Campanhas publicitárias de empresas privadas são comuns na USP, como os totens do Itaú espalhados pelo campus há duas semanas. Elas geram críticas sobre o devido uso do espaço público. Para esclarecer como essas ações ocorrem na USP, o Jornal do Campus procurou a Coordenadoria do Campus da Capital (Cocesp), órgão responsável por autorizar esta atividade. Devido à mudança do coordenador na semana passada, único representante autorizado a falar sobre o assunto, as respostas da Coordenadoria foram enviadas por e-mail, como transcritas abaixo.
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“Não há nenhum lucro visado [com esse tipo de publicidade] – entrevista com a Cocesp (Coordenadoria do Campus da Capital)
“O ideal seria uma política transparente sobre essa questão” – entrevista com Francisco Miraglia Neto, professor do IME-USP
Não há nenhum lucro visado [com esse tipo de publicidade]
por Cocesp
Transparência pública
por Redação JC
De acordo com o Art. 37 da Constituição federal de 1988, “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)”. O princípio da publicidade se refere ao fato de que a administração pública deve levar a público atos e contratos que tenha celebrado.
No parágrafo 1º, vemos que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.
É uma questão de transparência. Ela está no âmbito do interesse público que deve estar acima de tudo.
A USP é uma entidade de Administração indireta, por ser uma autarquia, que é autônoma na sua gestão administrativa e financeira.
Jornal do Campus: Qual é o processo da autorização para propagandas de instituições privadas na USP?
Cocesp: Contratos, convênios e licitações públicas.
JC: É cobrado algum valor das instituições? Se sim, como ele é revertido para o campus?
Cocesp: Manutenção e eventos.
JC: Qual é a representatividade desses recursos em relação ao orçamento da Cocesp?
Cocesp: Mínimos e sem grandes volumes, não afetando o orçamento.
JC: Como as propagandas podem estar ligadas aos objetivos da universidade voltados à produção e disseminação do conhecimento? Qual o interesse da universidade nesse tipo de publicidade, além de possíveis lucros, caso eles existam?
Cocesp: Sempre no desenvolvimento de patrocínios a eventos da USP. Não há nenhum lucro visado.
JC: Quando uma instituição, como o banco Santander, oferece bolsas e financia campeonatos (como o Circuito Esportivo USP), é permitido que ele faça propaganda dentro do campus?
Cocesp: Desde que tal fato conste no contrato com a USP.
JC: Quais são as críticas mais frequentes em relação à presença das propagandas de empresas privadas na universidade?
Cocesp: Recebemos apenas cinco!
JC: Existe algum tipo de regulamento no caso dos outdoors, em que Atléticas, CAs e empresas juniores divulgam as logomarcas de seus apoiadores? Existe algum para cartazes?
Cocesp: Não há nada previsto. A consulta deve ser feita ao Conselho Gestor do Campus.
JC: É permitido que bancos entreguem folhetos de abertura de contas universitárias na porta das unidades?
Cocesp: Idem anterior.
JC: Quanto aos relógios espalhados pela universidade, qual é o critério de escolha da publicidade veiculada?
Cocesp: Existe uma licitação pública efetuada.
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O ideal seria uma política transparente sobre essa questão
por Francisco Miraglia Neto, professor do IME
Jornal do Campus: O que o senhor acha das propagandas na USP?
Francisco Miraglia Neto: Eu não tenho menor ideia de como isso é contratado. Eu imagino, e isso é uma especulação, que a razão para fazer isso é o dinheiro. Mas diria que é uso indevido do espaço que a USP tem para anunciar coisas.
JC: A Cocesp informou que o valor ganho com essas ações é irrelevante.
FMN: Então é pior ainda. Porque existem propostas muito melhores para o uso desses espaços. Essa história do dinheiro ser irrelevante tem um outro lado. Com o tempo, ele pode começar a ser relevante e aí, em vez do dinheiro, é preciso abrir mão de autonomia e deliberação.
JC: De que outras formas os espaços publicitários poderiam ser usados?
FMN: O espaço deveria ser utilizado para anúncios de caráter cultural de interesse geral. O campus poderia ser dividido em certas áreas onde a população de fora da USP trafega, como o Hospital Universitário e o Portão 1, e não trafega, como em frente à reitoria. Nos primeiros locais, anunciar o que está acontecendo na Sala São Paulo, quais as mostras de arte, por exemplo. Já nos últimos, a propaganda seria sobre concertos, conferências e palestras que ocorrem muito por aqui. Fazer propaganda desse patrimônio cultural que a USP administra, como o Museu de Arte Contemporânea, mas que é público. Não é Nike, não é Coca-cola – eles inclusive não precisam disso.
JC: E quanto a outros tipos de propagandas, como stands de bancos na semana de recepção aos calouros e feiras de recrutamento?
FMN: Esses usos são bastante discutíveis. O ideal seria uma política transparente sobre essa questão e que fosse discutida, mas cujo eixo fundamental fosse a divulgação das atividades culturais, científicas e acadêmicas de interesse geral para quem frequenta a USP.
JC: Mas não há um público aqui que eles pretendem atingir?
FMN: Sim, mas eles podem certamente organizar isto em outro local. Seria melhor que a USP programasse atividades culturais abertas à população. O Anfiteatro Camargo Guarnieri, por exemplo, poderia ser usado para palestras sobre temas gerais.
Agora, qual é a transparência dessas propagandas? Uma justificativa puramente financeira não é suficiente para realizar ações dentro da universidade, porque essa mesma justificativa serve para fazer outras atividades que são incompatíveis com o que a gente concebe de uma instituição pública.
JC: De onde viriam os recursos, então?
FMN: Do orçamento da própria universidade, que também pode fazer um convênio com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, um projeto para a Fapesp, para o Ministério da Cultura ou conversar com o CNPq. É o prestígio da USP sendo utilizado na perspectiva de aumentar o diálogo com a sociedade em que está inserida. A universidade dialoga pouco, até com seus estudantes.