Voto nulo não cancela eleição

Interpretação equivocada de lei confunde eleitores sobre o poder desse tipo de voto

A cada período eleitoral, surgem campanhas de votação nula em massa. Estimulados por boatos, correntes de e-mails e até mesmo cartilhas que ensinam a votar nulo, eleitores manifestam sua insatisfação em relação aos candidatos ou ao sistema político por meio dessa categoria de voto. Defende-se que “se mais de 50% dos votos forem anulados pelos eleitores, será necessária uma nova eleição”. No entanto, segundo Rogério Schmitt, doutor em ciência política e antigo professor da FFLCH, isso não é verdade. O voto nulo, juntamente com o voto em branco, não é computado no total de “votos válidos”. Isso significa que o resultado da eleição só leva em conta quem votou em algum candidato.

A confusão em acreditar que votos nulos têm o poder de eventualmente anular uma eleição se deve à má interpretação do Código Eleitoral e à divulgação dessas informações equivocadas. O artigo 224 da Lei 4737/65 diz que “se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país (…) o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 a 40 dias.” O erro está em pensar que nulidade é sinônimo de voto nulo. A nulidade a qual o artigo se refere é a anulação, pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), dos votos de candidatos em casos de fraude, abuso de poder, corrupção, compra de voto, extravio ou furto de urnas. Somente nesses casos a eleição pode ser cancelada. Schmitt explica com um exemplo extremo: “se todos os eleitores menos um anularem o voto, o candidato que esse um válido votou vai estar eleito. Em tese, se isso acontecesse, a eleição seria considerada legal. Talvez não fosse considerada legítima, mas legal ela seria.”

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Por não serem votos considerados votos válidos, a diferença entre voto branco e voto nulo não se aplica na prática. No ponto de vista objetivo, ambos têm o mesmo efeito, pois não possuem interferência no resultado das eleições. O que os difere é a simbologia. O voto branco significa “tanto faz”: o eleitor apático pensa que qualquer um dos candidatos pode ganhar e nada mudará; ele delega a responsabilidade e o poder de escolha para a maioria. Já o voto nulo é uma manifestação do desagrado do eleitor, que não se identifica com nenhum dos candidatos, pois não são aptos ou dignos de receber seu voto. Para André Singer, professor da FFLCH e especialista em comportamento político e pesquisas eleitorais, ambos são bem distintos. “Para resumir, em princípio seriam votos com sentido oposto. Um de recusa total do processo eleitoral [voto nulo] e outro de aceitação total desse processo, incluindo seu resultado [voto em branco]”.

Essa diferença de significado é uma herança de antes de 1997, quando os votos brancos eram considerados válidos em eleições proporcionais (para Deputado Federal/Estadual e Vereador). Após a Lei 9.504/97 do Código Eleitoral, o voto branco deixou de ser computado em todas as eleições.

Mesmo assim, o Brasil ainda possui uma alta taxa de votos nulos e brancos, em comparação com outros países. Tanto para Schmitt quanto para Singer, grande parte disso se deve à obrigatoriedade da eleição. Em países onde o voto é facultativo, o número de votos nulos e brancos é baixíssimo. Por outro lado, sua taxa de abstenção é muito maior. Nos Estados Unidos, por exemplo, ela fica por volta dos 50%. Em uma pesquisa do Datafolha de maio desse ano, 44% dos entrevistados disseram que não votariam se a eleição não fosse obrigatória. “No sistema de voto facultativo a abstenção é alta, por que quem não está afim não precisa ir votar. Por outro lado, os votos brancos e nulos são baixos. Não faz sentido a pessoa acordar, ir para o local de votação, pegar fila, se aborrecer, chegar e votar nulo ou em branco. Melhor ficar em casa”, explica Rogério Schmitt.