Uma história movida pelo amor à arte

Conheça um pouco de Antônio Costella, professor pioneiro da ECA, artista renomado e dono do Museu Casa da Xilogravura, em Campos do Jordão, que resolveu doar seu acervo de mais de 3 mil obras à USP
Antônio Costella, sua esposa Leda e o cachorro Makros (foto: Ricardo Bomfim)
Antônio Costella, sua esposa Leda e o cachorro Makros (foto: Ricardo Bomfim)

“Ele adora sair em fotos”, dizem, entre risadas, Antônio Fernando Costella e Leda Campestrin quase em uníssono quando o cão Makros, preto em grego, corre para a frente deles ao ver que seriam fotografados. O cachorro senta-se confortavelmente e parece esperar a luz do flash. A cena se passa em Campos do Jordão, no jardim cheio de araucárias e copos de leite de uma casa branca construída em 1928, que atualmente abriga o museu Casa da Xilogravura, projeto idealizado por Antônio e construído pelo casal.

Makros não é o animal de estimação deles, aparece lá de vez em quando e como diversos outros moradores da cidade, fez amizade com o casal. Antônio Costella se formou em direito na Universidade Largo São Francisco e foi um dos professores pioneiros da Escola de Comunicações e Artes. Visitou Campos do Jordão, onde mora atualmente, pela primeira vez aos 12 anos e diz ter se encantado instantaneamente com a paisagem tranqüila e a natureza do lugar.

A casa onde vive com sua mulher Leda, e quatro cachorros, todos retirados de abrigos para animais, fica em frente ao museu e foi comprada em 1974. O antigo edifício branco que hoje abriga as xilogravuras foi comprado três anos depois de freiras beneditinas. “A história que envolve essa compra é curiosa. Eu tinha um terreno no Morumbi que venderia para levantar recursos e comprar a casa em Campos. Nunca tinha recebido nenhuma oferta por ele. Na semana em que negociei com as freiras recebi propostas de cinco corretores diferentes, antes mesmo de procurá-los”, conta Costella, até hoje intrigado com a situação.

O paulistano encantou-se com o “pé direito” da antiga casa de Campos, “é uma casa bem alta onde pude guardar minha biblioteca”. Ele se mudou para lá um ano após a compra, mas ainda ia freqüentemente para São Paulo. Sua paixão por xilogravuras, gravura produzida com uma matriz de madeira, começou pouco tempo depois, em 81, quando Costella decidiu fazer um curso sobre o tema. Foi amor à primeira vista. “O que gosto tanto nesse tipo de arte é que tem uma linguagem muito forte, dramática”, conta.

Devido a seu interesse, Antônio começou a reunir algumas xilogravuras de amigos e artistas que admirava e também a produzir suas próprias. Suas obras já estiveram expostas no MASP, entre quadros de Portinari e Rembrandt, fato que Antônio relembra com simplicidade e satisfação. Ele também já fez exposições no MAC, MAM e na Pinacoteca de São Paulo.

Chiquinho, o viajante de quatro patas
Túmulo de Chiquinho (foto: Juliana Malacarne)
Túmulo de Chiquinho (foto: Juliana Malacarne)

Na vida de um artista tão talentoso e conceituado, o nascimento de um cachorrinho, esperto e atrevido em sua casa poderia ser um acontecimento irrelevante. Mas na vida de Antônio, esse foi um fato que no futuro teve grande impacto. Ele adotou o filhote e lhe deu o nome de Chiquinho.

Chiquinho foi um companheiro fiel de Antônio durante toda a vida e por ser carente, foi levado pelo dono em uma viagem pela Europa. “Durante a viagem, aluguei um carro. Chiquinho ia sentado no banco de trás, enquanto passeávamos pelos países europeus. Ele gostava de encostar a cabeça no meu ombro, para poder se equilibrar melhor. De repente, eu percebi que ele via quase exatamente a mesma coisa que eu e comecei a me perguntar o que ele estava pensando de tudo aquilo”, explica Antônio.

