Clássico que encena polêmica

Alice Cooper (Ilustração de Denis Hiroshi/Area E)
Alice Cooper (Ilustração de Denis Hiroshi/ Area E)

As imagens mais recorrentes sobre os shows de Alice Cooper são de rituais violentos, com vocal gritado e um rock ardido e pesado. Somando os olhos maquiados de preto, roupas sujas de sangue (falso), cobras e guilhotinas, a conta macabra fecha perfeitamente. Mas o Alice Cooper que se apresentou no dia 2 de junho no Credicard Hall é bem diferente. Pela turnê No More Mr. Nice Guy Tour, o grande nome do rock teatral se mostrou, paradoxalmente, um “cara legal”.

Embora, a banda do líder Vincent Furnier – nome de bastismo da estrela do hard e classic rock que chegou até tentar carreira política – seja ícone desse rock teatral, com performances repletas de objetos dignos de um filme trash de terror, com luzes e fumaça cor de sangue, o gingado de cintura de Alice e o boné de couro de um dos integrantes da banda lembrou Village People.

O espetáculo começou quando as luzes se apagaram diante de heterogêneas cinco mil pessoas, ou quase isso. Alice entrou no palco vestido de aranha ao som de The Black Widow, ou A Viúva Negra em português. A audiência foi mais modesta e tranquila do que em sua primeira visita à São Paulo, em 1974, quando se apresentou no Anhembi para cerca de cem mil pessoas. Na ocasião, a polícia precisou conter a multidão. Mas no Credicard Hall a “confusão” foi apenas no palco, acompanhada de vários clássicos do artista.

Ao longo do espetáculo, os elementos cênicos vinham a reboque das músicas. Em Feed My Frankstein, uma máquina explode no palco e então surge uma espécie de “boneco de Olinda” com a cara de Alice travestido de Frankstein, algo mais próximo do trash do que do assustador. Como de costume, houve também a encenação da decapitação de Alice, ao som de I Love The Dead. Uma das músicas poderia ser até romântica, fala de amor bandido e de uma mulher que apanha do marido – Only Women Bleed. Enquanto cantava essa música, Alice com seus 63 anos dançava, brincava com uma boneca de plástico. Na música seguinte fez cara de mau e a chutou.

Brincadeira ou não, é curioso pensar como esse espetáculo da violência sobrevive ainda hoje. Talvez não sobreviva tão bem, o que poderia ser uma explicação da redução do público de Cooper. Segundo o vocalista e compositor, em entrevista ao jornal Zero Hora, as bandas de rock’n’roll de hoje parecem ter medo de fazer um rock mais forte e isso, segundo o vocalista, teria a ver com e tendência do politicamente correto.

Freud não explica

Para Gustavo Henrique Dionisio, mestre e doutor em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP e professor da Unesp – Assis: “a marca registrada de Alice Cooper em seus shows, a utilização de pedaços de corpos, membros despedaçados ou mutilações não é um procedimento muito novo na história da arte e da cultura”. Recorrendo ao texto do psicanalista Jacques Lacan, que discorre sobre o “Estádio do Espelho”, fase em que, entre outras coisas, a criança experimenta seu corpo como um todo despedaçado, Gustavo busca compreender a atração que espetáculos como o de Alice exercem.

O professor sugere que o espetáculo de mutilação oferecido por Cooper, além de estar relacionado ao aspecto traumático da fragmentação moderna, vai na direção de exercer uma espécie de sedução parecida, embora não idêntica, à que acontece naquela fase. “Ao olhar para a imagem em pedaços, o espectador acabaria testemunhando uma vitória inconsciente de seu ‘eu’ como algo inteiro, algo que atestaria sua unidade, ainda que ela seja imaginária e daí viria a atração que o procedimento provoca na cultura pop”, completa. Gustavo justifica dizendo que os filmes de horror nunca deixaram de lotar as salas de cinema.