Riots: fizeram barulho e mais o quê?

As recentes manifestações que se alastram em bairros pobres das grandes cidades da Inglaterra alcançaram as manchetes globais. Por meio das redes sociais, protestos e saques tomaram as ruas, seguidos de repressão policial. Professores analisam as motivações e a legitimidade das ações do governo e da população.
Índice

É necessário saber se esses eventos são isolados ou se fazem parte de uma cadeia mais ampla – Leandro Piquet Carneiro
Os riots foram um conjunto de reações instintivas, produtos da psicologia social – Henri Ozi Cukier

(Reprodução de trabalho de Banksy)


É necessário saber se esses eventos são isolados ou se fazem parte de uma cadeia mais ampla

Leandro Piquet Carneiro é professor do Instituto de Relações Internacionais da USP

É comum que tente-se imputar causas profundas a esses processos de revoltas populares contra a ordem. Eles são interpretados como eventos que refletem uma situação sócio-econômica ruim, ou problemas de identidades em risco se sobrepondo a oposição ao governo. Na minha opinião, neste momento, ainda não temos distância suficiente para fazer esse tipo de conexão.

Leandro Piquet Carneiro (foto: Divulgação)
Leandro Piquet Carneiro (foto: Divulgação)

Quando assistimos a eventos muito parecidos na França, também houve um posicionamento de que eles prosseguiriam, já que eram sintomas de aspectos estruturais. Foram também manifestações que afetaram bairros cuja população é majoritariamente composta por imigrantes. Entretanto, elas tiveram duração rápida e houve uma retomada da normalidade de forma razoavelmente satisfatória.

É necessário saber se esses eventos são isolados ou se fazem parte de uma cadeia mais ampla de acontecimentos, e isso exige distância no tempo. Nesse momento, o que podemos fazer é observar as conexões que já foram feitas pelas investigações policiais e governamentais, e tentar entender o que pode ser feito para controlar e, talvez, o que fica de lição para frente.

Mesmo em São Paulo, houve algo parecido em 2006, quando o PCC se manifestou por meio de incêndios de ônibus, de invasões de lojas. Não foi com a mesma amplitude, mas foi com a mesma intensidade. Nesse sentido, o que aconteceu em Londres deve ser analizado como um fato que tem consequências na segurança pública, na política de ordem do mundo inteiro – inclusive no Brasil.

É muito difícil imaginar manifestações dessa magnitude que perduram sem algum tipo de organização. Se olharmos para trás, para os famosos riots em Chicago na década de 60, havia uma forte organização em torno da luta por direitos civis dos negros, então eram esses movimentos organizados que lideravam esses processos de revolta.

Esses movimentos da periferia de Londres têm conexões fortíssimas com gangues. É claro que temos de levar em conta um processo mais complexo de identidade, o fato de que esses bairros todos têm características demográficas parecidas, mas o fato é que do ponto de vista de contenção imediata, é muito importante – e a polícia inglesa agiu com uma qualidade impressionante – a prisão, indiciamento e identificação de suspeitos. Afinal, essas pessoas estavam envolvidas em saques, incêndios, em ações criminosas. É o que se pode fazer a curto prazo.

retornar ao índice


Os riots foram um conjunto de reações instintivas, produtos da psicologia social

Henri Ozi Cukier é cientista político

Desde 2008, com a crise das hipotecas nos EUA, observou-se que a crise econômica levou a uma crise política – fruto de uma insatisfação do povo com a causa da crise anterior. Consideraram como culpada a elite financeira, incluindo bancos e instituições. Esperaram alguma resposta do governo, da elite política. Mas essa não sabia o que fazer, que resposta dar, quem penalizar como culpado para resolver a crise. E começaram a pensar: “Ou a elite é incapaz e burra ou é desonesta – ou os dois”.

Heni Ozi Cukier (foto: Divulgação)
Heni Ozi Cukier (foto: Divulgação)

Daí originou-se a terceira crise: da legitimidade do sistema político. Cada país tem seu mecanismo de expressar suas insatisfações e impactos no sistema político. Nos EUA, apareceu um movimento extremista e incapacitado de chegar a um acordo, o Tea Party. Na Europa, houve a ascensão de ideias políticas que apontavam para os imigrantes, criando um discurso xenofóbico. Casos como os atentados na Noruega ou as revoltas em Londres são reflexos dessa sequência de crises. Tais fatores não parecem estar relacionados, mas na verdade baseiam-se numa sociedade desacreditada com o sistema político, uma sociedade que se vê no caos.

Em Londres, os eventos foram muito ligados ao subúrbio, onde havia uma classe de imigrantes não assimilados na sociedade, permeados pela frágil teia social europeia. Estavam tão descrentes em relação ao sistema que passaram a considerar a ordem como mentira, como desonesta e incompetente. O norte deles passou a ser o de “fazer o que eu quero” contra o privilégio de poucos e de levar isso às ruas. Os riots foram um conjunto de reações instintivas, produtos da psicologia social que retirava deles sua identidade e os transformava em crowds, sem saber explicar direito seus motivos. Foram reflexos que não previam uma movimentação ideológica, mas que se aproveitaram de costumes já intrínsecos, como o uso de redes sociais. Houve sim o gatilho (a morte do jovem Mark Duggan), que incitou a reação de alguns, que acabou girando a manivela toda – criando toda a crise de confiança. Não personificaram ou humanizaram suas ações, atacando quem quer que fosse por motivo que fosse – era apenas por contrariar o sistema.

É claro que tais fenômenos são cortadas por questões econômicas, questões estas que potencializaram as críticas: “Eu pago meus impostos e eles sao usados para pagar a conta dos erros dos outros. ” Já no século XVIII, Adam Smith e David Ricardo defendiam que não se podia separar a economia da política, muito menos neste caso.

Quanto à reação do governo, é preciso ser duro sim, senão cria-se uma situação desenfreada, com enormes proporções que acaba por perder o propósito. Agora é uma questão de os Estados fracos e falidos fazerem reformas, retomarem o crescimento econômico do país e reestabelecerem enfim sua legitimidade.

retornar ao índice