Na bagunça organizada de um ateliê

Para Donizete, a cerâmica é experimentação (foto: Natália Natarelli)
Para Donizete, a cerâmica é experimentação (foto: Natália Natarelli)

É numa das salas do Departamento de Artes Plásticas da ECA, em meio ao pó e à bagunça inerentes a um ateliê, que podemos observar a arte em um de seus estados mais primitivos: na forma de um simples pedaço de barro. “Você faz o que você quiser com argila”, me explica Donizete Jonas, técnico em cerâmica e braço direito de professores e alunos. “Eu não gosto de torno, por exemplo, fica tudo muito certinho. Gosto de coisas mais soltas, de criar”, revela.

Com seu jeito tranquilo e pacato, conta que começou na USP de forma inesperada: como segurança da ECA, há vinte anos. “Era um trabalho sossegado, mas eu não gostava”, afirma. Quando surgiu uma vaga para técnico em escultura em madeira trocou logo de ocupação. Porém, depois de cinco anos, o barulho da serra estava prejudicando sua audição e Donizete mudou de novo, dessa vez para a cerâmica.

Nesses dez anos de convívio com a argila, modelando, queimando, colorindo e experimentando, o técnico criou o seu próprio trabalho, que expõe na Feirinha da Benedito Calixto há quatro anos. Em julho de 2010, também enviou pela primeira vez algumas peças para o Salão de Cerâmica de Curitiba, evento que ocorre a cada dois anos. Conta, porém, que ainda há muito preconceito contra a cerâmica no Brasil: “Por causa dessa cor vermelha que lembra o telhado de casa, as pessoas desvalorizam”. Mesmo assim, não há nenhuma revolta no seu tom de voz e pergunto se existe alguma coisa na vida que o tira do sério. Ele responde, no mesmo instante: “carro me irrita”. E conta que gostaria de sair de São Paulo. “Aqui tem muito trânsito, poluição, muita gente. O ano passa e você nem percebe porque você está sempre acelerado, correndo atrás de coisas”. Descubro que ele nasceu em Umuaramã, no norte do Paraná, e se mudou para cá aos 14 anos com a família. “Foi horrível. Não conseguia nem comer. Eu lembro até hoje do cheiro do gás, era terrível. Antes era fogão a lenha, bem diferente”, diz.

Da USP, ele fala aliviado: “É um refúgio, me salvou. Acho que não ia aguentar ficar fora daqui. Não conseguiria trabalhar em atividades burocráticas. Aqui tem essa liberdade, é um ateliê. Não é como numa empresa privada, onde se você não produz você vai embora”. Se saísse da universidade e deixasse tudo para trás, só viajaria, já que para ele a melhor coisa que existe é a sensação de estar livre. Desligo o gravador e na mesma hora a vergonha do técnico, claramente produzida pelo pequeno aparelho, desaparece. A conversa se torna mais animada e, de repente, uma frase dita por ele resume toda uma história: “fazer o que se gosta prolonga a vida”.