“Já entrei em coma por causa desse trabalho”, conta técnico do apiário

“É preciso pensar como as abelhas”, diz PC (foto: Rafael Ciscati)
“É preciso pensar como as abelhas”, diz PC (foto: Rafael Ciscati)

Nos fundos do apiário, no Instituto de Biociências, há uma sala que exala naftalina. Ali, centenas de abelhas, de todas as formas e tamanhos, permanecem pregadas a placas de isopor. Técnico do Instituto, Paulo César Fernandes se anima diante das amostras: “Voar é a última coisa que a abelha faz”, explica. “Por isso ela não se incomoda em morrer para defender a colméia – isso encurta sua vida em uma semana, dali a pouco ela ia morrer mesmo”.

Trabalhando no apiário desde que esse foi criado, PC, como ficou conhecido, por pouco não teve a vida encurtada graças às Apis mellifera: “Já fiquei em coma por três dias por causa desse trabalho”. Numa viagem de campo, há alguns anos, aspirou sem perceber grandes quantidades de pólen de capim gordura. De volta a São Paulo, começou a sentir-se mal e tomou seu remédio para bronquite. Foi aí que a coisa ficou feia – “Eu entrei desmaiado no hospital, já todo roxo. Minha esposa tinha certeza que os médicos iam dizer que morri”. Ateu convicto, mesmo nessa hora não recorreu à providência: “Não acredito. Na minha família todo mundo é católico. Mas eu acredito na interação de todas as coisas”.

Aos 51 anos, PC já acumula 31 anos de casa. E virou referência no lugar. “Se você quer saber sobre o apiário, entrevista o PC. Ele também é jornalista”, sentencia Sérgio, outro funcionário do local. Formado pela ECA, Paulo sempre quis trabalhar com filmagem científica. Era uma “antiga utopia” manter registros filmados dos trabalhos de todos os pesquisadores. Com ajuda de outros três amigos, montou o projeto de uma videoteca. A ideia, no entanto, não foi para frente. Hoje, a Seção de Audiovisual, onde ficariam os vídeos, não passa de uma sala com alguns microfones e retroprojetores. Mas PC não desanima: “Não consigo me imaginar trabalhando em outra coisa. Quando você se envolve…”

Momentos de aperto, felizmente, são raros – as abelhas do apiário não têm ferrão. O que não significa menos trabalho. Boa parte dos experimentos é realizada em caixinhas dentro das quais as abelhas montam seus favos. Feitas de madeira, com tampa de vidro, são milimetricamente pensadas. “A caixinha é toda simples, mas a gente teve que pensar em cada detalhe. O PC falava, ‘pensa como uma abelha. Como ela vai querer que seja?’”, lembra Sheina Koffler, aluna de iniciação científica do instituto. De tanto “pensar como uma abelha”, PC encarnou de vez a profissão: “Hoje sei mais sobre abelhas do que sobre jornalismo.”

Casado há quase 30 anos, PC é pai de um casal de gêmeos. “Sempre incentivei meus filhos a conviverem em harmonia com o meio-ambiente”, conta. Os amigos das crianças, claro, achavam estranha essa história de trabalhar com abelhas, a ponto de PC ir na escola dos filhos das uma aula sobre seu trabalho.

PC enxerga hoje uma mudança de mentalidade em relação ao meio ambiente: “As pessoas passaram a ter uma visão mais global das coisas, passaram a entender que não estão isoladas do mundo. Mas a atitude continua a mesma”. Apesar disso, nunca foi considerado um eco-chato: “Eu procuro fazer o meu. Se você não levar a sério, eu fiz a minha parte.” E,com essa filosofia, segue tranquilo.


Ficha

Nome: Paulo César Fernandes
Idade: 51 anos
Naturalidade: São Paulo
Profissão: técnico do IB; jornalista de formação
Gosta de: abelhas
Não gosta de: propaganda eleitoral