Professor é processado por denunciar ICB

Diretor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) abriu ação disciplinar contra docente que apontou irregularidades na unidade

Órgãos humanos guardados em baldes. Despejo de produto tóxico na rede pública de esgoto. Cadáveres mal conservados, sem identificação e tão desgastados que comprometem o ensino de cursos de saúde. Por ter denunciado tais irregularidades ao Ministério Público e ao jornal Folha de S. Paulo, Esem Pereira Cerqueira, professor do Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), enfrenta processo disciplinar aberto pelo diretor da unidade, o professor titular Rui Curi.

Segundo Curi, o docente teria agido “com o intuito de denegrir a imagem da Universidade”, ao permitir que um repórter fotografasse irregularidades. Cerqueira defende sua conduta como legal:  “Autorizei porque sou o decano do Departamento e, naquele momento, era o responsável pelo local. Tanto o diretor como o vice-diretor não estavam presentes”.

Logo após publicação da matéria, a Consultoria Jurídica (CJ) da USP foi acionada para indicar providências de repreensão ao docente. O procurador Alberto Gonçalves de Souza sugeriu “instauração de processo administrativo disciplinar, visando a aplicação de pena de suspensão”. Cerqueira teme que sua punição já esteja definida: “A CJ nunca havia me ouvido, deu um parecer baseada em um documento da diretoria do ICB.”

Procurado pelo JC para comentar o caso, o diretor do ICB respondeu, através de sua secretária, que “não se pronunciará enquanto a Comissão Sindicante não tiver concluído os trabalhos”. Edson Aparecido Liberti, chefe do Departamento de Anatomia, afirmou não estar autorizado a falar sobre o assunto.

Uma das cubas adquiridas por R$ 56 mil é destruída sem ter sido utilizada (foto: Esem Pereira Cerqueira)
Uma das cubas adquiridas por R$ 56 mil é destruída sem ter sido utilizada (foto: Esem Pereira Cerqueira)
Mudanças

As denúncias de Cerqueira motivaram a assinatura pelo ICB de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao promotor de justiça Arthur Pinto Filho, do Ministério Público. No documento, o Instituto compromete-se a substituir formol, considerado cancerígeno, por glicerina, na preservação de órgãos e corpos humanos. Se a norma não for cumprida até o dia 31 de janeiro de 2011, a USP começará a pagar multa de mil reais por dia.

Outra modificação foi a aquisição de cubas novas para manter partes humanas e a extinção dos baldes d’água contendo órgãos. O Departamento de Anatomia adotou, também, o uso de um tanque apropriado para a conservação de corpos. Em entrevista à Folha, o promotor Arthur Filho, responsável pela apuração dos desvios, disse ser desrespeitoso e inadmissível o tratamento anteriormente dado aos cadáveres.

Outros Casos

Em denúncia ao Ministério Público, Cerqueira afirma que duas cubas de aço inoxidável adquiridas sem licitação, por R$ 56 mil, foram destruídas a marretadas e há indícios que teriam sido vendidas como sucata. O material apresentara defeito desde sua instalação e nunca fora usado. “Por que não exigimos, legalmente, reparo ou troca dos equipamentos logo após sua instalação?”, questiona. Consultado sobre a acusação, Edson Liberti não comentou o assunto.

Limitações práticas em atividades da disciplina de Anatomia são outra queixa frequente entre alunos e professores. Cerqueira diz que há corpos sendo usados há mais de seis anos. Em 2006, alunos de Medicina apresentaram abaixo-assinado apontando o problema. De acordo com Liberti, o entrave é falta de dinheiro: “Seria ideal receber ao menos dois cadáveres por ano, mas eu precisaria de uma verba extra de R$ 10 mil”. Ele afirma que a Pró-Reitoria de Graduação tem um grupo de trabalho incumbido de ampliar a aquisição de novos cadáveres.