Núcleo José Reis é acusado de irregularidades

Acervo doado pelo cientista que dá nome ao núcleo, um dos precursores do jornalismo científico no Brasil, continua inacessível

O Núcleo José Reis fechado há mais de dois meses pelo coordenador geral, Ciro Marcondes Filho, ainda funciona na sede da Associação Brasileira de Divulgação Científica (Abradic), no prédio da Antiga Reitoria. Glória Kreinz, coordenadora de pesquisa do núcleo, e Osmir Nunes, seu marido, garantem manter a produção.

Ciro Marcondes fechou as salas do NJR e retirou o site do ar. A iniciativa, considerada autoritária por Glória, foi justificada como uma tentativa de “moralizar” o núcleo. Em carta, o professor alega que “o Núcleo José Reis era, até recentemente, um ‘negócio de família’, comandado por pessoas estranhas à USP e  […] cobrava dos alunos, jamais tendo prestado contas a ninguém”.

Sala que guarda os livros doados está lacrada (foto: Alexandre Dall'Ara)
Sala que guarda os livros doados está lacrada (foto: Alexandre Dall'Ara)

Ciro, que se negou a falar com o Jornal do Campus, não explica o que o levou a essa atitude somente agora, visto que coordena o núcleo desde 2000. Glória Kreinz diz que o professor nunca exerceu sua função no José Reis. Danilo Bueno, estudante de jornalismo e estagiário até 2007, confirma: “eu posso afirmar que, em um ano que trabalhei lá, só vi o Ciro uma vez”. Danilo disse ainda que Glória, Osmir e Everton Magalhães, genro de Glória, eram quem trabalhavam diariamente no núcleo. Ciro seria responsável apenas por assinar os documentos.

Glória, que não tem vínculo oficial com a USP, diz  ter sido indicada para coordenar a pesquisa do NJR desde sua fundação, em 1991, por José Marques de Melo, diretor da Escola de Comunicações e Artes na época e seu orientador de doutorado. Consultado, José Marques afirmou não a ter indicado para o cargo. Disse que Glória participava do núcleo voluntariamente, assim como vários estudantes da época. Osmir justifica sua presença no NJR com seu doutorado, que tem o núcleo como base de pesquisa. Porém, admite que cumpre, na prática, funções administrativas.

Cargos oficiais

Bárbara Leitão, assistente administrativa da ECA, afirmou que o núcleo foi oficialmente coordenado por um professor da USP durante todo o período que foi ligado à escola. Ela reiterou que a administração da ECA não é uma instância fiscalizadora, portanto não tem como saber o que ocorre na prática.

Desde março de 2008 o José Reis foi transformado em um Núcleo de Apoio às Atividades de Cultura e Extensão Universitária (Nace) e passou a responder à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão. A Pró-Reitoria afirma que o relatório do Nace está sendo analisado pela consultoria jurídica da Universidade.

As contas do José Reis são complicadas. Como todo Núcleo de Apoio às Atividades de Cultura e Extensão, ele não pode receber verbas da USP, deve conseguir recursos de fora da Universidade. Gloria diz que o professor emérito da USP e ex-presidente do CNPq, Crodowaldo Pavan, falecido em abril do ano passado, ajudava financeiramente o NJR: “o professor Pavan dividia a bolsa de pesquisa dele comigo e usava também uma parte da sua verba para custear o núcleo. A bolsa nós recebemos até julho, mesmo depois da morte dele”.

O curso de especialização oferecido pelo núcleo também o mantém. Osmir Nunes conta que o NJR tem um gasto próximo a R$ 5 mil por mês. O curso chegava a render até R$ 4,3 mil reais.

Mauro Celso Destácio, que trabalhou no núcleo até 2007 como editor, disse ter começado como estagiário recebendo uma bolsa Fapesp de iniciação científica em 1997. Após se formar, continuou trabalhando no José Reis e passou a ser remunerado com a verba arrecadada pelo curso de especialização. O valor não passava de R$ 500,00 por mês. “Não enriqueci com o núcleo, longe disso, ninguém ganha dinheiro lá”, disse.

De acordo com a assessora acadêmica da ECA, o curso foi aprovado apenas em 2002. “Na Escola de Comunicações e Artes, nenhuma outra edição da especialização foi devidamente reconhecida”. Osmir Nunes diz, no entanto, que o curso existe desde 2000.

Produção científica

Além do curso, o núcleo produz informativos impressos, três newsletters por mês e os livros da “Coleção Divulgação Científica”. Um dos antigos estagiários do NJR, que não quis se identificar, confirmou o grande volume de produção acadêmica, mas questionou seu conteúdo. “A gente tinha que fechar o informativo, a revista, fechava com qualquer coisa”.

O destino do acervo do NJR é incerto. Independente dos problemas envolvendo a gerência ou “moralização” do núcleo, o prédio B9 dos “barracões” deverá ser demolido, como mostra matéria do Jornal do Campus nessa edição. Não foi informado o que será feito dos livros que faziam parte da biblioteca pessoal de José Reis, cientista que chegou ao cargo de chefe de redação da Folha de S. Paulo. De acordo com o geógrafo e professor emérito da USP, Aziz Ab’Saber, “o acervo é muito importante e precisa ser bem protegido e bem exposto”. Aziz conheceu José Reis e confirma ter dado palestras e participado de um evento no núcleo ainda este ano. O professor é citado por Osmir Nunes numa carta à Pró-Reitoria como um dos apoiadores do núcleo. Apesar de desconhecer a carta, Aziz manifesta apoio à equipe em relação ao acervo: “eu conheço o trabalho deles e admiro muito”. Ele diz, no entanto, não ter conhecimento sobre a produção científica do NJR.