Legalizar a maconha seria a solução?

A maconha ainda é uma droga proibida no Brasil. No dia 21 de maio, ela voltou a ser um dos principais assuntos no país após a repressão feita pela PM contra a Marcha da Maconha, proibida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. De um lado, acredita-se na redução do crime organizado, no aumento da arrecadação de impostos e na melhoria do auxílio aos dependentes. De outro, imagina-se que a descriminalização conduziria o usuário a outras drogas e não resultaria em maior segurança para a sociedade.
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Nos lugares em que foi aceito, o consumo não aumentou, mas sim a demanda por ajuda – Gilberta Acselrad
O usuário é levado a experimentar outras drogas, pois a ‘noia’ fica cada vez mais difícil – Professor Antonio Carlos da Rosa Silva Junior


Nos lugares em que foi aceito, o consumo não aumentou, mas sim a demanda por ajuda

Gilberta Acselrad é pesquisadora do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ

Todas as drogas implicam em riscos. O problema da droga está na relação que o sujeito estabelece com a substância num determinado contexto sócio-cultural.

A história das drogas é tão longa quanto a da humanidade e paralela a esta, é próprio a quem tem consciência querer experimentar.

Proibir o que faz parte da condição humana é uma contradição e agrava o problema porque relega ao abandono os que não conseguem, não podem ou não querem parar de usar drogas; desqualifica o usuário como sujeito de sua história, capaz de se proteger; penaliza a pobreza potencializando vulnerabilidades; deixa ao léu famílias que sofrem, têm vergonha dos seus familiares usuários; permite a circulação de substâncias fora de qualquer controle.

Impondo a abstinência a todo custo, não esclarece, ao contrário, confunde a população que, diante de meias verdades, não avalia riscos que são reais, ficando indefesa.

Drogas hoje proibidas foram permitidas no passado, reconhecidos seus usos terapêuticos. A proibição atual repete a Lei Seca nos EUA, no inicio do século 20, quando se proibiu a produção, venda e consumo do álcool – lei que fracassou e foi revogada. A proibição atual de algumas drogas tem quase cem anos: o objetivo da idealizada sociedade sem drogas não foi alcançado, o fracasso foi reconhecido, mas a proibição persiste.

Regulamentar, controlar todas as drogas é processo complexo que pressupõe fortalecer o projeto vital de cada um com base na educação para a autonomia, a capacidade do sujeito decidir de forma protetora de si e de a sua comunidade; controlar a qualidade das drogas; esclarecer sobre riscos de uso com base nos conhecimentos científicos de que já dispomos; recuperar a possibilidade terapêutica de algumas drogas; apoiar as famílias de maneira geral e as dos usuários dependentes em particular; garantir possibilidades de tratamento.

A política recente sobre o tabaco, sem repressão, conseguiu o que há anos seria impensável – quem acreditaria que os fumantes aceitariam restrições de uso?

Legalizar vai reduzir a violência associada às drogas, fruto danoso da sua proibição. A legalização não virá por decreto, mas num processo de discussão da sociedade sobre normas de convivência.

Nos lugares em que programas de redução de danos e/ou descriminalização do usuário foram aceitos, o uso de drogas não aumentou, aumentando sim a demanda por orientação e ajuda, sinal de que podemos avançar e criar formas solidárias e democráticas de convivência com as drogas.

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O usuário é levado a experimentar outras drogas, pois a ‘noia’ fica cada vez mais difícil

Professor Antonio Carlos da Rosa Silva Junior é especialista em Ciências Penais e em Direito e Relações Familiares

É consenso entre os especialistas que toda droga, seja ela lícita ou ilícita, provoca dependência química.

Procurarei desconstruir, nessa apertada síntese, os cinco principais argumentos pela legalização:

1. Como é muito fácil comprar as drogas ilícitas, até mesmo nas escolas, a legalização apenas tornaria jurídica uma situação fática.

No entanto, não é porque as armas de uso exclusivo do Exército são, aos montes, encontradas com traficantes, que tal porte deve ser legalizado.

2. A legalização quebraria o elo entre o traficante e o usuário, sendo esse induzido por aquele a experimentar outras drogas.

Contudo, mesmo na Holanda, lugar em que o consumo da maconha foi legalizado, a descoberta de plantio clandestino é praticamente diária, o que faz presumir que o tráfico não perdeu força.

Além disso, o usuário é levado a experimentar outras drogas por conta da adaptação do organismo, pois a “noia” fica cada vez mais difícil de ser alcançada.

3. Legalizar implicaria arrecadar uma maior quantidade de impostos, que poderiam ser revertidos para a saúde e educação pública.

Entretanto, como estamos tratando de Brasil, não há nada que nos garanta que o dinheiro não seria desviado dos cofres públicos para outros fins.

Além disso, os valores angariados pelo governo são mais que suficientes para, se corretamente empregados, promover a melhoria de tais setores.

4. A legalização traria, como consequência, a liberação do prazer, que, em alguma medida, é proporcionado pelas drogas.

Porém, o fato de um pedófilo se satisfazer na relação sexual com menores não implica que a sociedade deva tornar lícita essa conduta perversa.

5. A proibição do consumo de drogas ilícitas atrai os jovens, uma vez que esses são estimulados pela quebra dos padrões sociais – afinal, “tudo o que é proibido é mais gostoso”.

Todavia, vedar o homicídio não faz com que se cometam mais assassinatos.

A droga, além de tudo isso, mata o poder de decidir, sendo dever do Poder Público, então, promover campanhas de conscientização quanto aos riscos, especialmente entre os jovens.

Finalmente, o usuário, como dependente químico que é, não deve ser levado à prisão (isso já ocorre no país desde 2006, por conta da Lei nº 11.343), mas, sim, para clínicas de reabilitação.

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