É correto as provas de conhecimentos específicos serem antes das demais?

Algumas carreiras aplicam provas de habilidades específicas para testar a aptidão dos candidatos. A maioria delas ocorre após a segunda fase, em janeiro. Para as carreiras de Música e de Artes Visuais, entretanto, as provas específicas ocorrem antes mesmo das demais, o que gera polêmica entre os professores da USP
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O processo seletivo deve tratar todos os vestibulandos com igualdade de condições – entrevista com Maria Isabel de Almeida, professora da FE
Talvez a graduação seja uma ponte entre o que se fez antes dela e o que se pode fazer depois – entrevista com Ricardo Ballestero, professor da ECA


O processo seletivo deve tratar todos os vestibulandos com igualdade de condições

Maria Isabel de Almeida é professora da FE

Jornal do Campus: O que a senhora pensa sobre as provas de habilidades específicas serem antes das de conhecimentos gerais?
Maria Isabel de Almeida: As provas de habilidades específicas devem ver se o candidato tem capacidade para se desenvolver naquela área, se ele tem as habilidades essenciais para trabalhar nas artes. As provas não podem pedir que o aluno já domine o campo ao qual está se candidatando. Qual é o papel da Universidade? Não é o de formar esse jovem para trabalhar com as artes mais variadas?

JC: A Universidade seleciona alunos que já têm conhecimento específico muito elevado?
MIA: Essa é uma contradição da prova de habilidades. O processo seletivo tem que tratar todos os alunos com igualdade de condições. Eu não posso exigir dos candidatos a um curso muito mais do que se exige dos outros. E quando se pensa o momento dessa prova. Acho que colocá-la antes do vestibular tem um pouco a intenção de só trabalhar com aqueles que já são muito talhados para aquela área, em termos dos conhecimentos que  acumularam até então.

JC: Seria melhor não ter essa prova de habilidades ou que ela fosse depois das outras provas?
MIA: O vestibular para as artes deve seguir os mesmos trâmites de todas as outras áreas. No caso das que exigem habilidades específicas, acho que o procedimento mais correto é colocar a essa prova depois da segunda fase. Assim, estou trabalhando com alunos em igualdade de condições. Aqueles que estão interessados em Música passariam pelo mesmo processo que os demais e veríamos, entre todos esses candidatos, como ocorre em todas as outras áreas, quais têm potencial para estar nessa disputa.

JC: As notas de corte para essas áreas são baixas, pois os alunos se dedicam mais ao estudo das artes do que ao de conhecimentos gerais. Isso é prejudicial aos cursos?
MIA: Não considero que o procedimento correto é privilegiar o estudo de uma habilidade em detrimento de outra formação que permite ao sujeito conhecer o mundo. Não é esse o perfil do estudante USP que queremos formar. Você ter um privilégio, inclusive do ponto de vista dos pesos, de habilidades tão específicas em detrimento dos conhecimentos essenciais para um jovem em formação universitária não é algo que considero correto.

JC: Alguns candidatos aos cursos de arte podem achar desnecessário ter amplos conhecimentos de física, por exemplo. Como a senhora vê isso?
MIA: É um equivoco pensar que quem vai mexer com artes não precisa saber nada de química ou física e quem vai entrar na Poli não tem que entender de história ou filosofia. Nós superamos uma determinada concepção de conhecimento que tínhamos, em que o importante é mergulhar em uma área específica. Não adianta que o médico entenda só do funcionamento orgânico do corpo humano, porque ele tem que entender as circunstâncias sociais em que o sujeito vive. Portanto, geografia e história são fundamentais. E isso vale para todos. O vestibular, de alguma forma, deve tentar ver qual é a base de formação que esses candidatos têm.

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Talvez a graduação seja uma ponte entre o que se fez antes dela e o que se pode fazer depois

Ricardo Ballestero é professor da ECA

Jornal do Campus: O que o senhor pensa sobre as provas de habilidades específicas das carreiras de Música e Artes Visuais ocorrerem antes das demais fases da Fuvest?
Ricardo Ballestero: Creio que essa seja a ordem mais justa de realizar as provas, tanto em relação aos candidatos aprovados quanto aos outros, que ainda podem fazer a prova tradicional em outra carreira, em sua segunda opção. Além disso, o fato de a prova específica ocorrer antes valoriza o conhecimento musical que é, verdadeiramente, o foco principal do curso de Música.

JC: A nota de corte nessas carreiras não é alta, em parte devido à existência dessa prova específica. Dessa maneira, o senhor acha que os curso ou os alunos são prejudicados por essa situação?
RB: Naturalmente, a nota de corte é um reflexo do número de aprovados da seleção da prova específica já que o curso exige conhecimento prévio. Não se trata de um curso de introdução à música. Houve um período no qual a ordem das provas era justamente inversa. Creio que o curso esteve mais prejudicado naquele período que em outros.

JC: Seria melhor que a prova de habilidades específicas ocorresse depois das outras?
RB: A falta de conhecimentos musicais básicos impede o desenvolvimento do aluno de música, mas a falta de conhecimentos em química é irrelevante para o nosso curso! Se eu fosse um candidato, eu não gostaria de ter a chance de mostrar os meus conhecimentos musicais vinculada à aprovação em provas de conhecimento geral. Como professor, eu não gostaria de ver que candidatos que dedicaram anos à música foram eliminados por outros que vão usar a graduação como um curso de iniciação musical.

JC: O que o senhor acha da crítica de que os alunos que passam por essa prova chegam à Universidades já preparados e não para se preparar?
RB: Essa crítica tende a padronizar os alunos em relação à formação musical realizada anteriormente, aos interesses artísticos individuais e à diversidade de aspectos estudados por cada um deles no curso. Leciono disciplinas práticas dessas carreiras, trabalho com alunos de canto, regência e piano, e posso dizer que, apesar de já possuírem treinamento musical, não chegam totalmente preparados. A necessidade de treinamento prévio não pode estar vinculada ao fato de não termos música nos ensinos fundamental e médio. Essa lacuna afeta o curso de graduação, mas não altera a natureza dos estudos musicais. Se decidirem excluir matemática do ensino fundamental e médio, o curso superior em matemática deveria começar com a descrição dos algarismos?

JC: Dessa maneira, o que representa a graduação em Música?
RB: Talvez a graduação em música seja uma ponte entre o que se fez em música antes da graduação e o que se pode fazer a partir desse momento. A ideia de se formar em música e estar pronto pode ser apenas uma ilusão! Os processos ligados à composição, análise, história e interpretação musicais se renovam sempre.

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