São Francisco reprova modelo de Exame

O Exame da Ordem dos Advogados do Brasil surgiu em 1963, foi extinto em 1972 e retornou em 1994. Com aprovações em torno de 10% dos inscritos e cursos sem nenhum bacharel aprovado,  a qualidade e a necessidade do exame têm sido deba-tidas por estudantes e docentes. O Supremo Tribunal Federal abordará o tema neste semestre
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O curso por si só não habilita para o exercício da advocacia. Falta criar uma cultura jurídica – Antonio Carlos de Sousa Carvalho
Não se pensa em verificar o porquê da situação, mas simplesmente liberar os formados – Antonio Magalhães Gomes Filho

Inscritos e aprovados no exame da OAB (infográfico: Job Henrique Casquel)


O curso por si só não habilita para o exercício da advocacia. Falta criar uma cultura jurídica

Antonio Carlos de Sousa Carvalho é Diretor de Direito & Universidade do Centro Acadêmico XI de Agosto

A OAB é uma instituição com base na Constituição, que estabelece que precisam existir alguns órgãos em torno das profissões consideradas mais importantes. É assim que acontece a criação dos conselhos de medicina, de engenharia, e também a própria criação da Ordem. O exame surgiu na última reforma do estatuto da Ordem, na qual está previsto um exame que possa qualificar os advogados no exercício da profissão.

A Ordem tem garantias de Estado perante a Constituição. O Estatuto da Ordem e o Código de Ética dos Advogados tem poder normativo para a regulação do exercício da profissão, com um papel político. Nesse papel, a Ordem aparece controlando o acesso à profissão – num recorte determinado por ela. A profissão do Direito é uma profissão muito política, e a existência de um órgão que regulamente isso é uma posição política do Direito e dos advogados.

No entanto, a mesma Constituição que criou a OAB estabeleceu também o livre exercício da profissão. Pode-se perceber que aí existe uma controvérsia, porque a ideia de um exame da Ordem acaba sendo inconstitucional ao afrontar o princípio do livre exercício. É justamente essa situação de inconstitucionalidade da Ordem, que vai ser matéria de discussão do STF esse ano ainda.

O argumento que a Ordem usou pra criar o exame é simples: há tantos bacharéis em Direito que acaba sendo preciso ter algum tipo de controle no exercício da profissão. Então, sob a ótica da Ordem, foram criados requisitos mínimos pra que você seja um advogado.

A meu ver, o exame tem problemas por não exigir uma perspectiva crítica do Direito, por ter um foco mais técnico. É preciso que se crie no Brasil uma cultura pedagógica jurídica que também dê atenção à reflexão sobre o que é e quais são os poderes do Direito, que é uma ciência política social.

O próprio exame não é suficiente para qualificar o exercício da profissão – ele não diz nada sobre qualidade e liberdade do exercício da Advocacia. Ele tem uma função social relevante, uma função social de controle, muito forte e eficaz.

Assim, a demanda técnica do exame torna-se um fator que impede uma preocupação crítica, social do Direito. Em muitos contextos o exame não cumpre esse papel. É um consenso que o Direito precisa se reler, e o exame não ajuda nessa situação.

A partir do momento que você não tem um ensino crítico de qualidade, não se criam bons profissionais. A partir do momento que não se criam bons profissionais, a Ordem sente a necessidade de ter um controle que recortem esses profissionais – no caso, um recorte técnico. As faculdades então sentem uma “demanda profissionalizante”, e moldam seu aluno nessa forma.

Pensar que o exame da Ordem faz direito não é fazer Direito: é fazer de uma maneira sistêmica. Ele organizou-se sobre uma perspectiva. O que nós precisamos agora é discutir a lógica desse sistema, e se ela é a lógica ideal.

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Não se pensa em verificar o porquê da situação, mas simplesmente liberar os formados

Antonio Magalhães Gomes Filho é Professor Titular de Processo Penal e Diretor da Faculdade de Direito da USP

Nem sempre a solução é tirar o divã da sala, como pensou o marido traído de “O Primo Basilio”. Exemplo disso é a proposta de acabar com o exame de ordem, requisito legal para o exercício da profissão de advogado, segundo o Estatuto da OAB e da Advocacia. Diante da reprovação de 88% dos bacharéis nas últimas provas, não se pensa em verificar o porquê da situação calamitosa do ensino jurídico, mas simplesmente liberar os milhares de formados anualmente pelas faculdades de direito dessa incômoda exigência.

O exame de ordem tem, a meu ver, duas finalidades principais.

A primeira, semelhante ao que sucede com o ENEM ou o “provão”, é a de servir de instrumento de avaliação do ensino ministrado nas mais de mil faculdades de direito existentes no país. É claro que o exame de ordem não é o único elemento para medir a qualidade dos cursos, até porque a missão das faculdades não é somente a de preparar o aluno para o exercício da advocacia, e deve compreender uma formação humanista mais ampla. Mas não se pode negar que é um indicador muito sugestivo: se a grande maioria dos formados se submete ao exame, é porque pretende exercer a profissão e esbarra,  pela falta de preparo, nesse obstáculo. Isso significa que a faculdade não cumpriu o seu papel. Em outras palavras, a grande maioria dos alunos foi enganada e viu frustrado o seu objetivo de adquirir  conhecimentos mínimos necessários ao exercício profissional.

Existe ainda outro motivo – penso que até mais importante – para que tal prova seja exigida. É que a advocacia não é uma profissão qualquer, mas, como proclama a Constituição, uma “função essencial à justiça”. A figura do advogado é indispensável ao exercício do contraditório processual, garantia que constitui manifestação do princípio da igualdade.  O direito a ser ouvido em juízo supõe que a parte esteja representada por alguém que tenha conhecimentos suficientes para discutir as questões jurídicas, com o mesmo nível do juiz e do membro do Ministério Público, selecionados em concursos sabidamente rigorosos.  O contraditório deve ser exercido  com “paridade de armas”, porque é isso  que assegura, em última análise, a boa qualidade das decisões judiciais. Se uma das partes está mal representada, se o seu advogado não possui  o preparo mínimo exigido para essa função, quem perde não é somente o cliente mal assistido, mas a própria Justiça.

Isso não implica admitir que o atual formato do exame de ordem não deva ser aperfeiçoado. Se existe um verdadeiro interesse público na idoneidade técnica dos advogados, a realização das provas deveria contar com a participação de integrantes de outras instituições, como ocorre nos concursos públicos para as carreiras jurídicas. Aliás, a própria Constituição prevê a participação da OAB em todas as fases do concurso para ingresso na magistratura (art. 93, I, CF) e do Ministério Público (art. 129, §3º, CF).  O mesmo deveria valer para o exame de ordem, dando-lhe maior transparência e afastando qualquer insinuação de corporativismo ou “reserva de mercado”.
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