Paulistas reagem às culturas de migrantes

O manifesto online “São Paulo para os Paulistas” critica a perda da identidade do Estado, devido à inserção da cultura nordestina

“O paulista olha ao seu redor e se vê um estrangeiro em sua própria terra”. Assim começa o manifesto “São Paulo para os paulistas”, que defende a recuperação da cultura do estado frente à suposta desvalorização que estaria sofrendo devido às migrações, em especial de nordestinos. O manifesto foi publicado em forma de petição online no dia 15 de junho e já possui mais de mil assinaturas, vindas de diversos municípios paulistas e mesmo de outros estados brasileiros.

Fabiana Pereira, idealizadora do manifesto, comenta que, “em São Paulo, há um desequilíbrio causado pelo excesso numérico e cultural de um grupo”. Ela se refere aos nordestinos, que vieram sobretudo a partir da década de 60.

Segundo dados do IBGE, um em cada cinco moradores da capital do estado é nordestino. Parece muito, mas no Brasil a proporção é maior: os moradores do Nordeste representam um terço da população brasileira.

O manifesto vem recebendo inúmeras reações de apoiadores e opositores, principalmente em blogs e redes sociais. Uma das demonstrações de repúdio veio de um grupo separatista que também busca a preservação da cultura paulista, o Movimento República de São Paulo (MRSP). Segundo Paulo Roberto da Silva, presidente do movimento, seu projeto passa pelo apoio às tradições do estado, mas não pela restrição a outras identidades. “O Movimento não faria restrições às migrações, pois acreditamos no poder e na dignidade do ser humano, independente de sua procedência. Nossa luta é política e não segregatória”, diz.

Para o professor Anselmo Alfredo, do departamento de Geografia da FFLCH, o manifesto pode ser visto como reação à crise que vivemos. Por alguns, o migrante é demonizado a como personificação de males que o Estado sofre, tais como a carência de serviços públicos, ignorando o papel que ele desempenhou na constituição de São Paulo como pólo industrial a partir de meados do século XX.

De acordo com dados da Receita Federal, o estado de São Paulo gerou cerca de 200 bilhões de impostos no ano de 2009, o que corresponde a 40% da arrecadação do país. Para o Estado, são repassados 25 bilhões, segundo consta no site do Portal da Transparência do Governo Federal.

Dados sobre o PIB paulista e os investimentos federais no estado, que são díspares, podem levar à conclusão equivocada de que o estado se desenvolveu sozinho e sustenta o restante do Brasil, como afirma o manifesto. “Pensar São Paulo como algo isolado da modernização mundial e nacional é um argumento no mínimo enganoso”, diz o professor Alfredo. “Do ponto de vista interno, o maior desenvolvimento das forças produtivas em São Paulo permitiu que as trocas mercantis com outros estados da federação reproduzissem o que ocorria no plano da divisão internacional do trabalho, ou seja, uma relação de trocas desiguais. A resultante disparidade entre os estados é uma das causas da migração que agora busca ser banida, o que é um contra-senso”.

Para Fabiana, a cultura nordestina eclipsa a paulista por ser mais “agressiva”. O comportamento paulista seria mais rígido “no respeito às leis, ao espaço alheio, no método de obter benefícios pelo próprio esforço”; neste contexto, a cultura nordestina teria condições de se impor. Ainda segundo o texto do Manifesto, “a grande maioria dos crimes, violência, fraudes, está relacionada a migrantes”, uma vez que a cultura nordestina é mais propensa à agressividade, “simbolizada no fato de ter como seu grande herói a figura de um ‘cangaceiro’”.
Infográfico: "Diversidade paulistana: migrantes vêm do Brasil inteiro, principalmente do nordeste"

Diversidade Cultural

Para Maria Luiza Marcílio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da USP, estes argumentos não se sustentam: o manifesto revela uma ignorância em relação à nossa história social e cultural, baseada na diversidade. “Esta é uma das maiores qualidades da terra paulista e do Brasil: recebeu sempre, sem preconceitos, todos os recém-chegados, integrando-os inteiramente. Foram e são pessoas de todas as origens, cores, de todos os credos, de todas as ideologias. Esse traço de nossa experiência cultural de solidariedade, de vivo sentido democrático, raro no mundo, deve ser cultivado e valorizado”.

Repercussão legal

A petição afirma que, pela internet, tudo é válido, uma vez que ela é utilizada como instrumento de livre expressão. Mas o fato de os manifestantes declararem que não são racistas e buscarem alternativas constitucionais para restringir as migrações não os livra de possíveis punições legais pelo texto.

“Em primeiro lugar, a Constituição garante liberdade de expressão, mas a condição para exercer esse direito é se identificar, coisa que eles não fazem”, diz Eduardo Ariente, mestre em Direito pela USP. “Parece-me que o que eles estão falando é claramente um manifesto contra nordestinos, o que se enquadra na lei contra o racismo de 1989. O Ministério Público pode instaurar inquérito civil e encaminhar ao Blogspot, onde o site está hospedado, uma solicitação formal para identificar essas pessoas e quem sabe até mover uma ação contra elas. Pode haver uma condenação por danos morais coletivos”, completa.