Dessa pergunta, surgiu o livro Patas pela Europa no qual o narrador da viagem é Chiquinho, que em algumas passagens conversa com grandes vultos históricos, como Júlio César, na Itália. Antônio publicou a história pela sua editora chamada de Mantiqueira, “eu mesmo publiquei, pois achei que nenhuma outra editora teria interesse em uma história contada por um cachorro”. Para sua surpresa, o divertido e ao mesmo tempo didático livro teve grande sucesso.

O lucro que a venda de Patas pela Europa teve foi utilizado para tornar real o projeto de Antônio do Museu da Casa da Xilogravura, um dos únicos do gênero no Brasil, e Chiquinho tornou-se o símbolo da editora. A casa utilizada para abrigar o museu, no começo era a mesma onde Antônio morava. “Primeiro, Antônio decidiu que nossa sala era bonita e as xilogravuras ficariam bem nela. Cedemos a sala. Depois foram outros cômodos. Quando minha cozinha, começou a ficar cheia de material para produzir xilogravuras, não dava mais. Mudamos para nossa outra casa em Campos do Jordão mesmo”, conta de forma divertida Leda.

Uma visita pelo Museu
Fachada do Museu Casa da Xilogravura (foto: Juliana Malacarne)
Fachada do Museu Casa da Xilogravura (foto: Juliana Malacarne)

Quem visita o museu, pode ver o túmulo onde Chiquinho está enterrado no exterior da casa. Porém, ele não é o único que deixou uma marca ilustre por lá. É possível encontrar obras de artistas consagrados na área como Lazar Segal, Lívio Abramo e Marcelo Grasman no museu.

Durante uma caminhada pelos corredores bem conservados da casa é fácil aprender a história da xilogravura. No princípio, ela tinha apenas função utilitária, usada para estampar cordéis, cartas de tarô e algumas páginas de jornal. Só depois, com o surgimento de máquinas que conseguiam reproduzir imagens com muito mais eficiência, ganhou o estatuto de arte. Além de apreciar as xilogravuras expostas, é possível durante uma visita ao local, aprender como elas são feitas e entrar em contato com diversas máquinas de prensa antiga. Tudo isso, com fundo musical. O cd do Coralusp, por exemplo, é bem freqüente.

O museu abriga hoje em torno de 3 mil obras e recebe cerca de 800 visitas por mês. O fundador adquiriu as xilogravuras expostas de diversas maneiras: comprou, recebeu doações e trocou suas próprias obras pelas as de artistas diferentes. Antônio se lembra de cada xilogravura exposta e da história que as envolve. Uma delas, por exemplo, veio da Hungria. Quando visitava uma loja naquele país derrubou um dos produtos por acidente, um ovo pintado, desses que os europeus trocam no período da Páscoa. Foi se desculpar com a vendedora e acabou descobrindo que essa era filha de um gravador. Comprou uma obra do pai da moça que agora está exposta no museu.

Herança para a USP

A Casa da Xilogravura cumpre seu papel na conservação da arte no Brasil. Costella e sua esposa Leda a construíram praticamente sozinhos e resolveram doá-la a USP depois que morrerem. Impuseram apenas algumas condições: o túmulo de Chiquinho não poderá ser removido, as obras devem continuar em Campos do Jordão e o museu tem que permanecer aberto ao público. “Escolhi a USP, porque ela sempre fez parte de minha vida e também porque possui boas condições e técnicas museológicas para manter as obras”, explica o fundador.

As obras que Costella reuniu, apresentam à xilogravura pessoas que nunca tinham tido contato com ela antes, como por exemplo, os diversos grupos escolares que as visitam todos os meses. A história do museu será contada por seu fundador em um livro que deve ser lançado ano que vem. Para quem visita Campos do Jordão, passear pelo museu é um programa divertido e com certeza enriquecedor.

Antônio Costella é um intelectual que teve suas obras expostas em alguns dos museus mais importantes do país, mas que não perdeu a simplicidade de sorrir, ao ver um cachorro querendo ser modelo fotográfico. É um homem apaixonado pela arte e dedicou sua vida para que através de seu sonho e da xilogravura muitas outras pessoas pudessem sonhar também.

Antônio Costella na biblioteca do Museu (foto: Ricardo Bomfim)
Antônio Costella na biblioteca do Museu (foto: Ricardo Bomfim)