Celebridades puxam votos para seus partidos

Candidaturas com apelo midiático indicam espetacularização do espaço político e indiferença da população, dizem especialistas

Em 1958, Cacareco, um rinoceronte do Zoológico de São Paulo, obteve cerca de 100 mil votos para vereador. Se de fato fosse candidato, o animal seria eleito com quase dez vezes mais votos que o melhor colocado na eleição para a Câmara Municipal. Trinta anos depois, o Macaco Tião protagonizou um fenômeno semelhante no Rio de Janeiro. O chimpanzé do zoológico da cidade recebeu 400 mil votos para prefeito, ficando em terceiro lugar entre doze candidatos. Essas manifestações só ocorreram porque os votos eram feitos em cédulas de papel. Desde 1996, com a urna eletrônica, ficou impossível votar em nomes que não são reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Entretanto, a cada nova eleição surgem candidatos pouco tradicionais, como celebridades e figuras consideradas excêntricas ou caricatas. E alguns se tornam fenômenos instantâneos de votos e popularidade.

Em 2002, por exemplo, Enéas Carneiro, ex-deputado federal de São Paulo pelo PRONA, obteve um milhão e seiscentos mil votos. Com sua campanha de apelo dramático e seu famoso bordão “Meu nome é Enéas” , ele atingiu a maior votação da história para o cargo. Em 2006, foi a vez do ex-apresentador e estilista Clodovil, o quarto deputado mais votado do Brasil na ocasião.

Nessas eleições, não faltam exemplos de candidatos sem tradição política, como Tiririca (PR-SP), Mulher Pêra (PTN-SP), Netinho de Paula (PCdoB-SP), Ronaldo Esper (PTC-SP) e Romário (PCB-RJ), entre outros, que estimulam o debate acerca dos rumos da política brasileira. Enquanto alguns deles apresentam um histórico político anterior, propostas e idéias bem elaboradas, outros nunca tiveram qualquer vínculo direto com a política ou expõem propostas consistentes. Mas o fato é que vêm progressivamente ganhando espaço, tanto no eleitorado como nos próprios partidos.

Contexto político

Para explicar esse processo, o professor de Ciências Sociais da USP, Brasílio Sallum, aponta que candidatos com apelo midiático, como ele denominou, crescem à medida que atraem votos para as legendas. Isso é vantajoso para o partido, principalmente os nanicos, porque a eleição para deputado obedece a um sistema proporcional. Se um político consegue mais votos do que o necessário para se eleger, os restantes são distribuídos entre os outros candidatos do seu partido, que podem ser eleitos mesmo com votações inexpressivas. Devido ao grande número de candidaturas permitidas pela legislação, segundo Brasílio, o eleitor tem dificuldades em conhecer e escolher em quem votar, incentivando candidatos “com prestígio popular, em função da sua posição na mídia.”

Nesse sentido, o professor Elias Thomé Saliba, do Departamento de História da USP, afirma que “o espaço político parece mais distante porque foi ritualizado e espetacularizado e, na ausência de verdadeiras lideranças, ganham projeção apenas aqueles que circulam na mídia – não necessariamente política.” Para ele, isso se acentuou nas últimas décadas porque as promessas trazidas pela redemocratização estancaram na corrupção crônica e na impunidade e, diante disso, “o brasileiro ri para compensar sua cidadania constantemente burlada.” (leia a entrevista)

O slogan de Tiririca (“pior que tá não fica”) é um exemplo disso, já que usa a auto-ironia: ele está afirmando que a política no Brasil não funciona e, por isso, votar num candidato que não possui projeto político ou qualquer conhecimento na área não faria a menor diferença.

Às vezes visto como forma de expressar indignação e descontentamento com os políticos tradicionais, o sucesso de figuras caricatas e cômicas, como Tiririca, “revela mais um desinteresse do que protesto. É uma reação emocional de indiferença e de impotência que reitera o fato de que ainda não superamos uma ética da irrisão em relação ao espaço público” de acordo com o professor Saliba.

A invasão dos “candidatos celebridades”, como aponta o professor de Ciência Política da USP, André Singer, indica um empobrecimento da democracia e do debate político. Segundo ele, essa invasão está inserida numa conjuntura de valorização do “marketing político” que vende candidatos como produtos e, portanto, não tem compromisso com a satisfação do consumidor/eleitor, o que leva à abstenção e apatia política.

Mas, ressalta Singer, esse fenômeno não é uma exclusividade brasileira. Basta lembrar da eleição para presidente do então ator de cinema Ronald Reagan, na década de 80 nos EUA e de Arnold Schwarzenegger, em seu segundo mandato como governador da Califórnia, ou da recente e bem sucedida candidatura-piada de Jón Gnarr, eleito prefeito da capital da Islândia. Singer ainda completa: “Eu não sei como a democracia vai dar a volta por cima, mas quem a tem como valor tem que se empenhar para isso”.