Decisão do STF polariza debate dentro da USP

Entre as opiniões dos que são favoráveis e contrários à união homoafetiva, gama de pontos de vista é o que se tem na universidade

Fora dos portões da USP, a imagem da Universidade é uma só: a de um local cheio de pessoas liberais e moderninhas. Mas não é bem assim. Como em qualquer lugar, o setor conservador coloca as mangas de fora. E nada como a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) da última quinta-feira para fazê-los chiar.

“O casamento gay deveria ser banido”, reclama um aluno da FEA sem mais explicações. Outro logo completa: “aqui ninguém é liberal. A gente não libera nada”. Segundo ele, como os homossexuais representariam um desvio dos bons costumes, o reconhecimento da união homoafetiva seria um absurdo. “Não é natural”, finaliza o aluno.

Os uspianos que são contra a decisão do STF têm um discurso um pouco diferente das pessoas de fora da universidade. A religião não influencia tanto. “Sou ateu e mesmo assim não gosto de gays. Acho que foi uma ‘puta cagada’ do STF”, conta um aluno da FFLCH.

De acordo com um estudante da mesma faculdade, não é porque as pessoas estudam na USP que elas devem ser obrigatoriamente favoráveis à causa dos homossexuais. “Eu sou contra e ponto. A USP está cheia deles, mas ninguém é obrigado a virar gay ou a gostar disso. Eu vou a festas, e o que mais tem é ‘viado’ querendo pegar em você. Eles não respeitam os heterossexuais”.

Mesmo assim, achar quem se disponha a falar que é contra a união homoafetiva não é fácil. O JC cansou de encontrar alunos que não apóiam, mas que se negam a explicar o porquê. “Prefiro não comentar” foi a frase mais ouvida pela redação.

Liberdades e Opções

“O problema é que eles (contrários ao movimento gay como um todo) confundem liberdade de expressão com agressão verbal”, conta Luiza Snege, aluna da Letras. A grande reclamação por parte de estudantes ligados ao movimento LGBT dentro da USP é a falta de respeito no debate.

Segundo a aluna Marília Yuri, o problema não está na opinião contrária – mas na falta de argumentos. “Apesar de não concordar que o casamento gay deva ser banido, a posição ajuda no debate. Mas de que adianta alguém dizer que algo deve ser ‘banido’ e não se explicar?”.

De qualquer forma, a conquista no Supremo foi comemorada como final de Copa do Mundo. O assunto ficou entre os mais comentados do Twitter e um grande grupo de simpatizantes foi comemorar na Paulista. Entre eles, o uspiano Carlos Henrique Santos, que virou capa do jornal Folha de S. Paulo.

“Tomei um susto quando vi meu rosto na capa. Para o JC não vai ter foto, né?”, brinca. A decisão, segundo ele, é o primeiro passo para que homos e héteros tenham os mesmos direitos. “Espero que essa primeira conquista seja o passo inicial para muitas outras que nos faltam, como a aprovação de uma lei que nos proteja contra a violência e o preconceito”.

O rapaz faz questão de lembrar que os gays pagam os mesmos impostos, cumprem os mesmos deveres, obedecem às mesmas leis que o resto do país. “Por que não temos os mesmos direitos? Isso só faz crescer o preconceito”, diz.

Guilherme Rodrigues, diretor do CA da Letras, é um pouco mais reticente com a vitória. “Seria um erro consagrar o nosso sucesso ao STF. Na prática, nós o conquistamos a duras penas”. Para o rapaz, não é hora de comemorar o gol, mas de partir para o ataque. “É o momento dos LGBTs e seus aliados saírem em ofensiva e aproveitarem o momento para travar um grande debate. Afinal, ainda hoje, somos tratados como ‘segunda categoria’. É a maneira de nos defendermos dos novos ataques e de arrancar os outros direitos que ainda não vieram”, conta.

Guilherme ainda arremata que “os movimentos fascistas” podem ficar mais violentos com os avanços que a comunidade gay conquistou.

Embora os casos de agressão a homossexuais estejam aumentando, inclusive com casos dentro da USP, a polarização não acontece apenas de forma violenta. No limite cria-se um quadro parecido com “casais homossexuais: ame-os ou deixe-os”.

Para um aluno da Poli, “é impossível debater a questão gay, porque qualquer opinião contrária é tida como homofobia. E não é bem assim. Qualquer um tem o direito de dizer que não gosta de gays”.

“Você pode ser contra os gays e expressar isso. Só não pode negar que eles tenham os mesmos direitos que o resto da sociedade”, finaliza a aluna Victoria Khatounian, também da Letras.

União entre homoafetivos ao redor do mundo (Arte: ILGA, adaptada por Cleyton Vilarino)