Professores argumentam sobre os usos e maus usos do espaço físico do campus

Dezenas de pessoas sem vínculo direto com a USP circulam pelo campus da capital. Andam de bicicleta, fogem do trânsito, suscitando questões sobre a utilização desse espaço público para fins que não apenas educação
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Uma possibilidade de ampliar o espaço de lazer para a população da cidade de São Paulo – artigo de Marco Bettine, professor da Escola de Artes Ciências e Humanidades
Não pode acontecer é sua transformação em uma alternativa para a falta de parques – artigo de Pedro Jacobi, professor da Faculdade de Educação


Uma possibilidade de ampliar o espaço de lazer para a população da cidade de São Paulo

Marco Bettine é professor da Escola de Artes Ciências e Humanidades

As áreas de lazer são intrínsecas à urbanização. Não podemos falar de área de lazer em locais eminentemente rurais, da mesma perspectiva. O campo já carrega consigo a idéia de espaço de descanso e potencial de relaxamento, portanto, a idéia de espaços específicos para desfrutar o lazer é fruto da sociedade urbano industrial.

O livro de Alain Corbin, L’Avenenement du Loisir, mostra como na Belle Epoque francesa iniciou-se uma construção de parques para a cidade de Paris, já invadida pelas construções de concreto e ferro do processo de urbanização.

Nesse sentido, não se pode disser que uma grande cidade seja bem servida de áreas de lazer. Uma cidade como São Paulo sempre estará em deficit com o lazer e o verde. E não poderia ser diferente, porque é inerente e característico do processo de urbanização a construção de casas, ruas, avenidas e shopings que limitam e condicionam a possibilidade de espaços verdes, de lazer e de convivência comunitária. Estes últimos estão sempre perdendo espaço.

Uma possibilidade de ampliar o espaço de lazer para a população da cidade de São Paulo seria sua maior Universidade, a USP, permitir a entrada de visitantes para desfrutar dos locais arborizados e bem cuidados. Além disso, o contato com a comunidade em momentos de lazer poderia propiciar uma relação menos formal com a instituição, e aproximar pessoas que, de outra forma, não teriam a possibilidade desse contato.

É importante, contudo, não esquecer que as atividades de lazer urbano dependem de organização, apoio, divulgação e controle apropriados. Ou seja, dependem de investimentos, que não são pequenos, e da preparação de profissionais especializados e competentes. Trabalhando inclusive com a possibilidade de abrir toda a rede de museus e atividades culturais para esta população que, muito provavelmente, não tem condições de desfrutá-las fora do período de fim de semana.

Concluindo, cidades como São Paulo vivem um déficit permanente de áreas verdes e de lazer para a população. A estrutura física da USP poderia ajudar no sentido de melhorar esta situação. Mas isto depende de um projeto abrangente, articulado e cuidadoso para realizar todas as suas possibilidades, envolvendo outras instancias do poder público e também da iniciativa privada.

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Não pode acontecer é sua transformação em uma alternativa para a falta de parques

Pedro Jacobi é professor da Faculdade de Educação

Sou do tempo em que o espaço da USP era mais aberto; de quando se andava com os filhos e se fazia piquenique. Nessa época, começou a existir um uso muito indiscriminado do espaço, e esse começou a se modificar. Antes tínhamos apenas um espaço de contemplação.

O que acontece hoje é que a USP está muito fragilizada. O uso dela já está muito privatizado, com cobranças e usos particulares. Não há corpo de fiscalização para receber todos esses visitantes que diariamente a universidade recebe.

A questão principal é a forma como se administra esse espaço. As pessoas não são muito cuidadosas e o público da USP é muito grande. O espaço não é elitizado, mas já tem um público definido, que são os funcionários, os professores e alunos. O que não pode acontecer é sua transformação em uma alternativa para a falta de parques de São Paulo. Ele é um espaço específico, universitário.

Hoje, por exemplo, a universidade deveria garantir o acesso aos museus, não apenas nos dias de semana, mas também nos finais de semana. Mas a área verde exige uma administração mais delicada, devendo ter seu uso mais restrito. Já no caso das bibliotecas, não vejo problemas na comunidade externa usá-la para consulta.

As ruas se tornaram um lugar que não têm regras. É um absurdo, por exemplo, o uso da raia por carros que querem evitar o trânsito. Esse tipo de ação só traz prejuízo para a universidade. Outro problema é a falta de controle para o uso de bicicletas.

Tenho muita dificuldade em ver como poderia se limitar a entrada de pessoas. Para os carros, não entendo porque até hoje não se tem uma tarja nos automóveis para identificar quem é da comunidade (uspiana). Já o uso de carteirinhas de ciclista não iria funcionar, pois seriam muitas carteirinhas. Também há uma questão democrática: como se justificaria dar a carteirinha para um praticante, mas não para outro?

A principal função da universidade é de pesquisa e ensino, além de oferecer cultura e extensão. Está certo abrir a USP para o público quando se trata de oferecer Cultura e Extensão, mas deve-se garantir a infraestrutura adequada. E a USP carece de auditórios maiores e também uma sala de cinema melhor, para assim poder atender não só os integrantes da comunidade, mas também o público. O que ela oferece hoje é praticamente irrisório perto de sua real necessidade. Acredito que o espaço pode se tornar público se tiver condição de atender toda a demanda e garantir a qualidade desse atendimento.

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