Um teto para minha dívida

Entenda a crise política e econômica que prejudicou ainda mais a economia mundial

Por volta das 15 horas, horário de Brasília, do dia 2 de agosto de 2011, um fato inédito e histórico foi freado por uma assinatura. O presidente dos Estados Unidos Barack Obama assinou o acordo para elevar o teto da dívida americana e impedir o primeiro calote da história do país. Embora uma catástrofe para a economia mundial tenha sido evitada, o episódio expôs falhas da democracia mais antiga do mundo e tornou ainda mais sombrio o panorama da recuperação das economias após a crise de 2008. “Essa crise, por envolver questões estruturais e políticas, pode demorar mais para ser solucionada. Atualmente não conseguimos ainda saber qual a sua intensidade, nem quais serão exatamente os reflexos para o Brasil”, diz o economista Silvo Costa, que trabalha no Departamento de Pesquisa do Banco Central. Mesmo com o acordo sobre o teto, o primeiro rebaixamento do nível de risco dos títulos do Tesouro Americano não foi evitado. A Standard & Poor’s, agência de classificação de risco,  rebaixou os papéis de AAA, nível máximo, para AA+, com perspectiva negativa. Para a economista americana Janet Ortega, o rebaixamento abalou a auto-estima dos próprios norte-americanos, pois expôs as fragilidades da sua economia. Janet cogita que o anúncio da S&P pode ser considerado, no futuro, o início da queda de um império.

O teto é o limite

Nos últimos dez anos, a balança comercial norte-americana esteve deficitária, ou seja, o país gastou mais do que arrecadou. Esse prejuízo é acumulado na dívida do país, que, segundo relatório do Tesouro Americano, bateu no teto de US$ 14,3 trilhões no dia 16 de maio. Após três meses de impasse, democratas e republicanos chegaram a um acordo sobre a redução do déficit e o aumento do teto. O teto da dívida é um valor máximo, definido por lei, para o endividamento do país. Caso o valor da dívida ultrapasse o teto, os Estados Unidos não podem obter novos empréstimos nem assegurar que retornarão o dinheiro aos donos dos títulos, configurando o calote. Para evitar essa situação, o teto da dívida já foi aumentado 102 vezes ao longo da história, sendo dez apenas na última década, sem nenhum alarde. O que causou tanta preocupação na 103ª elevação do teto da dívida foi justamente o impasse entre os partidos, que pareceram deixar de lado o interesse da nação e expuseram o abismo que existe entre os dois grupos. “Uma das causas do caos foi o fato de os Estados Unidos terem deixado para última hora o aumento do teto da dívida, chegando muito perto de dar o calote. Se considerarmos que eles são a maior economia do mundo, isso é algo muito preocupante para todos os outros países. É a gota d’água, e o sinal de que há problema político, que traz insegurança ao investidor”, afirma Costa. Devido às   garantias apresentadas até então pelo governo, os títulos do Tesouro Americano tornaram-se a principal reserva econômica internacional do mundo. O Brasil, de acordo com o último relatório do Tesouro, é o quinto maior comprador de títulos da dívida norte-americana, com cerca de US$ 211,4 bilhões investidos.

Complicações políticas

Siegfried Bender, professor de política fiscal e monetária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, aponta que a possibilidade de recessão implica um corte de gastos públicos, um problema político delicado. Segundo o professor Bender, todo tipo de corte em saúde, educação e previdência acarretam ‘custos políticos’, o que pode derrubar governos e até mudar o panorama geopolítico global.“Ajustes fiscais são necessários, e uma hora acontecem, por bem ou por mal. Quem ‘paga o pato’ é o governo que está no poder”, explica o professor Bender. “No caso dos EUA, os democratas, liderados por Obama. Na hora das eleições, ele será julgado por isso, talvez até injustamente.”Para Janet Ortega, é muito difícil unir os cidadãos para que eles exijam dos políticos uma conversa séria. A situação permite que o governo aprove medidas paliativas para os problemas que enfrenta. Para que haja mudanças significativas, os Estados Unidos precisam de uma liderança forte, que apresente os interesses dos americanos a frente dos interesses partidários . “O Governo não é uma entidade separada da sociedade. Eles são um conjunto de cidadãos que administram as contas”, explica a economista. Uma liderança eficiente, segundo Janet, precisa estabelecer metas, com um limite de tempo determinado. “A educação e a saúde dos EUA precisam de mudanças urgentes, e nós, americanos, sabemos que não há vontade política se não houver crise.”

Abalos no Brasil

Segundo Silvio Costa, o primeiro efeito do rebaixamento da nota dos títulos norte-americanos pela Standard & Poor’s é o deslocamento de investimentos, uma vez que os títulos são menos confiáveis. Como consequência primária e direta, países como o Brasil podem emergir como alternativa para esses investidores, o que gera algumas preocupações. “Já estamos com um histórico de valorização da taxa de câmbio, e a entrada desses investimentos pode aumentar essa valorização”, aponta. “Isso pode afetar de forma negativa o setor de comércio externo, ou seja, as exportações brasileiras.” A justificativa da Standard & Poor’s para a diminuição da nota é a ineficiência a médio prazo das medidas para a diminuição da dívida. Em um comunicado, a S&P considera improvável que a redução de US$ 2,4 trilhões da dívida nos próximos 10 anos seja suficiente para “estabilizar a dinâmica de débito do governo”. Caso o quadro piore, a valorização do real poderia acarretar problemas como desemprego e aumento relativo dos preços. A solução para esses impasses seria diferente das adotadas durante a crise de 2008, quando o Brasil contou muito com seu mercado interno. “O país não está em um cenário de consumo, mas a população continua comprando a longo prazo seus carros e apartamentos financiados. Isso pode causar um problema maior para o país, e é necessário que coloquemos já o pé no freio, principalmente se os indicadores de recessão mundial se confirmarem”, alerta Silvio.

O Jogo da Dívida (infográfico: Ana Carolina Marques e Renata Massami Hirota)
O Jogo da Dívida (infográfico: Ana Carolina Marques e Renata Massami Hirota)