Editora de alunos da Letras publica novos talentos de graça

Era uma tarde de março quando Aline Rocha, aluna da Letras e uma das criadoras da Editora Patuá, abriu a caixa de e-mails e encontrou um problema digno do divã: “Tenho um livro e quero publicá-lo. Será que devo? Continue a ler a seguir”. Aline não continuou.

Criada no fim do ano passado pelo casal Aline Rocha e Eduardo Lacerda, ex-estudante da Letras e velho conhecido do front literário dentro do Campus, a Patuá se propõe a publicar novos autores brasileiros que não tenham encontrado espaço nas grandes editoras. Seja poesia, conto ou romance, se o livro é de literatura contemporânea, eles publicam. E sempre gratuitamente. O grande desafio é que poucos enviam uma obra completa para análise.

Eduardo e Aline mostram os primeiros livros da Editora Patuá (foto: Bruno Molinero)
Eduardo e Aline mostram os primeiros livros da Editora Patuá (foto: Bruno Molinero)

“A maior parte das pessoas fazem igual ao Chico Buarque: mandam o primeiro capítulo e esperam que a gente abrace um livro que ainda nem foi escrito”, conta Eduardo. Capítulos, endereços de blog e dúvidas existenciais à parte, quando recebem um livro completo normalmente é uma história vampiresca à “Crepúsculo”. E não é isso o que eles pretendem publicar.

A editora tenta se firmar em um buraco negro da literatura contemporânea, dominado por jornais ou revistas literárias – como a revista “Originais Reprovados”, feita pelos alunos de editoração da ECA. É normal um novo autor encontrar dificuldades para publicar o primeiro livro. Até se firmar e abocanhar uma editora, ele se dedica a coletâneas, concursos literários e publicações especializadas. É nessa brecha que a Patuá tenta atuar.

Eduardo conhece muito bem esse campo. Antigo editor dos já extintos jornal de literatura “O Casulo” e da revista “Metamorfose”, que publicavam novos escritores, criar uma editora que trabalhasse com nomes ainda desconhecidos era uma ideia antiga do casal. “Mas a editora não é filantropia”, garantem.

A dupla vende cada livro por R$25, com uma tiragem de 100 exemplares por edição. Os custos são arcados pela editora. Os autores, por sua vez, ganham 5 exemplares como direito autoral e 5% sobre o valor de capa de cada livro. É preciso vender cerca de 60 exemplares para cobrir os gastos – o que, segundo eles, já foi atingido pelas duas autoras publicadas até o momento.

Uma delas, Juliana Bernardo, é estudante do quarto ano de filosofia da FFLCH. Número que ela nega de pé junto. “Na verdade, estou terceiro ano.” Porém, o site da Fuvest confirma que ela entrou na USP em 2008. Leitora voraz de poesia, seu livro “Carta Branca” foi o primeiro a ser publicado pela editora.

Contudo, Juliana nunca leu o próprio livro depois de editado. “Sou bastante exigente. Não gosto de muitos poemas que estão ali dentro”, conta. O que é uma mentira, segundo Aline. “O livro da Juliana é um dos melhores que já vi. Tanto que foi escolhido para inaugurar a editora”. A solução? Na próxima tiragem, a autora cortará alguns textos e já prepara o próximo livro.

Engana-se quem acha que a estudante foi convidada por estar geograficamente próxima dos editores. Na verdade, Eduardo a conheceu em um site de literatura e a convidou para ser a primeira autora da Patuá. “Deu um frio na barriga, pensei que ninguém iria ao lançamento”, resmunga Juliana, antes de um suspiro de alívio ao se lembrar do evento lotado.

Lotado, aliás, como o outro lançamento da editora. Como a ideia é publicar dois novos autores por mês, não necessariamente vinculados à Universidade, Bárbara Leite e seu livro “Caramelos e Almofadas” foram escolhidos para dividir o palco da estreia. O livro, também de poesia, já ultrapassou os 100 exemplares vendidos.

“Carta Branca” e “Caramelos e Almofadas” foram publicadas entre o fim de fevereiro e o começo de março, mas a editora existe como empresa desde setembro de 2010. Nos cinco meses de aparente vácuo, o casal fez cursos no Sebrae para que o empreendimento não seja só uma aventura. “Está dando certo. Não tivemos lucro ainda, mas também não tivemos prejuízo”, revelam.

As próximas edições, programadas para sair em abril, já estão com os escritores confirmados. Um deles será Rafael Carvalho, formado em Letras e antigo companheiro de Crusp de Eduardo,  que publicará seu livro de contos “A Estante Deslocada”. Já o outro será João Paulo Hergesel, com o livro infanto-juvenil “Anilina, Ziguezague e Desiree”.

O lançamento de João será na cidade de Alumínio, no interior paulistano. Além de ser o primeiro evento fora da garoa de São Paulo, também será o primeiro fora do bar. “Todos os outros lançamentos foram à noite e com cerveja. O do João será à tarde, em uma biblioteca. Vai ser bastante diferente”, brinca Eduardo.

A dupla de editores está convicta de que a USP é um grande mercado para os próximos lançamentos. “O pessoal que enviou material para a ‘Originais Reprovados’ ou mesmo para o projeto ‘Nascente’ pode enviar um livro para a gente. Ou quem sabe poderíamos fazer uma antologia deles”, revelam. Mas Aline logo completa: “é importante lembrar que não fazemos antologia paga. Avaliamos todos os textos”.

Além de estar recheada de autores que escrevem como se derrubassem o Czar, a Universidade é um turbilhão de artistas plásticos, diagramadores e designers,  essenciais para o trabalho gráfico de uma editora.

Quem quiser mostrar seu trabalho ou comprar algum dos exemplares, pode entrar no site da editora (http://www.editorapatua.com.br). E não adianta esperar a feirinha da USP para ganhar 50% de desconto. “Não, nós não estaremos lá”, finalizam.