Games violentos: censurar ou não?

No dia 22 de julho, Anders Behring Breivik chocou a Noruega ao executar 77 pessoas em dois ataques. Motivado por razões xenofóbicas, o atiradorreconheceu ter jogado certos games para treinar disparos, que foram banidos nacionalmente. A atitude não é inédita. Em episódios semelhantes,o comportamento violento dos agressores foi atribuído aos estímulo de jogos eletrônicos: os autores do ataque à escola de Columbine em1999 eram fãs do jogo “Doom”, criticado por seu realismo, enquanto Mateus da Costa Meira, que executou três pessoas em um cinema em SãoPaulo no mesmo ano, teria citado “Duke Nukem 3D”, proibido no Brasil.
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Eu não posso assistir a um filme de guerra, porque necessariamente vou sair querendo fazer guerra? – Gilson Schwartz
O principal problema dos jo­gos eletrônicos é afetar as ações e induzir a respostas automáticas – Valdemar Setzer

Veja alguns números relativos ao consumo de games (infográfico: Rafael Nascimento de Carvalho)
Veja alguns números relativos ao consumo de games (infográfico: Rafael Nascimento de Carvalho)

Eu não posso assistir a um filme de guerra, porque necessariamente vou sair querendo fazer guerra?

Gilson Schwartz é diretor para América Latina do projeto Games for Change

Num jogo, você fica completamente envol­vido. É uma situação de imersão que vai além da interação. Uma intera­ção pode ser um sistema tradicional de estímulo e resposta. Você recebe um estímulo, responde a ele e é premiado ou cas­tigado de acordo com o que o instrutor conside­ra ser a resposta correta. A imersão é diferente, embora você também tenha estímulos e cas­tigos. O envolvimento com a situação é mais emotivo, de uma manei­ra que o treinamento e a simples interação não conseguem ser.

Num ambiente de aprendizado, onde é cada vez mais impor­tante estar envolvido com o que se está apren­dendo, a lógica do jogo passa a ser uma aliada. Coloca em evidência o envolvimento de quem está jogando.

Os jogos, por mais que não tenham um objetivo explicitamente educativo, são situa­ções em que você deve ter um desempenho e, portanto, vai explorar os talentos que tem. Dependendo da plataforma você vai estimular um tipo de função intelec­tual. De modo geral, os games eletrônicos vão basicamente mexer com a sua agilidade men­tal. Mesmo que seja um game de luta, ele envolve estratégia e caminhos e já vai envolver também a capacidade de tomar decisões, pensar de um jeito ou de outro.

Mas existem riscos na cultura dos jogos em ge­ral. O primeiro, evidente, é o vício. Ao invés de ser algo que te leva a desen­volver certas competên­cias, simplesmente vicia naquele mecanismo de premiação e castigo. Há inúmeros casos, em vá­rios países, de jovens que se alimentavam mal, não saíam de casa. O sujeito acaba se distanciando do mundo real e esse pode ser um caminho até para a morte.

Também existem jo­gos cujo objetivo é ex­travasar certo tipo de violência, e podem levar a pessoa a achar que aquilo representado no game é um comporta­mento que também vai ser premiado no mundo real. Mas isso é mui­to discutível. Caímos no terreno da censura. Quem vai te dizer o que é um jogo com capaci­dade de levar a um com­portamento antissocial ou violento?

Esse argumento pode valer para qualquer coi­sa: livros, filmes, pro­gramas de TV… E aí re almente é um problema. Você vai estabelecer al­gum sistema de censura para designar o que é um nível de violência ou de sexualidade aceitável? É preciso estar atento a isso, mas não combater com censura e sim com educação, debate, critica. Sou contra censura, acho que você ser exposto a algo violento não neces­sariamente leva você a ser violento. Isso é su­bestimar a inteligência das pessoas.

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O principal problema dos jo­gos eletrônicos é afetar as ações e induzir a respostas automáticas

Valdemar Setzer é professor titular de Ciência da Computação no IME-USP

Os jogos violentos são muito rápidos e, portan­to, o jogador tem que desligar o pensamento consciente. Ele tem que reagir de maneira abso­lutamente automática e isso é muito ruim, porque o ser humano vai ser tan­to mais humano quanto mais ele pensar antes de agir. E aí se entende mui­to dos casos de violência de jovens que ficaram jogando esses jogos du­rante muito tempo em um estado de inconsciên­cia, exaustão e estresse. De repente, começam a agir como foram condi­cionados pelo jogo, porque ficou grava­do no inconsciente e no subconsciente. Embora lembre poucas, o ser humano grava todas suas vivências.

É muita ingenuidade achar que uma pessoa, um jovem principal­mente, jogando horas e horas de jogos vio­lentos não vai sofrer nenhuma influência.

Muitos são favoráveis ao uso desses jogos como ferramenta pedagógica, mas eu não acredito nis­so. Devemos pensar se não há outros meios mais saudáveis. Para que uma coisa virtual se podemos deixar a criança em con­tato com a realida­de? Enfim, para quê um aparelhi­nho que ela não vai conseguir compreender?

Por na­tureza, sou contra proi­bição. No en­tanto, tenho que reconhe­cer que preci­samos proibir. Mas quem vai proibir? Não é o governo que de­veria sancionar, a sociedade deveria pedir uma lei e não apenas esperar uma iniciativa do governo. Porque o governo é um monte de burocrata sentado atrás de escrivaninhas que não entende praticamente nada de realidade.

Ninguém duvida que estamos destruindo a natureza. Só que pou­ca gente percebe que estamos destruindo a humanidade. Destruindo as crianças e os adoles­centes, que serão adultos desajustados. Ao jogar por muito tempo, existe uma destruição física e também uma destruição psicológica das pessoas: o ser humano não foi feito para ficar parado, foi feito para se movimentar sempre, mas todos esses meios eletrônicos nos forçam a isso.

Por isso precisamos ter muita consciência de como esses aparelhos são e como a gente usa. Acho que tem que ter li­berdade, mas ao mesmo tempo um desenvolvi­mento da consciência para usar essa liberdade positivamente.

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