a produção é toda junto. No mercado é a mesma coisa, são muitas funções diferentes. Você pensa uma coisa, e o cara dá uma outra opinião que melhora o que você pensou. Quando fica pronto, é difícil falar…

JC: É um projeto mais conjunto, não é?
VE: É. Claro que, por exemplo, a direção é minha, a produção é dele, a direção de arte é dela. Porém o resultado disso tudo é muito misturado. A diretora de arte faz uma foto e depois revela, aquilo gera um cenário, a atriz vem e pensa que a cena podia girar em torno daquilo… Quem inventou? Não sei quem inventou. Foi todo mundo.

JC: Falando sobre o “Espalhadas”, desde aquele primeiro gatilho que você teve a partir da história da sua amiga até a finalização do curta, quanto tempo se passou? Como é que foi ter filmado, ter escrito?
VE: Começou em 2006, era meu último ano na faculdade. Se eu não me engano, no final do 3º ano você já tem que apontar que você tem um projeto, que você está fixo nisso. No final de 2005, eu tive que escrever um primeiro tratamento porque a gente já tinha que entregar alguma coisa para falar “ano que vem, vou investir nisso”. No começo de 2006, tiveram umas leituras coletivas dos roteiros e debates. No final do primeiro semestre de 2006, eles escolheram quais iam ser os projetos a ser desenvolvidos. Então, entre fazer o roteiro e a escolha, foram sete meses. Aí tinha mais seis meses para organizar a produção porque a gente filmou no comecinho de 2007. Com isso, já foi um ano e pouquinho. O filme estreou em setembro de 2007 no Festival de Brasília. Foi a primeira vez que eu o vi pronto numa tela de cinema. Então foi de dezembro de 2005 a setembro de 2007 o processo inteiro. Quase dois anos, um pouquinho menos.

JC: Foi o primeiro filme que você exibiu fora da Universidade?
VE: Sim, foi o primeiro filme que eu dirigi…

JC: E a apresentação para o público foi direto em Brasília? Como foi isso?
VE: Foi apavorante. Porque quando a gente se inscreveu em Brasília, eu já não acreditava que o filme fosse entrar, porque esse Festival tem uma tradição de filmes mais políticos, de filmes que debatem mais a realidade brasileira, no sentido mais social mesmo. Então eu falei “não é a cara do Festival, duvido que entre”. Acabou entrando, o que já foi uma surpresa. Quando saiu o programa do Festival, ele ia passar na primeira noite, antes de um longa. E isso é muito aterrorizante também em Brasília, porque os curtas passam antes dos longas, e as salas ficam lotadas. Eles tem espaço para quase mil pessoas. E tem uma coisa lá de vaia, tanto que eu vi um filme sendo vaiado lá e foi a coisa mais horrível que eu já vi na vida.
Então eu estava com muito medo. Primeiro de exibir um negócio que você fez, porque a gente não tem a dimensão do que é isso e nem do quanto é importante. Você acaba dizendo “eu faço porque eu quero, porque eu acho legal, faço para mim mesma”, e é mentira. Você faz para mostrar e para ser amado. Essa é a verdade. Então na hora em que você vai mostrar, o maior medo é ser odiado, o que também faz parte. Se odiaram é isso aí. Você pode se rever ou não. Mas também é uma experiência de artista ser odiado.
Felizmente não foi o caso dessa estreia. O filme foi muito aplaudido. A gente saiu da sessão e um monte de gente veio falar com a gente, para fazer entrevistas. Foi muito engraçado. Tinha um pessoal de estudantes de cinema querendo tirar foto e eu pensando “O que está acontecendo? O que é isso?”. Foi muito chocante. Agora, antes de o filme passar, você fica sentado na primeira fila, a mestre de cerimônias anuncia os filmes que vão passar naquela sessão, chama você pelo nome, você sobe sozinho, tem um foco de luz de acompanhando e você tem que apresentar o filme. Então foi muito apavorante, meu coração estava batendo muito rápido, suando, foi muito físico, muito medo. Foi uma estreia em todos os sentidos.

JC: Em Cannes a recepção foi boa também?
VE: Foi boa. Na verdade, o “Elo” passou na abertura da Semana da Crítica e o “Espalhadas” no encerramento. Não é tão caloroso como no Brasil. Ainda mais na Semana da Crítica que é um espaço que é não é o principal, é a mostra paralela, num cinema menor. Uma coisa mais dos críticos, mais conceito. Não é uma coisa de público como o Festival de Brasília. Aplaudiram, não sei se vaiam lá, mas eu não senti esse amor. Quem ama os filmes  é o Jean-Cristophe Berjon, que é o organizador da Semana da Crítica, ele achava o máximo. Uma das selecionadoras nem sabia quem era a Elis Regina. Ela disse “Eu amei seu filme, batalhei muito para ele entrar, eu chorei”. Eu perguntei se ela já tinha ouvido a Elis Regina. Ela disse “Não, não sabia nem quem era”. Ela se conectou de algum jeito com aquilo. No “Elo” eu não acreditava muito fora do Brasil, porque eu achava que tinha tão a ver com essa memória da morte da Elis, mas não. Agora, não achei tão caloroso…

JC: Mas eles surgiram em momentos-chave…
VE: Foi, em momentos-chave, na abertura e no encerramento. E “Espalhadas” teve uma vida muita engraçada, porque ano passado ainda ele foi pro festival de Biarritz, e ele tá sempre aí. Foi o primeiro curta e ele não para, as pessoas adoram.