Despejo político

A principal reportagem da última edição do Jornal do Campus traz à tona uma questão importante para os estudantes e a sociedade que é a moradia para os que estudam na Cidade Universitária. Muitos não têm condições de arcar com as despesas de moradia, e isto é tão antigo quanto a instalação do campus na região do Butantã. Falta de recurso e de acesso foram os primeiros motes para a instalação do Crusp. Este tem também um caráter histórico uma vez que, na década de 1970, foi o reduto mais importante na organização do movimento estudantil que resistiu a ditadura militar.

Era um espaço livre para as manifestações políticas através de assembléias, reuniões de partidos e grupos estudantis, cursos, seminários, teatros, filmes, palestras e festas no Centro de Vivência. Para muitos era também o lugar onde se podia comer pagando pouco. As festas de finais de semana atraiam estudantes de todas as faculdades, da USP e de fora dela. Não é a toa que em 1969, a direção resolveu desmontar um dos prédios. O que ficava bem no meio do Conjunto Residencial. Segundo a Reitoria era para construir uma avenida que desse acesso aos prédios da parte posterior do campus. Segundo os estudantes, era uma forma de dividir o conjunto monolítico que se desenhara do território livre de resistência à ditadura. De dia os funcionários tentavam fazer funcionar a máquina que desmontaria o prédio construído de pré-moldados. À noite, os estudantes sabotavam a máquina para que não funcionasse no dia seguinte. Eu mesmo convivi nesse período no Crusp, mas não “oficialmente”. O que mais se temia na época é que, por razões políticas e perseguição alguns fossem de lá afastados.

A reportagem cumpre o seu papel de “ouvir os dois lados”, no caso o estudante de Letras Rafael Alves e seu advogado e do outro a Coseas, responsável pela administração do Crusp. Na página 3, o nome do Superintendente Waldyr Antonio Jorge, só aparece, no meio da quarta coluna, o que causa desconforto para leitores que não acompanham o caso e não são familiarizados com o Crusp. É verdade que na primeira página aparecem todos os personagens. Contudo é preciso ir além de “ouvir os dois lados”. Creio que o jornalista precisa formar convicção sobre o fato e publicar a sua história e não apenas relatar o que diz um e o que diz o outro. O respeito à isenção e a formação do espírito crítico do público alvo não pode inibir o repórter de expor suas convicções. O nome do repórter Carlos Vilas, a quem cumprimento pelo trabalho, aparece acima da foto do Rafael, e isto me deu a entender que ele é o fotógrafo. Se a foto não for de sua autoria, o autor deve ter o crédito na parte inferior. Se Vilas reportou e fotografou, sugiro que isso fique claro na reportagem, se preciso com dois créditos.

Na seção Opinião, os repórteres Ana Carolina Marques e Bruno Federowski fazem uma observação cuidadosa no artigo “Riots: fizeram barulho e mais o quê?” quando dizem ser necessário saber se esses eventos são isolados ou se fazem parte de uma cadeia mais ampla. Eles se referem às recentes manifestações que explodiram em bairros de Londres. Suponho que a matéria foi construída a partir de leituras de outros meios uma vez que não há fontes explícitas, o  que é absolutamente respeitável. Contudo, notícias divulgadas posteriormente sobre o perfil dos manifestantes não confirmaram que fossem na sua maioria marginalizados da sociedade londrina. Chama também a atenção o termo inglês Riots, que no meu dicionário está traduzido por tumulto.

Heródoto Barbeiro é jornalista e escritor. Atualmente é editor-chefe e apresentador do Jornal da Record News. Você, leitor, também pode contatar nosso ombudsman. Basta mandar um e-mail para herodoto.jc@gmail.com.