Qual o espaço das fundações na USP?

FIA, fundação ligada a FEA, cria curso pago de Administração. Centro Acadêmico Visconde de Cairu promove evento crítico em resposta. A polêmica levanta o debate sobre o investimento privado na universidade pública
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A Fundação é essencial no processo administrativo da Universidade – artigo de Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes
A Universidade que crie uma fundação pública para gerir estes recursos e estes convênios – artigo de João Zanetic, presidente da Adusp


A Fundação é essencial no processo administrativo da Universidade

Eugênio Bucci é professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA)

As Fundações são essenciais à Universidade. O problema é que elas podem abrir portas para a sua privatização, quando ela inverte prioridades e hierarquia de valores. Elas podem, mas não necessariamente fazem isso. Como são instituições privadas, elas possuem facilidades de arrecadação e administração. É a principal fonte administrativa e instância de gerência de obras dentro da Universidade.

Como arrecada recursos, ela passa a ter poder e influência, o que pode privilegiar atividades mais atrativas para o mercado. A administração privada e, portanto, as Fundações, não necessitam abrir processos licitatórios para tudo que querem comprar. Portanto, posseum mais fluxo administrativo. De um ano para outro, não há necessidade de fechar contas para divulgação, aspecto que trava todo o processo da gerência pública em projetos de mais de um ano de duração.

A administração privada exige muito menos constrangimento burocrático do que na gestão pública quando para captar recursos para uma pesquisa ou consultoria. Algumas fundações da USP, como a FIP são de referência.

Vários aspectos fazem a Fundação essencial para a Universidade e isso não é só na USP, nem só no Brasil. Muitos falam que a solução é a extinção das Fundações. Mas isso não resolve nada. O que deve ocorrer é o enquadramento dessas instituições dentro do espírito da universidade pública, para não ocorrer inversão de valores.

A Universidade não pode se envolver apenas em atividades de mercado. Senão, o caráter público vai se esvaziando e a instituição se torna um anexo do mercado.

A ligação da Universidade Pública com o mercado não é problemática a priori. Essa é uma de suas funções. Ela não é oposta ao mercado. Em toda sua história, ela esteve ligada ao mundo do trabalho. Mas não pode estar subordinada a ele. Ela deve ser livre.

A UFMG, por exemplo, soube regular a presença de Fundações. Ela estabeleceu uma relação benéfica com as instituições privadas, hoje responsáveis por grande parte de suas obras.

Uma fundação não alinhada com os princípios da instituição pública pressiona vetores de privatização. Privatizar significa subordinar a instituição a critérios de mercado e interesses privados. Ela é essencial no processo administrativo da Universidade.

A Universidade pública não é sinônimo de Universidade gratuita. Os cursos pagos, em princípio, não devem existir, mas há situações em que ele é necessário.

Quando a Universidade se torna dependente da Fundação, ela morre.

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A Universidade que crie uma fundação pública para gerir estes recursos e estes convênios

João Zanetic é presidente da Adusp

As fundações privadas existem há décadas já que os regimentos da administração pública, entre eles as licitações, podem atrasar o desempenho de determinadas funções de pesquisa e tecnologia. Uma fundação privada, porém, não precisa respeitar cláusulas da administração pública, por exemplo para compra de equipamentos. Não é preciso passar por toda a tramitação e transparência que são exigidas de um ente público.

Muitas fundações ditas de apoio à USP se apoiam e se apoiaram tanto na USP, que usaram até a logomarca da universidade: eram FIAUSP, Fipe-USP. Hoje, já não podem mais fazer esse uso, por conta, inclusive da luta que a Adusp fez por meio de seus dossiês.

O pior é que os dirigentes de praticamente todas as fundações privadas ditas de apoio à USP eram professores da universidade, o que representa um conflito de interesse.

No final dos anos 90, a Fipecafi criou um curso privado de Atuária, com a aprovação do MEC. Assim que foi divulgada a possibilidade da existência dele, a Pró-reitora de Graduação, Martha Grenoble, da FD, protestou alegando conflito de interesse entre a fundação, cujos donos são docentes da FEA, e a Fipecafi e o curso não se realizou.

O comportamento da USP mudou. Hoje, nós temos um curso privado da FIA (Fundação Instituto de Administração), cujos donos são docentes da USP.

A Adusp foi supreendida no final de 2010 com a abertura vestibular para um curso pago e que existia uma Faculdade de Administração, que já existia desde 2000. Era meio secreto. A FIA criou uma faculdade, mas não realizou sua intenção ao longo da década passada por conta do conflito que ela estava vivenciando de cobranças do ministério público, tanto que elas não têm mais sede dentro do Campus. Agora, elas estão quase dentro, a 300 metros da Cidade Universitária.

É um conflito ético e de interesses. A Universidade prioritariamente deveria funcionar com os recursos que vem dos impostos, recursos públicos. E se a Universidade quer manter vínculos com o mercado, ela que crie uma fundação pública para gerir estes recursos e estes convênios, e não uma fundação privada que acaba sendo um biombo para interesses privados.

Embora se alegue que o curso da FIA não tem docentes da FEA, são docentes da FEA que pagam os professores da FIA. E mais, concorrendo com o curso público da própria FEA.

O orçamento de 2003 e 2004 da FIA é da ordem de R$ 60 milhões por ano, e repassava para a USP naquela época no máximo R$3 milhões, ou seja, nem 5%. Essa benfeitoria beneficia quem?

Se é para haver projetos de pesquisas aprovados pelas unidades e que eventualmente são de recursos privados, que esse recurso privado venha para a Universidade, mas administrado por uma fundação pública.

Essa discussão deve ser feita de forma transparente. Nessa gestão, nem as reformas dos prédios são transparentes. Embora o reitor diga que não é autoritário, uma vez que todas as suas decisões são aprovadas pelos conselhos, comissões e pró-reitorias. Nunca vi um anúncio no Jornal da USP ou no USP Destaques – órgãos oficiais da Reitoria – convidando os órgãos ou os dirigentes de departamentos a publicar as suas reivindicações de prédios.

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